Dentre as muitas ideias que vêm sendo incorporadas ao gênero metroidvania nos últimos anos, a adoção de mecânicas soulslike provavelmente seja uma das que caiu de maneira mais adequada. Alguns dos jogos que adotaram essa fórmula alcançaram ótimos resultados, e ajudaram a estabelecer um novo subgênero que tem sido chamado de soulsvania.
Apesar disso, como um fã de ambos estilos, confesso que sentia falta de um game de ação e plataforma 2D que fosse inspirado naquele que considero ser um dos melhores títulos desenvolvidos pela FromSoftware: Sekiro: Shadows Die Twice. Com a chegada de Nine Sols para os consoles, essa lacuna parece ter sido finalmente preenchida.
Nine Sols se caracteriza principalmente por seu combate brutal, que exige precisão nos movimentos e uma boa leitura dos inimigos, para se adaptar a um sistema de defesa que dita a maior parte das batalhas. No entanto, se comparado com sua maior fonte de referência, ele não se baseia em uma mecânica de quebra da postura do inimigo. A ideia é que você apare os golpes adversários para gerar uma energia de Qi e atacá-los com técnicas de explosão de talismãs.
Embora haja diversas outras alternativas para o combate, alguns duelos exigirão que você aperfeiçoe essa técnica se quiser tornar sua jornada menos complicada. Isso porque a janela para realizar as defesas não é das mais longas, e aprender todos os conceitos que envolvem essa mecânica requer paciência e bastante treino.
A disciplina e a persistência são peças-chave, e estão inseridas de forma coesa na narrativa e na ambientação do jogo. Nine Sols usa como pano de fundo para criar sua história a cultura asiática do taoísmo. Mas isso não é tudo. Através de um desenvolvimento de enredo excelente, o game acrescenta elementos de uma sociedade cyberpunk para colocar em conflito temas como a religião e a ciência, em uma jornada por redenção repleta de momentos cruéis e emocionantes.
O personagem principal desta trama é Yi, um guerreiro de uma raça alienígena avançada que é traído e executado por seus inimigos. Anos após ficar preso em um estado de hibernação em um nódulo de uma misteriosa raiz, ele é despertado ao ouvir uma canção tocada por uma criança humana chamada Shuanshuan.
Yi é levado para a Vila Flor de Pêssego para se recuperar de seus ferimentos. Abrigado pelos moradores, ele decide permanecer ali por um tempo. Os habitantes desta pequena vila seguem uma doutrina taoísta que acredita que, a cada ano, durante a época da colheita, algumas pessoas são selecionadas pelos deuses conhecidos como os Nove Sols para entrarem por um portão e transcenderem para o paraíso.
Porém, o ritual de passagem esconde uma realidade cruel. Do outro lado vive uma sociedade que, há muito tempo, foi obrigada a deixar o seu planeta natal de Penglai por conta de um vírus mortal. Estes seres de aparência felina são detentores de uma tecnologia avançada e estão dispostos a fazer qualquer sacrifício para preservar sua história e sobreviver neste novo mundo.
Na noite em que Shuanshuan seria selecionado pelos invasores, Yi decide finalmente colocar em prática seu plano de vingança. Em um movimento rápido, ele interrompe o ritual e salva o menino. Após o incidente, o guerreiro aproveita o acesso liberado do portão para descer para instalação solariana e começar sua jornada para eliminar aqueles que o traíram.
Todo o desenvolvimento narrativo ocorre através dos diálogos entre os personagens e revelações do passado da civilização solariana e também de Yi ao longo do jogo. Há uma grande quantidade de informações para serem obtidas e o lore é rico em detalhes. Mas as legendas em português brasileiro tornam o processo fácil de ser assimilado.
O jogo frequentemente trata deste conflito entre diferentes culturas. Uma de suas melhores qualidades é a evolução de Yi como personagem. Conforme a história avança, um outro lado do guerreiro é revelado através de suas atitudes principalmente em relação à Shuanshuan. O menino funciona como um elo entre as duas realidades e possui uma curiosidade que é alimentada por artefartos solarianos encontrados por Yi ao longo de sua missão.
