Que a ausência de jogos da “Team Asano” na biblioteca do PS4 tem sido, já há algum tempo, uma das maiores faltas para mim, é algo incontestável. Apesar de outras tentativas da Square Enix de trazer o “sentimento dos clássicos JRPGs” de volta através de outros estúdios internos, nenhum nunca chegou perto do sabor delicioso de jogos como Bravely Default.
Foi então com muita alegria que pude receber o anúncio não só de que Octopath Traveler II seria lançado, mas de que também marcaria a estréia daquela equipe trabalhando em um jogo para plataformas PlayStation. E ela foi feita com um título que captura o que de melhor essa equipe tem a oferecer, dando uma pitada moderna a uma fórmula clássica, envolta em uma das premissas mais únicas e criativas que temos por aí.
A primeira coisa que precisa ser dita sobre OTII é que, apesar de ser uma sequência da franquia, muito como várias outras séries da Square Enix, não há qualquer conexão com o primeiro jogo além do fato de seguir a mesma estrutura. Então se você, como tantos outros fãs de JRPGs focados no PS4/PS5 não tem qualquer conhecimento sobre o primeiro Octopath Traveler, fique em paz. Tudo é devidamente apresentado e explicado aqui.
Clássico é uma palavra-chave aqui. Octopath Traveler II é bastante influenciado pela estrutura de títulos icônicos do gênero, em especial Live A Live. Ele busca contar a história de oito protagonistas distintos e a forma como suas jornadas ao redor do mundo se entrelaçam pelos desmandos do destino. Tudo envolto em um sistema de batalha por turnos aos moldes de vários expoentes do gênero.
Então já fica o aviso: se você não é muito fã de jogos assim, em especial aqueles que tem um início um pouco mais lento, talvez Octopath Traveler II não seja para ti. Há um risco, nesses casos, de você acabar cochilando durante a jogatina e ficar com uma impressão errada do jogo. Mas, caso resolva dar uma chance, encontrará uma narrativa envolvente, movida pela força de personagens carismáticos e muito bem construídos e um sistema de combate divertido e desafiador.
Voltando a estrutura do jogo, ao iniciá-lo o jogador deve escolher entre um dos oito protagonistas: Hikari, o guerreiro; Agnea, a dançarina; Partitio, o mercador; Osvald, o erudito; Throné, a ladra; Temenos, o clérigo; Ochette, a caçadora; e Castti, a boticária. Não importa muito qual dos oito você escolha para começar, já que você eventualmente poderá (ou deverá) recrutar todos eles e juntar todos em sua equipe.
Isso se dá pela estrutura um tanto não-ortodoxa vista no título. Ao alcançar determinados locais do mapa com personagens específicos (algo bem fácil de se identificar, já que fica marcado no mapa-múndi), você dará início a capítulos específicos daqueles heróis, avançando as suas histórias pessoais. Entre eles, o jogador poderá explorar as várias áreas do mundo, além de completar missões secundárias apresentadas por vários personagens secundários espalhados pelo mundo, incluindo algumas especialmente vinculadas a um dos protagonistas.
As histórias específicas de cada um é composta de poucos capítulos, mas a somatória faz com que o jogo como um todo se constitua em longas jornadas cheias de significado e motivação por trás de cada uma das ações dos heróis. As pequenas interações entre os personagens na party durante o combate faz com que o grupo pareça mais vivo do que no primeiro jogo e o fato de você não ficar mais travado em um determinado caminho ao começar o jogo ajuda demais.
Há uma sensação de maior liberdade na jornada realizada pelo jogador. Caso você queira explorar todo o mundo coletando todos os oito personagens e completando o primeiro capítulo de cada um deles, isso será possível. Caso queira também focar na jornada de cada um deles por vez, também é possível. Por fim, caso queira só recrutar todos e não ver suas jornadas específicas até ser necessário, também terá essa possibilidade.
