Simplesmente adoro o conceito de jogos que se aventuram em emular algum aspecto da vida cotidiana de uma forma exagerada e potente. Se a ideia for fugir da rigidez da simulação enquanto algo sofisticado e cheio dos detalhes do mundo real, melhor ainda. E por mais que não seja exatamente esse o marketing de Nuclear Blaze, eu adorei o plot de um simulador de bombeiros que soma o princípio do heroísmo da profissão em estar o tempo todo colocando a vida em risco para cumprir a sua missão e alguns dos seus clichês mais delicados, como enfrentar incêndios assustadores enquanto salva gatinhos indefesos.
No jogo, produto resultante (depois de refinado, claro) de uma game jam chamada Ludum Dare, somos colocados na pele de um corajoso trabalhador que, munido de uma poderosa mangueira – e deixo o trocadilho da quinta série por sua conta, caro leitor – é enviado para enfrentar um grande incêndio e que se vê na necessidade de agir para evitar um verdadeiro desastre, já que o local em chamas não é outro que não uma usina nuclear (ou outra coisa ainda mais secreta), parte do mistério que vai se revelando enquanto adentramos aquilo que o fogo ainda não consumiu. Ao explorar tais instalações, será necessário enfrentar labaredas enormes, arrombar portas reforçadas, encontrar caminhos e dispositivos, desbravar ambientes perigosos e, claro, exaurir o fogo que está espalhado por todos os lados. Ainda que encontre aliados, descubra documentos bem detalhados sobre o local, salvem os famigerados bichanos em perigo e tenha companheiros em constante contato via rádio, é ele, e somente ele, que separa o mundo de uma verdadeira tragédia.
Conceitualmente, Nuclear Blaze se configura como uma clássica aventura de plataforma bidimensional de progressão lateral, o bom e velho side scrolling, mas o foco não está necessariamente nos desafios mais comuns do gênero. Há sim passagens onde será necessário ter uma certa habilidade nos saltos, mas o foco do combate, por assim dizer, não está nos inimigos propriamente ditos como é tradicional, mas sim na solução de pequenos puzzles labirínticos que envolvem basicamente extinguir o fogo do local sem ser atingido no processo. E para que isso funcione bem, o level design é uma das gratas surpresas do jogo, com caminhos, obstáculos, passagens e salas secretas que são bem desenhados e organicamente integrados e mesmo que na teoria o game seja uma coleção de bolsões a serem resolvidos um após o outro, na prática tudo é tão bem organizado e contextualizado que, dentro de sua lógica, é um todo coeso e fluido.
O fogo, porém, não é o único obstáculo entre a morte certa e o sucesso, e as instalações que precisamos salvar estão cheias de armadilhas mortais e alguns segredos obscuros. Redes elétricas em curto-circuito, canos de gás vazando e outras dificuldades são orquestradas para aumentar o desafio e a necessidade de precisão de movimentos. Felizmente, há também bons artifícios de suporte, como sistemas manuais anti-incêndio e principalmente tanques de recarga, porque afinal a água em nosso reservatório é finita. Mesmo que ela se recarregue aos poucos com o tempo, será muito útil encontrar novas fontes de recarga e planejar bem nossos movimentos para nunca estarmos cercados sem esse tão precioso recurso. Parece óbvio, mas nem sempre é fácil.
Visualmente, mesmo com a sensação de que o protagonista saiu diretamente de uma versão pixel art de Among Us, o jogo consegue se destacar com um estilo de arte muito nostálgico ao utilizar cores e composições típicas da era 16 bits, algo que funciona muito bem no que se refere tanto a profundidade de cenários, quanto na distribuição harmônica de corredores, passagens e outros pontos de interesse. Mas é naquilo que é seu tema onde ele consegue funcionar verdadeiramente bem. Os efeitos de fogo são modernos sem desrespeitar a visão artística original e o jogo abusa dos filtros amarelados e avermelhados para cada vez mais nos colocar em meio a um ambiente opressor e claustrofóbico. O uso, em contraste, dos cinzas e dos tons azulados para instalações livres do fogo ajudam a evidenciar momentos de lucidez e respiro, e nos dar um sentimento de vitória real cada vez que superamos mais um nível. A sensação de calor (e depois, de refresco) é quase tátil.
Soma-se a tudo isso uma ótima composição musical que reforça o tom de urgência da obra, que mais parece uma trilha otimizada de filmes de ação típicos de algumas décadas atrás. Efeitos sonoros e outros ruídos completam um trabalho de mixagem emocionante e que traduz bem o conceito de se perder o fôlego em uma missão quase suicida. Bem localizado para o nosso português brasileiro, o jogo tem ainda uma ótima (e surpreendente) redação que mesmo deixando algumas interfaces de suporte um tanto quanto pesadas, cumprem bem o seu papel e tornam o jogo acessível a uma infinidade de pessoas que tenham interesse na temática ou simplesmente gostem de um bom game de plataforma com alguns elementos leves de metroidvania.
