Meet Your Maker – Review

Tradicionalmente, poder experimentar níveis construídos por outras pessoas tem sido uma ótima forma complementar de inserir um elemento multiplayer assíncrono em games com editores de fases. Particularmente, já me vi investindo horas em cenários alheios como em Tony Hawk Pro Skater 1+2, desfrutando de toda criatividade – e as vezes sadismo – de jogadores por todo o mundo. Meet Your Maker eleva esse elemento a um outro nível, fazendo desta sua principal mecânica de engajamento e participação, aquilo que se tornou o seu maior acerto dentre tantas escolhas interessantes em termos de design, ambientação e até mesmo distribuição.

O universo do jogo é especialmente pessimista ao mostrar um mundo pós-apocalíptico onde a humanidade, destroçada por uma doença genética que varreu a espécie quase que por completo da face da Terra, acabou se concentrando em pequenas instalações, chamadas de Santuários, que continuam, mesmo após séculos de devastação, a buscar uma solução, ou ao menos um fio de esperança para aqueles que sobraram. Conhecemos então uma destas iniciativas, o Chimera Project, cujo objetivo é criar sujeitos híbridos com material genético não contaminado para atualizar aqueles que em certa medida tivessem um pouco mais de resistência a essa tal maldita doença. O que não havia sido previsto é o que a tal Quimera se tornaria.

A partir deste plot narrativo, dá-se a dinâmica do jogo motivado em ciclos constantes de invasão de Outposts, bases cuja construção é de responsabilidade da própria comunidade, para a extração do tal material raro e precioso. O jogador assume o papel, nesta metade do jogo, de Custodian, um clone modificado que se torna a última esperança de enfim finalizar o projeto e alcançar a salvação. Invadir as bases externas é a única forma de cumprir a missão, e o desafio é superar o planejamento maquiavélico dos jogadores ao redor do mundo, cada qual arquitetando suas próprias armadilhas mortais. Pelo aspecto narrativo, pode parecer um tanto quanto repetitivo seguir sempre o mesmo modus operandi: sair do Santuário escolhendo uma fase, invadir, pegar o que interessa e fugir antes de ser morto. Mas aí tem a segunda parte do game.

O mais sedutor dos momentos oferecidos por Meet Your Maker é, provavelmente, o de criação de suas próprias fases. Com uma ferramenta de edição extremamente acessível e cheia de praticidade, é um verdadeiro deleite poder montar uma ilha totalmente customizada cujo objetivo é basicamente aniquilar qualquer visitante. Um primeiro ponto é o design que permite abordagens distintas, possibilitando que elaboremos labirintos complexos ou qrandes arenas mortais – e obviamente quaisquer misturas entre ambos os extremos – e que exercitemos toda a nossa criatividade mortal. A única regra é garantir que haja um caminho entre o ponto de entrada e o tubo com o tal material genético que precisamos defender. De resto, é pura criatividade.

O segundo e mais divertido momento de criação é a composição de armadilhas e outros artifícios para assassinar seus invasores, e nesse momento a experiência do outro lado desta dicotomia conta. Quando estamos buscando superar os mais escabrosos cenários, sempre há aquela armadilha que nos surpreende, aquela que está muito bem posicionada para que não a detectemos até que seja tarde demais, e depois de morrer algumas vezes, pensamos que seria incrível fazer algo parecido. No editor, que acaba sendo liberado alguns momentos mais tarde para nós porque demanda que compremos um cemitério com uma moeda adquirida durante as invasões, podemos soltar toda essa vontade represada de dar o troco em quem ousar nos desafiar.

Ainda que a variedade de armadilhas e de monstros mutantes não seja lá das mais diversificadas – bastam algumas poucas horas de invasão para já conhecermos todas elas, e mais um pouco até que possamos comprá-las para nosso proveito – o grande prazer fica na composição criativa utilizando esses recursos. Não foram raras as vezes onde utilizei uma armadilha corriqueira para atrair um invasor e fazer com que outra, escondida, cumprisse o trabalho sujo. Aquilo que me matara se tornou, corriqueiramente, minha arma mais potente, e ficar imaginando formas de compor o meu ambiente é o que mais me tomou tempo no jogo. Ser o arquiteto da destruição é tão divertido quanto desafiar os demais. Sair são e salvo sem qualquer morte de um ambiente é uma grande vitória, mas ver outros fazendo o mesmo conosco não é lá muito agradável.