Dito isso, eu recomendo fortemente ir jogando os capítulos iniciais de cada um dos personagens e conhecer suas histórias antes de avançar pelos próximos episódios das histórias individuais. Muito porque Octopath Traveler II não apresenta uma das narrativas mais complexas e ricas que eu já vi em um JRPG, muito pelo contrário, mas se sustenta muito na força narrativa e carisma de boa parte do seu elenco principal e na conexão que consegue estabelecer entre eles e os jogadores.
Cada um dos personagens possui uma motivação crível e muito bem elaborada para decidir partir em suas respectivas jornadas. Elas vão desde o desejo de vingar a trágica morte do seu pai e mudar o destino amaldiçoado do seu reino à vontade de fazer jus ao talento herdado de sua mãe. De se tornar um mercador famoso capaz de ajudar todos ao seu redor até recuperar sua memória. De buscar deixar a sua vida de crime para trás a desvendar os mistérios por trás dos trágicos eventos da sua religião. Cada personagem tem uma jornada única e capaz de envolver o jogador e deixá-lo desejoso de acompanhá-la até o fim.
Uma importante mudança em relação ao título anterior é que, embora os capítulos individuais sigam sendo focados apenas em um personagem e com os demais agindo como mero complemento da party, agora o jogo conta com capítulos chamados de Crossed Paths. Esses capítulos são justamente voltados a contar as histórias compartilhadas dos momentos em que os caminhos de dois dos oito protagonistas se cruzam. A qualidade desses capítulos é bem boa, apesar deles agirem quase como interlúdios para construir para o chamado Final Chapter (onde todas as histórias eventualmente se encontram para o final verdadeiro do jogo). É uma adição necessária e que dá uma sensação de interconectividade na franquia que vai além da mera conveniência para o final.
Outro ponto que volta do primeiro Octopath Traveler é o sistema de Path Action, um comando específico de cada personagem que pode ser usado nos NPCs do jogo e tem um determinado efeito. A diferença fica por conta de que, dessa vez, eles não são divididos entre Noble e Rogue, mas sim entre habilidades que podem ser usadas de dia ou à noite. Cabe dizer, em relação a isso, que o jogo possui um sistema de passagem do tempo bem ágil, mas não é necessário esperar essa passagem para executar cada ação, já que com um mero toque no R2 é possível alternar entre dia e noite.
Esse sistema é algo que adiciona bastante a exploração do jogo, sendo necessário saber quais personagens são necessários para resolver certas missões, especialmente secundárias, usando essas habilidades ou como utilizá-las para adquirir itens raros e secretos, por exemplo. É claro, algumas das missões ainda afetam a sua credibilidade com os moradores da cidade, mas é fácil restaurar isso visitando a taverna local.
As habilidades variam da possibilidade de recrutar moradores das cidades para lhe acompanhar com o uso, por exemplo, de Temptation da Agnea, Hire do Partitio ou Befriend da Roxette. Da mesma forma, é possível duelar contra eles usando Match do Hikari, roubar deles com Steal da Throné ou Mug do Osvald, interrogá-los com Coerce do Temenos ou Inquire da Castti… Enfim, há toda uma gama de opções e saber como melhor usá-las é parte essencial da experiência.
O combate é talvez o sistema mais “simples” de Octopath Traveler II, mas também incrivelmente divertido em sua simplicidade. Se você já jogou outro RPG por turno, então sabe exatamente como funciona aqui. As batalhas são divididas em turnos, com cada personagem agindo uma vez dependendo da sua pontuação de agilidade. Cada personagem pode atacar, usar habilidades especiais, usar itens e se defender e, no começo de cada turno, ganha um Ponto de Break (ou BP).
A grande variação no combate fica por conta, justamente, do sistema de Break ancorado pelos BPs. Cada inimigo possui um medidor, junto ao seu nome, da sua barra de Break. O jogador pode simplesmente ignorar isso e atacar, causando uma quantidade X de dano e vencer a batalha. No entanto, se ele explorar as fraquezas dos inimigos, que vão de vulnerabilidades elementais a certos tipos de armas, as coisas mudam de patamar.