Os demais personagens também são muito bem inseridos dentro do contexto da história. Até mesmo os Nove Sols, figuras que são tratadas como vilões implacáveis, possuem motivos capazes de justificar suas atitudes. No fim das contas, Nine Sols é um jogo em que a história se revela muito mais profunda do que apenas uma jornada por vingança.
Já o design do mundo é marcado por uma ambientação sombria. Os mapas representam as instalações construídas pelos solarianos de maneira bastante variada. Ao longo de sua aventura, Yi deverá superar mapas de cavernas, áreas tecnológicas, uma fábrica de transmutação, dentre muitas outras. Já a direção de arte com gráficos pintados à mão resulta em visuais excelentes.
Outra qualidade do jogo está nos efeitos sonoros. A trilha é composta por canções que se adequam perfeitamente ao conceito do jogo. Enquanto as passagens com cunho emocional são marcadas por composições clássicas da cultura chinesa, as lutas e os momentos mais intensos são destacados por músicas repletas de elementos eletrônicos, refletindo muito bem a atmosfera futurista. Já os efeitos sonoros, além de refletirem a ambientação, também são úteis como feedback para o jogador interpretar as ações de ataque e bloqueio sem que se distraia com detalhes durante as batalhas mais intensas.
A evolução pelos cenários é a típica dos metroidvanias. Novas áreas são reveladas conforme você avança pela história e derrota os chefes. Os mapas são interligados e possuem salas que só podem ser acessadas após adquirir a habilidade específica. Dentre elas estão um dash no ar, um pulo duplo, além de outras convencionais do gênero. Mas também há variações do bloqueio para revelar novos caminhos e uma função de hack que pode liberar portas e solucionar quebra-cabeças.
A orientação para avançar pela campanha ocorre através de pontos de interesse adicionados ao mapa, ou de diálogos com um NPC. Alguns chips encontrados durante a exploração revelam o número de segredos de cada área, mas a falta de um marcador atrapalha na hora de retornar a um local específico após conseguir a habilidade apropriada.
As sessões de plataforma também estão presentes frequentemente. A maior parte delas requer evitar ameaças de cenário enquanto usa as diferentes habilidades para isso. Não há um grande nível de dificuldade nestas sessões. O maior problema é que qualquer contato com superfícies perigosas fará com que você seja posicionado de volta ao início. Isso gera um pouco de confusão, principalmente quando ocorre em meio a uma luta.
O maior desafio de Nine Sols sem dúvidas está no combate. Embora o conceito principal seja as habilibidades de defesa e contra-ataque de Yi, outras mecânicas permitem que você encare muitas lutas da maneira convencional. Para isso, o guerreiro conta com uma espada capaz de desferir uma sequência de ataques rápidos, cujo terceiro golpe do combo causa dano aumentado ao oponente.
Quando realizado nas costas do inimigo, a sequência produz um efeito de dano crítico. Isso, de certa forma, acrescenta um componente de furtividade ao jogo, embora não seja possível eliminar alguns adversários de forma imediata. Além disso, uma outra arma é um arco, que funciona para acertar alvos distantes, quebrar escudos e também imobilizar alguns inimigos problemáticos.
O nível de dificuldade do jogo é alto. E mesmo as lutas contra adversários considerados básicos podem ser desafiantes. Há uma boa variedade de inimigos e de subchefes. Boa parte deles se caracteriza por movimentos rápidos, além de possuir ataques de média e de curta distância. Já as batalhas contra os chefes possuem um ótimo nível de desafio, e são capazes de testar sua paciência à medida que podem se tornar frustrantes conforme o número de tentativas para superá-las for aumentando.