Essa intensidade toda, porém, acaba se mostrando uma grande expectativa para uma vivência tão curta. Se o objetivo é apagar, afinal, o incêndio dentro desta grande instalação, a missão não dura mais do que o tamanho de algo desse porte. Mesmo com algumas tarefas complementares e opcionais, como salvar doze gatinhos presos nos destroços ou ajudar pessoas presas em algum lugar, ainda assim parece ser um jogo que estabelece uma base muito mais potente do que a sua execução e, ao contrário de outros que se enchem de tarefas estúpidas para engordar o tempo de campanha, este parece conciso demais. Seria incrível passar por mais alguns corredores, andares ou outros cantos escondidos, quem sabe descobrir que o incêndio se espalhou para outras construções, mas no final, a missão dada e cumprida é finita e objetiva ao extremo.
Sem qualquer mistério, pra mim, Nuclear Blaze é um verdadeiro fenômeno de criatividade independente e precisa chegar a muita gente. Dito isso, mal posso transformar em palavras a minha pequena frustração com o quão curta é a experiência, que pode ser vencida, em dificuldade padrão, com não mais que em duas horas de campanha. Sim, quando imaginamos que a coisa está engrenando e tem um potencial enorme e cada vez mais absurdo de nos colocar nos piores infernos, sobem os créditos e fica a sensação de que foi tudo muito rápido, intenso e arrebatador. Pelo lado positivo, essa abordagem direta faz com o que jogo termine antes de parecer repetitivo, o que é sempre uma bela qualidade, mas fica a sensação de “quero mais”.
E, bem, na verdade, há mais. Há um “quase” NG+ (chamado de “Hold my Beer”) onde podemos recomeçar a aventura com um novo tipo de acesso que dá caminho para partes até então inacessíveis, então o fator replay é sim uma força do game, oferecendo inclusive um nível de desafio mais instigante. Para quem já superou a primeira run, é relativamente fácil saber como resolver os perrengues principais, mas há elementos novos incorporados aqui que trazem um outro tipo de sensação e uma nova compreensão dos pontos de virada originais. É também uma oportunidade para correr atrás do que ficou pendente, buscar finalizar algumas conquistas complementares e, enfim, alongar um pouco a experiência.
Além disso, há outro modo, mas só para um público bastante específico. Chamado de Modo Infantil, que como o próprio jogo explica, foi feito com base no filho de três anos de idade de um dos desenvolvedores, o veterano da indústria Sébastien Benard, mente por trás de ótimas obras como o Dead Cells, por exemplo. É uma forma extremamente simplificada do jogo padrão – que já não é tão difícil assim e tem uma variedade grande de opções desta natureza – e que basicamente traz pequenas missões de resgate onde o perigo é praticamente nulo, o direcionamento do jato de água é automático e mesmo a parte de plataforma é por conta do próprio jogo, restando ao pequeno jogador ir na direção que deseja e acionar a água na direção das chamas. Ao passar pelas vítimas – mais uma vez, aqueles pequenos felinos que amamos – elas nos acompanham até a saída. Um modo que funciona bem como inclusão, mas pouco acrescenta para jogadores adultos.
No geral, este é uma pequena jóia rara a ser descoberta que tira de uma ideia simples – a de colocar um bombeiro para apagar um terrível incêndio – uma experiência muito significativa. Sem drama, sem desvios, sem questionamentos sofisticados, tudo é o mais direto possível, com mecânicas realmente simples que exploram o uso da água, o salto e a esquiva em um design muito bem implementado que traz sim suas dificuldades, principalmente quando nos coloca contra o tempo, mas que não busca ser complexo demais ou punitivo ao extremo. Nuclear Blaze é um modesto, mas notável jogo que mostra que nem sempre é preciso ter uma história mirabolante, mecânicas que precisam ser ensinadas por 15 horas de campanha ou reviravoltas rocambolescas para manter a atenção e se provar marcante. Quando o maior defeito de algo é que ele acaba cedo demais, certamente ele tem algo de muito especial.
Jogo (versão de PS4) analisado no PS5 com código fornecido pela Deepnight Games.
Veredito
Nuclear Blaze aposta em um conceito simples para entregar uma experiência intensa e surpreendente. Não oferece mais do que poucas horas de vida útil e termina quando parece estar chegando em um ponto de maturidade, é verdade, mas considerando a proposta inicial e sua execução, bem como visuais e uma trilha sonora bem desenvolvidos, pode conquistar um espaço de carinho para entusiastas de um criativo jogo de plataforma old school.
Nuclear Blaze
Fabricante: Deepnight Games
Plataforma: PS4 / PS5
Gênero: Ação / Plataforma
Distribuidora: Red Art Games
Lançamento: 28/04/2023
Dublado: Não
Legendado: Sim
Troféus: Sim (inclusive Platina)
Veredict
Nuclear Blaze bets on a simple concept to deliver an intense and surprising experience. It doesn’t offer more than a few hours and ends when it seems to be reaching a point of maturity, it’s true, but considering the initial proposal and its execution, as well the good looking visuals and soundtrack, it can found a space of affection for enthusiasts of a creative old school platform game.