Caso o jogador ataque com um golpe que corresponda a uma dessas vulnerabilidades, o inimigo vai perdendo pontos da sua barra de Break com cada acerto e, ao zerá-la, o inimigo passa a sofrer uma quantidade exponencialmente maior de dano, além de perder entre um e dois turnos de ação (isso dependerá se ele já agiu ou não no turno em que ele sofre o Break, sendo garantido apenas o turno seguinte).
Isso faz com que o combate tome um outro nível de estratégia já que, como os inimigos te batem com uma força considerável, não explorar as fraquezas da melhor forma possível te coloca numa posição de vulnerabilidade. Para evitar isso, é aí que entram os BPs. Basicamente, cada personagem possui uma barra que pode acumular até 5 BPs por vez. Esses pontos servem para que, a qualquer momento, você possa gastar um máximo de 03 pontos para aumentar as ações do seu personagem.
Assim, se você gastar um ponto de BP e atacar, seu personagem irá atacar duas vezes em sequência imediata, uma pelo turno normal e outra pelo BP usado. Logo, caso use os 03 BPs, ele atacará 04 vezes. O efeito dessa melhoria nas habilidades é um pouco diferente, já que ela pode só aumentar o dano causado por ela, aumentar a quantidade de hits em ataques especiais de múltiplos golpes ou aumentar a duração de buffs/debuffs.
Isso traz possibilidades estratégicas importantes tanto em batalhas comuns quanto contra chefes. É uma decisão dinâmica de aguentar os ataques e ir reduzindo aos poucos a barra para, ao causar o Break, disparar um poderoso ataque especial concentrado. Ou, caso o inimigo seja fraco contra a sua arma, já iniciar reduzindo a barra para então ir usando ataques normais e aumentando o seu BP enquanto ele para de atacar. Pode parecer bastante coisa para rastrear, mas felizmente o jogo tem uma HUD bem clara e intuitiva que te permite se manter sempre a par de tudo sem exagerar na quantidade de dados na tela.
Por fim, cabe mencionar outros três sistemas únicos dos personagens já que aqui também cada um tem suas próprias especificidades. Isso é demonstrado pelos Talents, habilidades especiais únicas de cada personagem, e pelo Latent Power, uma poderosa técnica também específica de cada um que pode ser ativada em combate ao ter uma barra preenchida.
Os Talents variam bastante de um personagem para outro. Um exemplo disso é a Castti, que pode usar talento chamado Concoct que permite a ela criar itens especiais em meio à batalha usando ingredientes. Ochette pode capturar monstros e invocá-los em combate. Já outros, como Throné, tem habilidades mais passivas que ativam bônus em combate que aumentam estatísticas específicas. Há uma grande variedade e é importante observar como melhor equilibrar esses talentos para montar a melhor party possível.
Por sua vez, os Latent Powers são ativados apertando triângulo em combate e tem um efeito especial imediato. Partitio, por exemplo, pode restaurar toda a barra de BP de um membro da party de uma vez só. Hikari pode usar habilidades especiais sem gastar SP. Osvald consegue concentrar suas magias e causar uma quantidade ainda maior de dano a um inimigo só.
A combinação desses fatores faz do combate que é, bem simples, bem divertido. O único ponto negativo fica pelo fato de que, por contar com batalhas aleatórias, o jogo às vezes exagerar na frequência dos combates e, por vezes, os personagens chegam relativamente fortes aos seus capítulos, retirando um pouco da dificuldade por culpa de um grind involuntário. Ainda assim, mesmo quando equilibrado, Octopath Traveler II passa longe de ser difícil em sua história principal, apesar de guardar alguns momentos desafiadores até para veteranos do gênero em suas batalhas com chefes.
