O ano era 1995 e as manhãs na TV aberta eram dedicadas ao público infanto-juvenil. A TV Colosso estava em seu auge de popularidade (e sinceramente até hoje eu não entendo como o programa foi abandonado), e algo extremamente novo era anunciado como atração principal, já perto do horário de almoço: finalmente veríamos um típico super sentai no mais popular canal do país.
“Típico” é um termo forte, já que diferente do que estávamos acostumados a ver na Manchete e, depois, em outras emissoras, aqui o elenco era ocidental. Mas estava tudo lá: cinco pessoas, poderes de transformação, uniformes coloridos, monstros ridículos de espuma, uma vilã muito malvada, faíscas saindo de tecido, robôs gigantes se unindo um um robô maior ainda, pedreiras, explosões, poses cafonas, tudo certinho. Go go Power Rangers!
Em tempos com internet escassa e crianças mais inocentes, demorou muito para entendermos o que era aquela produção, como a Saban tinha adaptado conteúdo japonês para o mercado estadunidense, porque a Ranger Amarela não tinha a mesma saia da Rosa e coisas do tipo. Nada disso, todavia, era importante para a popularidade de um programa que se tornou um verdadeiro fenômeno cultural típico dos anos 1990.
Era óbvio que um jogo baseado neste universo faria um sucesso estrondoso, e Mighty Morphin Power Rangers não tardou em chegar no mercado com algumas versões distintas para consoles diferentes, sendo a do SNES provavelmente a mais famosa e reconhecível até os dias atuais. Não era tão diferente das toneladas de beat ‘em ups genéricos daquele momento, mas, poxa, carregar uma barra de especial para se transformar (ou morfar para os mais íntimos) e, no final, ainda assumir o Megazord era impagável.
Crescemos, a franquia seguiu na TV para caminhos esquisitos, outros jogos surgiam de tempos em tempos, mas nada fez tanto barulho na mídia quanto aquele que adaptava a primeira geração (ou quase, já que trazia alguns substitutos do elenco original), porque, no final das contas, o gênero jamais alcançou o mesmo status de protagonismo no mercado. E no momento em que ressurgem algumas marcas importantes daquelas primeiras gerações, eis que novamente estamos andando pelas ruas da Alameda dos Anjos e espancando alguns bonecos cinzas.
Mighty Morphin Power Rangers: Rita’s Rewind se aproveita das melhores características da nostalgia de vários modos diferentes. Em um primeiro momento, claro, ao novamente escolher aquela geração original, onde os cinco (ou seriam seis?) heróis representam animais pré-históricos. Mas este saudosismo também pode ser percebido no aspecto pixel art clássico do estilo 16 bits, ainda mais estilizado na comparação com o game da época; e pelo formato de gameplay clássico do beat ‘em up. Um pacote old school completo.
A trama, mesmo original e criada especialmente para o jogo, não poderia ser mais cafona: Robo-Rita, uma versão futurista da primeira antagonista da franquia, volta no tempo tal como um T-800 estridente, e encontra sua versão original, a inigualável Rita Repulsa, maquinando um plano infalível para finalmente derrotar os malditos rangers, brincando com a linha do tempo de acordo com o que lhes convém e tentando evitar que os inseparáveis amigos se unam pelo bem.
Ao se aproveitar dos princípios de viagem temporal, linhas alternativas e reescrita de fatos que todos já conhecem, o game tem uma liberdade para recontar esta história de origem sem precisar se manter preso às amarras canônicas e, ao mesmo tempo, se permitindo trabalhar com vários dos antagonistas conhecidos – inclusive alguns oriundos de outras temporadas da série televisiva – de uma forma mais criativa e própria da mídia interativa. Pelo escopo do jogo, contudo, vale ressaltar que são poucos os adversários a ganharem relevância.
Esta possibilidade de misturar e remixar coisas pré-estabelecidas preenchem narrativamente um sistema de progressão e carreira bastante coerente com as convenções do gênero, e o formato é bastante confortável para quem já o domina: em um corredor de avanço lateral, o jogador (sozinho ou acompanhado de até outras quatro pessoas) precisa descer a porrada com seu personagem favorito em tudo o que se mexer e, no final, enfrentar um chefão poderoso e apelão.
O uso de apetrechos estrategicamente espalhados pelo cenário é uma boa forma de alívio para trechos mais populosos, e o tiroteio em veículos nas passagens de shoot ‘em up é muito mais frequente do que se poderia esperar para algo ambientado neste universo. Aliás, são muito bem vindas as fases que mudam a perspectiva, como faziam Contra e Battletoads por exemplo, que quebram os ciclos de repetição, mesmo que sejam menos brilhantes no que se refere a precisão de controle e diversidade de inimigos.
O mesmo vale para as batalhas utilizando os famigerados Dinozords, desta vez presentes também em suas formas individuais antes de se juntarem no poderoso Megazord. São passagens com um certo aspecto tridimensional, repetitivos e com vários trechos reaproveitados uns dos outros, sempre se apoiando na aridez de um vale pedregoso e em instalações industriais genéricas. Conceitualmente, uma ótima ideia. Mas em termos de execução, o ponto baixo do jogo.
Todo este esforço seria um grande desperdício, porém, se a ambientação não trouxesse aquele feeling do final do século passado, e muito provavelmente o aspecto audiovisual seja o maior e mais pleno acerto da produção. Pode-se encontrar sim alguns cenários mais tímidos, passagens internas e coisas médias, mas a regra está na amplitude dos grandes ambientes, imprimindo aquele sentimento de urgência catastrófica que, ao mesmo tempo, não tem a ganância de se levar a sério demais.
