Metaphor: ReFantazio – Review

Project Re:Fantasy. Poucas coisas sinalizam o quão rápido o tempo passa quanto o fato de quase oito anos separarem o lançamento oficial de Metaphor: ReFantazio e o seu anúncio oficial no final de 2016, pouco após a Atlus confirmar a criação de um novo estúdio interno, hoje conhecido apenas como Studio Zero. Anunciado com apenas uma pequena arte e uma declaração do seu Produtor e Diretor.

Um pequeno teaser viria logo depois e teasers foram aparecendo ano após ano, mas só em 2023 teríamos o anúncio oficial do jogo, agora com seu nome oficial, Metaphor: ReFantazio. Seria natural imaginar que o jogo estava em algum tipo de “inferno de desenvolvimento”, já que a quantidade de jogos ao longo dos últimos anos que se tornaram notórios por longos e conturbados processos de criação é bem longa, mas o primeiro projeto do Studio Zero parecia exalar uma quieta confiança em sua criação.

Muito amparado pelo pedigree dos nomes envolvidos no projeto, liderado por Katsura Hashino, o diretor por trás dos principais títulos da Atlus nas últimas duas décadas, incluindo Persona 3, 4 e 5, Shin Megami Tensei III: Nocturne e Catherine, além de outros nomes clássicos da publisher, como o Designer de Personagens Shigenori Soejima e o Compositor Shoji Meguro, havia uma expectativa enorme sobre o título. E, a bem da verdade, o tempo de desenvolvimento não só fez bem a Metaphor: ReFantazio, mas talvez tenha o tornado o melhor título da Atlus até aqui.

Metaphor: ReFantazio

Como todo bom jogo da Atlus, parte essencial da sua qualidade é a narrativa absurdamente bem construída. O jogador assume o controle de um jovem membro da raça Elda que parte em uma jornada para cumprir uma missão secreta no Reino de Euchronia, logo após o Rei Hythlodaeus V ser assassinado. O protagonista é um amigo de infância do Príncipe, que havia sido alvo de um atentado pelo mesmo responsável pelo assassinato do Rei e declarado morto como forma de acobertar sua fuga, e um dos poucos que sabe que ele sobreviveu.

Com o príncipe ficando progressivamente mais fraco a cada dia que passa, cabe ao protagonista evitar que o responsável pelo assassinato do Rei assuma o trono enquanto busca uma forma de salvar a vida do seu amigo de infância. Quando o protagonista desperta um novo poder e um torneio/eleição é anunciado para decidir quem será o novo rei de Euchronia, um desafio se apresenta: será você capaz de reunir Seguidores o suficiente para assumir o trono?

O plot principal do jogo é excepcionalmente bem construído e trabalhado. Um dos grandes méritos da narrativa de Metaphor: ReFantazio é a forma como os desafios vão sendo apresentados e como o peso da narrativa vai escalando junto com eles. Ele já começa estabelecendo um problema grave a ser resolvido e com a aparente solução tendo um peso similar, mas à medida que os diferentes cernes vão sendo desenvolvidos, esses elementos vão evoluindo de acordo e num ritmo que faz sentido.

Metaphor ReFantazio

Um outro elemento positivo é que em nenhum momento se tem a sensação de que dada virada na história veio “do nada”. Os elementos apresentados fazem sentido no contexto da narrativa ou surgem a partir de certas linhas do plot que vão sendo trabalhadas aos poucos ou no background da história, evitando uma sensação de uma solução mágica surgindo do nada para desafios intransponíveis, algo que, pessoalmente, eu considero um dos grandes problemas da obra anterior do Hashino, Persona 5. Mesmo os elementos mais místicos da narrativa são apresentados e trabalhados de forma a terem um “payoff” emocional adequado.

Algo que contribui excepcionalmente para o êxito do jogo é a ambientação. Um dos grandes chamarizes de Metaphor: ReFantazio era o fato de ser um dos raros jogos da Atlus a sair da ambientação moderna ou pós-apocalíptica que se tornaram marca registrada de franquias como Persona e Shin Megami Tensei, se apresentando mais como um jogo de fantasia medieval. Esse talvez seja o rótulo mais próximo possível, mas ele não deixa de carregar consigo vários elementos que o tornam, indubitavelmente, um jogo da Atlus.