Outro elemento que poderia ser melhor aqui é o sistema de progressão dos personagens. Essencialmente, você irá ganhar Job Points (JP) a medida em que vai vencendo batalhas e, após alcançar uma certa quantidade de pontos, pode desbloquear qualquer habilidade ativa do Job ativo. Ao comprar uma habilidade, a quantidade de JP necessário para comprar a próxima habilidade cresce, fazendo com que seja necessário mais tempo para conseguir desbloquear tudo. Por sua vez, quanto mais habilidades você compra, você desbloqueia habilidades passivas, com uma nova ficando disponível quando você alcança a marca de 4, 5, 6 e 7 habilidades ativas compradas.
É bem simplista e dá pouco espaço para qualquer tipo de customização dos personagens ao longo da progressão do jogo. A mesma coisa se aplica ao sistema de equipamentos do jogo, que se restringe a comprar os melhores equips disponíveis na próxima loja que você encontrar pelo caminho, com cada personagem ficando atrelado a um ou dois tipos diferentes de armas.
Dito isso, é importante ressaltar um dos elementos mais especiais e marcantes de Octopath Traveler II: o seu visual e trilha sonora. Apesar de sofrer com algumas quedas de FPS bem estranhas ao longo da exploração do mapa do jogo, algo facilmente corrigível em patches futuros, o estilo “HD-2D”, inovado pelo primeiro título da série, é incrível rodando no PS5 e extremamente cativante se você é fã desse estilo gráfico mais pixelado.
Por sua vez, a trilha sonora é uma das mais incríveis que eu tive o prazer de ouvir nos últimos anos, com diversas canções bem marcantes e que acabam te cativando e te deixando com um imenso desejo de ouvi-las mesmo quando não está jogando. É realmente um outro ponto altíssimo da experiência e uma que merece que você jogue com fones de ouvidos para apreciar.
Cabe dizer ainda que a dublagem tanto em japonês quanto em inglês ajudam a dar ainda mais vida aos personagens e a demonstrar a personalidade e origem única de cada um deles através dos seus trejeitos e sotaques. O único ponto negativo fica por conta da ausência de legendas em português, algo que vinha se tornando comum nos jogos da Square Enix.
Em resumo, fica claro que Octopath Traveler II é uma experiência bastante única e divertida e que vale imensamente a pena se você é fã de JRPGs mais clássicos. O grande destaque fica por conta da sua excelente narrativa, sabendo usar sua simplicidade a seu favor para contar as oito diferentes histórias que ele se propõe e a forma como elas eventualmente se conectam.
O combate, por sua vez, tem sua própria personalidade e apesar de não ser a coisa mais inovadora do mundo, é executado de forma tão competente e tão divertida que nem mesmo o excesso de encontros aleatórios consegue te fazer se cansar dele. Os únicos problemas ficam por conta mesmo da performance durante a exploração e o sistema de progressão e equipamentos bem simples.
Portanto, se você ama JRPGs e nunca teve a oportunidade de jogar um título do Team Asano, corre para jogar Octopath Traveler II. Esse é o melhor exemplo do porquê os jogos do estúdio se tornaram queridinhos dos fãs do gênero e nenhum dos seus tropeços é suficiente para reduzir em nada o crescente brilho desses desenvolvedores geniais.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Square Enix.
Veredito
Octopath Traveler II é um excelente exemplo de como lançar um JRPG clássico com uma roupagem moderna. Sua narrativa envolvente e personagens cativantes por si só já entregam um título imensamente valioso, mas é na rica simplicidade do seu combate que ele alcança um patamar ainda mais elevado. Os pequenos problemas técnicos, excesso de encontros aleatórios e o sistema de evolução de personagens simples são as únicas reclamações que se pode traçar sobre um título que encanta a cada minuto.
Veredict
Octopath Traveler II is an excelent example of how to release a classic JRPG with a modern flair. Its engaging narrative and captivating characters by themselves already deliver a highly valuable title, but it is on the rich simplicity of its combat where it reaches an even higher bar. The small technical issues, excessive random encounters and simplistic character evolution system are the only complaints that can be made about a title that delights at every minute.