A grande sacada para superar os duelos é dominar o sistema de parry. As variações de defesa permitem realizar bloqueios perfeitos, aparar ataques no ar e até contra-atacar golpes indefensáveis. Para cada bloqueio realizado no tempo certo, uma energia de Qi é gerada para ser consumida posteriomente para desferir um golpe de talismã. A maior dificuldade deste sistema acontece quando vários golpes precisam ser defletidos em sequência vindo de lados opostos, o que se torna frequente em estágios mais avançados.
Uma mecânica interessante é que mesmo os bloqueios realizados fora do tempo correto ainda não serão convertidos em dano direto. Uma parte da barra de vida de Yi ficará retida e retornará após alguns segundos, caso você não sofra dano. Se um ataque inimigo acertá-lo durante este processo, no entanto, toda essa porção de vitalidade será automaticamente removida. Isso enfatiza a importância da defesa e da precisão nos movimentos de esquiva.
Para ajudar na construção do personagem, o jogo conta com uma árvore de habilidades que, embora não seja das maiores, ainda é capaz de fornecer boas vantagens no combate. O nível é separado da economia. Os pontos de habilidade são adquiridos conforme uma barra é preenchida ao eliminar inimigos. Já o Jin, que equivale à moeda, é usado para comprar itens dos mercadores e fabricar upgrades. Toda vez que sofre um golpe fatal, seu Jin e seus pontos de experiência acumulados ficarão retidos com o inimigo que o matou ou no cenário para serem coletados novamente. Porém os pontos de habilidade já convertidos não serão perdidos.
Itens chamados de jades podem ser encontrados em baús nos mapas, recolhidos de inimigos especiais e comprados de mercadores. Eles funcionam como implantes a serem instalados em Yi em qualquer ponto de controle. Os chips podem conceder vantagens passivas, como um segunda chance ao receber um golpe fatal, aumentar o dano do talismã, diminuir o cooldown da esquiva e muito mais. Além disso, a exploração é premiada com materiais para melhorar o arco, a barra de vida de Yi e a quantidade de saúde recuperada com o cachimbo.
Todo o processo de evolução do personagem é bem construído para que o jogo permaneça apresentando novos desafios a cada área encontrada. Durante as quase 30 horas que passei para finalizar a campanha, explorar áreas secretas e completar as missões secundárias, houve momentos em que o nível de dificuldade ou a janela curta para realizar os bloqueios sucessivos me deixou um pouco frustrado, mas a ótima sensação obtida ao superar uma batalha foi suficiente para que eu seguisse na dificuldade padrão mesmo diante das adversidades. Nine Sols é um jogo punitivo, mas que resulta em uma das melhores experiências de aprendizado e de superação.
Claro que esse é sempre um fator subjetivo. Alguns podem achar o jogo mais fácil, outros mais difícil. Para ajudar os que estiverem passando por problemas, Nine Sols conta com um modo no qual é possível ajustar o multiplicador de dano causado e sofrido para criar uma experiência que se adeque ao que você deseja.
Diante de todas essas alternativas de jogabilidade, por sua excelente história e sua ambientação única, Nine Sols pode ser considerado não apenas um grande metroidvania, mas também um dos que melhor adaptou as mecânicas dos jogos soulslike. Embora parte considerável do combate ainda seja direcionada ao sistema de bloqueio e contra-ataque, dominar essa técnica resulta em um dos títulos mais recompensadores dos últimos anos.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Red Candle Games.
Veredito
Em um gênero tão concorrido como o dos metroidvanias, Nine Sols brilha com mecânicas recompensadoras de combate, batalhas desafiadoras e uma história emocionante que une conceitos de religião e ciência para criar uma ambientação única.
Nine Sols
Fabricante: Red Candle Games
Plataforma: PS4 / PS5
Gênero: Ação / Metroidvania / Soulslike
Distribuidora: Red Candle Games
Lançamento: 26/11/2024
Dublado: Não
Legendado: Sim
Troféus: Sim (inclusive Platina)
Veredict
In a genre as competitive as metroidvania, Nine Sols shines with rewarding combat mechanics, challenging battles, and a gripping story that combines concepts of religion and science to create a unique setting.