Metaphor: ReFantazio traz um mundo medieval ancorado pelo uso de magia, onde grande parte dos seus residentes dependem de um dispositivo chamado ignitor que os permitem usar magia sem ter a necessária aptidão natural para tal. Isso faz com que, entre as várias raças existentes no mundo, os Elda, tribo do protagonista, seja tratada como inferior e sofra uma enorme quantidade de preconceito justamente por ser capaz de usar magia naturalmente, especialmente um tipo dela tido como “proibido”.

Metaphor: ReFantazio

Isso faz com que o protagonista tenha criado uma paixão especial por um livro que ganhou do Príncipe, uma aparente história de ficção sobre um mundo sem magia, onde tudo é construído com esforço e conhecimento, onde só existe uma raça e todos vivem em harmonia. É uma inversão interessante em que esse mundo mitológico é a nossa realidade, algo que, não só tem um quê de “o jardim do vizinho é sempre mais bonito”, mas traz algumas reflexões bem interessantes e pontuais que devem tocar os jogadores. Ao mesmo tempo em que nossa realidade é uma “utopia” a ser sonhada, os grandes e assustadores monstros que ameaçam o mundo são chamados de Humanos.

Os antagonistas também são muito bem construídos, algo que normalmente é uma fraqueza dos jogos da Atlus. Eles não chegam a ser caricaturas do mal nem nada parecido consigo e, embora ainda sejam claramente adversários que precisam ser derrotados, o jogo consegue dar uma motivação mais profunda para eles no porquê deles agirem em busca dos seus objetivos da forma como são. E grande parte desses problemas são frutos da própria natureza do mundo em que eles vivem, algo que é bem legal de ver o jogo explorar e enriquece a experiência.

Um dos grandes méritos de Metaphor: ReFantazio é a qualidade do elenco de personagens do jogo que fazem com que essas questões e reflexões funcionem. O protagonista é uma força em especial, já que, não só o jogador tem a possibilidade de moldar o seu comportamento como preferir (algo esperado de um RPG da Atlus), mas, por um protagonista efetivamente dublado, algo que ajuda a demonstrar mais a personalidade dele. Isso faz com que os dilemas e questões vividos por ele tenham um peso maior, sem necessariamente sacrificar a imersão.

Metaphor: ReFantazio

Mas não é só o protagonista que faz com que a história funcione. O grupo de aliados que você irá coletar ao longo do jogo, chamados aqui de Seguidores, são mais sinérgicos do que em outros jogos da publisher, parecendo muito mais um grupo de heróis com suas próprias razões para lutar, como Strohl, um jovem nobre que busca vingar a morte dos seus pais ou Hulkenberg, uma guerreira da guarda da Família Real que busca se redimir por não ter protegido o príncipe, do que aliados cujo laço central é a sua devoção ao protagonista.

Talvez o ponto mais emblemático sobre isso seja o sistema de combate. As batalhas seguem o tradicional sistema de combate por turnos dos jogos da Atlus, basicamente recriando o Press Turn de Shin Megami Tensei V: Vengeance. Você terá direito a uma certa quantidade de ações no seu turno, sendo possível aumentar a quantidade de ações ao explorar a fraqueza dos seus inimigos, tudo enquanto se tem cuidado para que eles não explorem as suas. É um sistema excepcionalmente funcional e desafiador, executado aqui com a mesma qualidade vista em Vengeance.

As duas grandes diferenças ficam por conta do sistema de Arquétipos e o “pré-batalha”. Os Arquétipos, a representação mágica de heróis e reis do passado, são um sistema de classes um pouco disfarçado como a estrutura de Personas. O que isso quer dizer é que, não só os Arquétipos determinam quais as armas você usará, mas também as habilidades à sua disposição, com diferentes Arquétipos tendo acesso a diferentes tipos de habilidade, com alguns sendo melhores em combates com magia, outros ataques físicos e por aí vai.

Metaphor: ReFantazio

A grande diferença fica pelo fato de que, ao contrário do que acontece em Persona, no qual só o protagonista pode trocar livremente entre diferentes personas, aqui você pode desbloquear livremente os Arquétipos que quiser para todos os personagens da sua equipe (limitado apenas por um recurso chamado Magla), podendo, inclusive, alterar entre elas através de uma opção no menu de equipamentos. A diferença fica por não se poder mudar durante a batalha, então é fundamental montar a sua equipe (de até quatro guerreiros) pensando na sinergia entre eles, já que é necessário cobrir uma variedade grande de habilidades e posicioná-los da forma adequada em campo.