No que se refere ao gameplay, Meet Your Maker sabe fazer mais com menos. Como jogo de ação, se apropria do que há de mais tradicional para nos dar o suporte para entrarmos e sairmos vivos de um Outpost, e é um shooter em primeira pessoa bastante competente que nos lembra, de leve e de modo bem superficial, uma mistura entre Bioshock e Doom. Com um gatilho, podemos utilizar uma arma – normalmente uma de longa distância com pouquíssima munição – e com o outro, um equipamento secundário de ataque corpo-a-corpo, como um facão ou algo que o valha. Isso é totalmente customizável e o jogador pode, com o tempo, compor seu arsenal conforme vai compreendendo a função de cada item disponível. É possível ainda melhorar os seus equipamentos favoritos utilizando de recursos coletados nas fases invadidas ou de espólios deixados por nossas vitimas em nossos mapas personalizados.

Há também algumas funções auxiliares, como um gancho precioso para nos tirar de enrascadas, além de explosivos que podemos produzir em nosso Santuário e levar para as missões, além de outros artifícios de preparação mais específicos, como melhorias na armadura. Partindo dos princípios de que a preparação é a melhor forma de unir ataque e defesa, cada nova melhoria nos dá condições para sobreviver aos mais perigosos desafios. Alguns beiram o absurdo, e em matéria de apelação, não há inteligência artificial capaz de gerar ambientes tão inóspitos quanto nós. Não encontrei, por exemplo, em nenhum jogo cuja geração de cenários era procedural, armadilhas tão engenhosas, situações tão absurdas quanto aqui. Com três níveis de perigo, o terceiro é realmente um grande desafio para os mais ousados.

Se aventurar sozinho é um grande desafio com o perigo à espreita o tempo todo, mas tudo muda significativamente com companhia. É possível ter um parceiro de incursões on-line, o que ajuda muito porque há a possibilidade de se levantar os caídos sem limite de tempo ou de quantidade. Ou seja, se um morre, o outro pode salvá-lo quantas vezes forem necessárias e só é preciso recomeçar do zero se ambos morrerem. Progredir junto com alguém, portanto, é a melhor forma de superar grandes desafios e de enfrentar com garantias os cenários mais brutais. Fazer isso com um amigo é uma grande vantagem mantendo a comunicação constante sobre onde as armadilhas estão e como agir com contramedidas compartilhadas. Mesmo que ambos precisem coletar os materiais e saírem vivos para que continuem progredindo, é a forma mais confortável de se aproveitar o game.

Outro aspecto que eu geralmente gosto como complemento mas que raramente utilizo de verdade é a função de replay das jogadas, e que aqui faz todo o sentido. Podemos, a qualquer momento, assistir às tentativas de quem ousou invadir nosso cenário, torcendo para que aquele plano infalível funcione do modo como idealizamos. Obiviamente, nem todo mundo cai como planejamos, as pessoas encontram soluções que não prevemos, buscam furos em nosso design da mesma forma como fazemos nos mapas deles. É frustrante perceber que deixamos um cantinho descoberto e que permite que nosso invasor saia tranquilamente com o que veio buscar. Hora de voltar à prancheta, replanejar e tapar as falhas.

Cada mapa que criamos tem um ciclo de vida útil de 24 horas, o que parece muito pouco pelo tempo que dedicamos para criá-los, mas é possível investir um pouco mais de recursos para prestigiá-lo e permitir que ele volte à ativa, com chance de podermos renová-lo. Isso é muito importante para nos manter presentes o tempo todo, já que se quisermos que os nossos cenários permaneçam relevantes, é necessário continuar invadindo os dos adversários constantemente para ter os recursos para isso. Cada aspecto do jogo – o de invasor e o de arquiteto – retroalimenta o outro, e ambos contribuem para que possamos continuar alimentando nossa Quimera, subindo de nível e progredindo em todas as medidas do jogo.

