No Steam, existe um modo de lançamento intermediário, chamado acesso antecipado. Essa estratégia é vantajosa por vários motivos: permite que jogadores ansiosos possam testar um jogo bem antes do lançamento e que façam análises na plataforma, dando conhecimento a outros interessados; desenvolvedores recebem feedback para descobrir o que funciona e o que não funciona em seu jogo; equivale a uma pré-venda em que o produto é liberado à medida que evolui, gerando receita para os responsáveis ainda durante o desenvolvimento e, ao mesmo tempo, já oferecendo um adiantamento parcial do objeto comprado.
Jogos em acesso antecipado têm, portanto, o benefício de um lançamento incompleto, com toda a clareza e compreensão de que aquele é um projeto em andamento. Pode até soar como uma prática anti consumidor, mas, essencialmente, não é. Basta ver exemplos aclamados que ficaram longo tempo nesse status, como Hades e Baldur’s Gate 3.
Também MARS 2120, jogo da desenvolvedora e publicadora brasileira QUByte, chegou ao mundo por meio do acesso antecipado no Steam, no fim de 2022. Agora, chegou a hora do lançamento final, tanto no PC quanto para os consoles, mas será que estava na hora certa para isso mesmo?
Existem muitas variáveis que influenciam na data de lançamento de uma obra, mas, olhando estritamente do ponto de vista do jogo em si, infelizmente, não creio que esse foi o melhor momento.
Não é que a campanha esteja incompleta ou insuficiente, ela traz bastante conteúdo de jogo. Os poréns estão mais no acabamento de MARS em aspectos específicos. Vamos começar pelo lado positivo, certo?
O principal trunfo do game logo salta aos olhos: os visuais, feitos em 2,5D, são bonitos e bem construídos, dando noção de variedade e profundidade. Sim, você já viu esses lugares antes — instalações de pesquisa, cavernas de gelo, estufas botânicas e fábricas —, mas cada local se distingue dos demais, se subdividindo em diferentes áreas do mapa, cada uma com sua variação do tema.
Algo interessante aplicado aqui é que a câmera se move para aproveitar o misto de gameplay 2D em um cenário tridimensional, se aproximando, dobrando esquinas e fazendo curvas com perspectivas que, sempre que utilizadas, adicionam dinamismo à jornada pela colônia de Marte.
Sim, como o nome já diz, o jogo se passa em uma colônia humana em Marte e emprega o velho gancho do misterioso pedido de socorro que leva alguém a explorar o local e descobrir o que aconteceu. Tanto a abordagem de soldado espacial de armadura quanto a ambientação solitária e opressiva de adentrar mais fundo em um lugar marcado pela morte e perigo remetem a jogos como Dead Space e Metroid, sendo esta última série uma inspiração declarada pela equipe da QUByte.
Aqui, já começamos com alguns problemas, do tipo que não impedem a jogatina, mas que empobrecem a apreciação: a contextualização é mínima. Não digo isso no sentido de contestar uma escolha de narrativa minimalista, mas de insuficiência. Um exemplo: eu só sei que a protagonista de chama Sargento Anna Charlotte porque vi nas descrições oficiais, mas o próprio jogo não a apresenta para quem joga. Ou seja, o material de divulgação achou importante dar nome à heroína, mas o mesmo não ocorre devidamente na aventura.
A cena de abertura mostra Charlotte saindo de uma nave acidentada na superfície do planeta vermelho, para seguir até as instalações da colônia. Há um pouco de narrativa ambiental ao vermos sangue, cadáveres e monstros pelos corredores, o que é levemente incrementado com alguns áudios aqui e ali que dão pistas superficiais do que aconteceu.
Um jogo como Super Metroid consegue desenvolver toda sua campanha sem mais explicações, mas isso acontece porque a motivação e o objetivo final são deixados muito claros na cena de introdução. Em MARS 2120, a sensação é de andar a esmo pela colônia, enfrentando monstros gigantes, mas sem um propósito claro. De forma útil, existem marcadores de objetivo na forma de exclamações no mapa, conduzindo o passo a passo para não nos deixar perdidos, mas eles não se mesclam à narrativa: derrote um chefão em um marcador e outro aparecerá no mapa, sem motivo aparente além de uma sequência prática baseada no ganho de habilidades.