O sistema “pré-batalha” mencionado acima é a outra grande novidade do sistema de combate aqui. Ele basicamente funciona como em The Legend of Heroes: Trails through Daybreak, sendo possível atacar livremente seus adversários no campo de batalha antes de entrar em batalhas por turnos. Fazê-lo te permite quebrar o escudo dos inimigos e entrar em combate com eles atordoados por um turno e sofrendo uma grande quantidade de dano no início ou até mesmo derrotá-lo sem precisar entrar no sistema “tradicional” de combate. É algo bem simples, mas bem funcional.

Aqui o tipo de Arquétipo influencia a forma como você entra em combate também, já que, por exemplo, um Mago ataca uma área grande, mas mais devagar, enquanto um Guerreiro irá realizar ataques mais rápidos mas que só atingem um ou dois inimigos de uma vez. É um sistema fácil e imensamente funcional que ajuda a dar um elemento maior de estratégia também à movimentação no campo, algo que é enriquecido com o apoio de Gallica, a pequena fada que age como conselheira e companheira do protagonista.

Metaphor ReFantazio

É bem legal que haja uma liberdade maior na customização do seu protagonista com relação a sua progressão. Ao subir de nível, você ganhará pontos de habilidade que podem ser usados para melhorar uma de cinco estatísticas, podendo adaptar suas habilidades para potencializar seus Arquétipos favoritos. Cabe aqui dizer que os Arquétipos também tem um sistema de progressão, ganhando novas habilidades à medida em que ganham experiência (um tipo separado da experiência que determina o nível do seu personagem).

Importado de Persona também é a forma como se desbloqueia novos Arquétipos. Para tal, é necessário obter novos Seguidores, aliados que o jogador irá fazer ao redor de Euchronia em sua busca para ascender ao trono e salvar o príncipe, além de evoluir a sua relação com eles, aumentando o Grau de suporte que eles te dão e, com isso, aumentando a qualidade dos Arquétipos à sua disposição.

Para tal, é necessário usar o bom e velho sistema de gerenciamento de tempo que é também trazido diretamente de Persona, com o jogo tendo um calendário próprio e o jogador podendo escolher realizar certas ações e interagir com seus aliados da forma como preferir dependendo do que estiver disponível naquele dia. Várias das suas ações possuem um limite de tempo para serem executadas, então é importante planejar o que fará com cuidado.

Metaphor ReFantazio

Outro ponto que merece destaque e é claramente inspirado pelos elogios recebidos por Persona 5 é o quão bonita é a identidade visual do jogo. Tudo é extremamente estilizado e único, dos menus aos cenários, apresentando uma experiência visual que poucos jogos conseguem sequer chegar perto de replicar. É o tipo de cuidado que raramente é visto e torna a experiência toda ainda mais distinta e cativante. Cabe dizer também que a trilha sonora e a dublagem do jogo são muito boas também e merecem todos os elogios possíveis. Por fim, o mundo do jogo também é bem vasto e, embora não seja um mundo aberto, tem alguns dos cenários mais amplos e legais de se explorar que a desenvolvedora já produziu.

Essa experiência toda se torna mais fácil de ser aproveitada pelos jogadores brasileiros graças a excelente localização do título. Há um verdadeiro processo de adaptação do jogo a forma como se esperaria que os personagens falassem em português e tornam a experiência muito mais confortável para o jogador e, naturalmente, amplia quem poderá jogar, já que a quantidade de texto e horas que você irá passar aqui é bem significativa.

No final das contas, Metaphor: ReFantazio é uma obra-prima e mais um acerto primoroso da Atlus. Em um ano que já viu o lançamento de dois épicos RPGs da publisher, essa talvez seja a verdadeira jóia da coroa, um título que merece não só ser colocado entre os melhores já feitos por ela, mas como um título mandatório para fãs de JRPGs.

Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela SEGA.

Veredito

Metaphor: ReFantazio é um excelente JRPG com narrativa, combate e ambientação excepcionais, enriquecido por um dos estilos gráficos e trilha sonora mais primorosas já vistas. Excelente em cada pequeno detalhe, é mais uma prova de que, quando está em seu melhor, a Atlus é incomparável.

95

Metaphor: ReFantazio

Fabricante: ATLUS

Plataforma: PS4 / PS5

Gênero: RPG

Distribuidora: SEGA

Lançamento: 10/10/2024

Dublado: Não

Legendado: Sim

Troféus: Sim (inclusive Platina)

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Veredict

Metaphor: ReFantazio is an excellent JRPG with exceptional storytelling, combat, and setting, enhanced by one of the most exquisite graphical styles and soundtracks ever seen. Excellent in every little detail, it is further proof that, when it is at its best, Atlus is incomparable.