Se no começo gerenciar três tipos de recursos diferentes, bem como várias barras de XP – o nosso, o da Quimera, os de vários quesitos separados como o de armas e de defesa – não demora para que saibamos exatamente para que serve cada barra e o que fazemos com isso. São elementos que nos passam uma falsa sensação de complexidade em um jogo que, em resumo, é muito simples, direto e prático. Sem grande complicações de gameplay enquanto jogo de ação e com um editor muito amigável, Meet Your Maker consegue transformar o seu modelo em algo que alcança o agenciamento do jogador e mesmo que possa ficar repetitivo em algum momento, ainda se aproveita de seus próprios mecanismos para nos manter envolvidos em seus intermináveis ciclos.

Esta simplicidade transparece ainda na própria estética do jogo que se apropria da sujeira e da aridez de cenários devastados como identidade. A paleta de cores não chega a ser tão diversificada assim, com um filtro amarelado (que mais parece um seriado norte-americano retratando um país latino qualquer) permeando quase que todo o conteúdo do game, e mesmo permitindo o uso de diferentes materiais nas construções, aquele aspecto de metal corroído e de tecnologia retro futurista dão o tom da produção. Sem tentar sofisticar demais, as construções são basicamente um amontoados de peças cúbicas, o que facilita a montagem por empilhamento como um jogo de blocos de montar. Nada de cantos arredondados, de formas circulares, de uma engenharia curva. Tudo é cartesiano o suficiente para nos dar opções, sem jamais deixar a coisa complicada demais.

Em termos sonoros, os ruídos industriais e biomecânicos também são a regra, com efeitos generosos e muito úteis. Ao ativar uma armadilha, por exemplo, somos avisados por uma fração de segundos antes para que tentemos nos defender, algo muito necessário. Vozes e outros efeitos cibernéticos mantém um clima bem pessimista que certamente compreende o contexto de um planeta há muito destruído, algo que a interface, que se apropria de uma estética baseada em linguagem de máquina, também consegue sintetizar muito bem. Não há dúvidas de que a ambientação é muito bem desenhada para manter o clima de desolação e opressão da produção, onde fica claro que essa resistência parece estar buscando salvar uma espécie que não mostra qualquer motivo para ser salva.

Meet Your Maker é uma grande surpresa, no final das contas, e parece estar fazendo ótimas escolhas desde sua gênese. Com uma jogabilidade simples e fluida, é um ótimo jogo de ação em primeira pessoa; como ferramenta de construção de fases, é simples o suficiente para não entediar engenheiros amadores e ao mesmo tempo traz opções abundantes para quem está o tempo todo buscando jeito de eliminar invasores; como composição entre ambos os aspectos, ele sabe muito bem como fazer com que um retroalimente o outro, fomentando e incentivando ciclos intermináveis que capturam o jogador por horas e horas, dia após dia. O elemento multiplayer é outro acerto possibilitando que as pessoas dividam a experiência e, por fim, já começar sua carreira no Playstation como parte da Plus vai garantir uma base de jogadores enorme o suficiente para que não faltem cenários a se invadir e pessoas dispostas a isso. Um combo que só o tempo dirá se vai funcionar ou não, mas que parece fazer as melhores escolhas para isso.

Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Behaviour Interactive.

Veredito

Meet Your Maker é um surpreendente jogo pós-apocalíptico que mistura ação em primeira pessoa e construção de cenários. Além de uma gameplay simples e ajustada, a retroalimentação entre suas partes o torna viciante e muito divertido, principalmente quando compartilhado com mais alguém online.

80

Meet Your Maker

Fabricante: Behaviour Interactive

Plataforma: PS4 / PS5

Gênero: Ação / Simulador

Distribuidora: Behaviour Interactive

Lançamento: 04/04/2023

Dublado: Não

Legendado: Sim

Troféus: Sim (inclusive Platina)

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Veredict

Meet Your Maker is an amazing post-apocalyptic game that mixes first-person action and scenario building. In addition to a simple and fine-tuned gameplay, the feedback between its parts makes it addictive and a lot of fun, especially when shared with someone else online.


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