Os visuais são impecáveis, incluindo a arte pixelada in-game com movimentos simples e, ao mesmo tempo, gratificantes. Soma-se o trabalho excepcional de animação das cenas de corte iniciais que, mesmo apoiado em algum preceitos reconhecíveis, traz uma identidade própria para o jogo, se libertando de uma pretensa emulação engessada da referência original. Isso resulta em muita personalidade sem negar suas origens enquanto uma produção derivada. Pena que esse investimento em passagens animadas não se mantenha, sobrando para os diálogos convencionais com caixas de texto a contextualização narrativa.
Todo o aspecto sonoro merece ainda mais destaque, não só pela presença de uma versão atualizada e empolgante do tema principal e derivações que mantém o mesmo tom enérgico, mas também por toda a ambientação cheia de efeitos, ruídos e muito exagero na sonorização da pancadaria. A vibe quase inocente de aventura jovem é uma constante, garantindo o ritmo narrativo e a fluidez da jogatina. É uma combinação catártica que remete a tempos mais vibrantes, simples e descompromissados.
Sobra para o sistema de combate conseguir transformar essa vibração toda em um modelo de ação consistente que, se não tem qualquer ambição de reinventar a roda (com direito a alimentos em barris para recuperação da barra de vida), faz o básico de forma inapelável. Os combos são de fácil conexão e se apoiam do tom cartunesco para valorizar o impacto. Espancar pobres bonecos de massinha é divertido, sobretudo quando se aproveita bem o alcance dos movimentos básicos, composições com ataques embalados e o uso da providencial barra de especial que garante toda a pirotecnia necessária.
Poder utilizar objetos do cenário para compor seus ataques (como socar placas para que elas atinjam inimigos à distância) é um tempero muito bem-vindo, ao mesmo tempo que a gestão da barra de vida precisa de cuidados, mesmos na dificuldade padrão. Para os mais experimentados, o nível acima do difícil, liberado mais adiante, é um exercício de resiliência e paciência, porque torna os inimigos bem agressivos.
A se lamentar, estão coisas como as batalhas com o Megazord, repetitivas em ciclos enfadonhos e com alguns problemas de precisão. As passagens com os Dinozords também são excessivamente longas e morosas, com problemas de composição de cena, inimigos extremamente econômicos e poucas ações realmente provocadoras e, como resultado, o que sobra de personalidade nos trechos de beat ‘em up falta nos demais.
As transições explorando a lanchonete do Ernie, com direito a encontrar lá os personagens resgatados como recompensa por encontrar segredos escondidos, além de diálogos com outras figuras conhecidas, como Bulk e Skull, que trazem contigo seu próprio tema sonoro. Bobo, mas muito mais coerente que outras adições mais descontextualizadas, como os minigames disponíveis nas máquinas por lá, que até são uma adição interessante, mas um extra estranho em um jogo que sofre para ter conteúdo suficiente por si.
Por mais que a nostalgia seja traiçoeira e nos pregue algumas peças, não posso deixar de pensar que Mighty Morphin Power Rangers: Rita’s Rewind é muito provavelmente um dos melhores beat ‘em ups que eu jogo em anos, quiçá décadas. É empolgante, com fases temáticas com armadilhas ambientais que não caem no exagero, e até mesmo a variedade de inimigos lida bem com o material base.
É, nestes aspectos, superior ao game clássico do qual falei algumas vezes ao longo do texto, com visuais caprichados, uma melhor ocupação da tela, mais impacto e diversidade no combate, e um tom muito mais aventuresco do que outras propostas mais recentes. Mas quando tenta variar, esta sensação é abalada, e tanto a passagem com tiros quando o combate em primeira pessoa naquilo que deveria ser o climax da batalha deixam a desejar.
Posso ir mais além ao dizer que não seria absurdo, considerando que esta é praticamente uma releitura alternativa da história de origem desta franquia, ser esta a porta de entrada para o universo Power Rangers considerando um público mais jovem. Acessível no que se refere a dificuldade e progressão, e profundo o suficiente para parecer uma das boas tramas de um clássico tokusatsu (pasteurizado para o ocidente, é verdade) Mighty Morphin Power Rangers: Rita’s Rewind é um aceno generoso pra fãs antigos e, surpreendentemente, para novos adeptos.
Se é verdade que é um jogo que sabe se aproveitar do saudosismo olhando por vários ângulos, é justo dizer também que ele se sustenta enquanto produto único, por si mesmo e pelas suas qualidades. Não é surpresa nenhuma que as crianças com quem experimentei saíram enunciando a plenos pulmões que “é hora de morfar” logo depois de soltar o controle. A bem da verdade, fui eu mesmo que ensinei.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Digital Eclipse.
Veredito
Empolgante, divertido e energético, Mighty Morphin Power Rangers: Rita’s Rewind é uma verdadeira celebração da franquia e do próprio formato beat ‘em up. O jogo une uma história típica dos programas de super sentai matutinos da década de 1990, ótima jogabilidade e uma estética arrasadora, mesmo perdendo um pouco o ritmo nas passagens de tiro e combate com os zords. Não reinventa o gênero, mas certamente o exalta como poucas produções das últimas décadas.
Mighty Morphin Power Rangers: Rita's Rewind
Fabricante: Digital Eclipse
Plataforma: PS4 / PS5
Gênero: Beat'em up
Distribuidora: Digital Eclipse
Lançamento: 10/12/2024
Dublado: Não
Legendado: Não
Troféus: Sim (inclusive Platina)
Veredict
Exciting, fun and energetic, Mighty Morphin Power Rangers: Rita’s Rewind is a true celebration of the franchise and the beat ‘em up format itself. The game combines a story typical of the super sentai morning shows of the 1990s, great gameplay and a stunning aesthetic, even if it loses a bit of pace in the shooting and combat passages with the zords. It doesn’t reinvent the genre, but it certainly exalts it like few productions of the last decades.