O mapa também tem problemas. Há dois formatos: o mapa geral, com todas as áreas juntas, representadas por polígonos, e os mapas locais, com apenas uma área, mostrada em detalhes. Esse sistema compartimentado torna a visualização mais limpa, mas minha experiência não foi muito intuitiva e diversas vezes me vi tentando entender os encaixes entre as áreas para decidir meu trajeto. Para agravar, há algumas inconsistências no mapa, com ícones ausentes ou errados e até nomes sem coesão.
No entanto, é notável o trabalho dedicado ao mapa. Nas configurações, há uma série de opções detalhadas para torná-lo mais ou menos explícito, como nunca vi em um metroidvania. Essa contradição é um exemplo de que o jogo em si não é ruim, mas ainda não está pronto.
O combate é outro exemplo disso. No lado técnico, é bastante dinâmico, com ataques à distância e corpo a corpo e alternância entre três elementos diferentes (eletricidade, fogo e gelo), cada um com sua gama de técnicas especiais para encontrar. Nesse ponto, destaco um aspecto positivo de game design bem feito: as técnicas elementais servem tanto para lutar quanto para progredir no caminho, tornando-as ferramentas multiuso.
Por exemplo: a granada de gelo ataca inimigos, mas também congela superfícies de água para Charlotte poder passar. O campo elétrico paralisa oponentes, mas também ativa disjuntores e faz certos objetos flutuarem, criando pontos de apoio mais altos.
Ainda assim, as lutas em si precisam de ajustes. Alguns inimigos básicos ficam presos em animações de dano enquanto atiramos neles, sem conseguir reagir. Outro oponente reage rápido demais.
Os chefes também não empolgam e precisam de ajustes: o primeiro fica parado do começo ao fim, lançando seus ataques de longe. Outro só pode ser atacado em um momento específico, mas a frequência com que isso acontece é incerta e a luta se estende por mais de dez minutos, sempre esperando essas brechas, tornando-a uma espera tediosa e repetitiva. Outro avança pela longa arena e deve ser derrotado antes de chegar ao final dela. A tática é 8 ou 80: o tiro elétrico só conseguiu tirar até a metade da vida dele, então decidi tentar a shotgun de gelo e o gigante caiu muito rapidamente, ainda no começo da arena, mostrando a falta de balanceamento desse confronto.
Aqui e ali, há pequenos defeitos, às vezes tão bobos que são mais atestados de falta de acabamento do que problemas reais. Outro exemplo muito básico são os colecionáveis luminosos que dão pontos de experiência. Você os coleta e nada explícito acontece. Será que recupera vida? Tive que verificar a contagem de XP antes de pegar mais um desses para descobrir o que dava e o quanto dava. Falta um mero pop up de texto dizendo “+250 XP”.
O próprio sistema de experiência não é equilibrado, mas também não atrapalha. Charlotte tem um quadro de melhorias pré-definidas que podem ser compradas sempre que encontramos seu item correspondente. Essa parte da ideia funciona bem, estimula a exploração e dá sensação de recompensa e de evolução. No entanto, o XP é irrelevante, uma vez que eu acumulei cada vez mais dele e sempre tinha dez vezes mais do que o necessário para gastar.
Só mais um exemplo: ao conseguir um item para melhoria, surge uma caixa de texto dizendo: “compre na sala de navegação”. Você esquadrinha o mapa e não encontra nada com esse nome, mas descobre que aquilo se refere à “sala segura”, onde salvamos o jogo. No menu de salvamento, no entanto, o arquivo diz “sala de controle”. São três nomes diferentes para o mesmo local.
Com todos esses pontos, minha conclusão é de que MARS 2120 entra na categoria “não é ruim, maaas…”. O “mas” aqui é sobre acabamento, balanceamento e narrativa, pontos que podem ser ajustados no futuro. A questão é que a equipe informou que já está trabalhando para aprimorar alguns dos pontos que mencionei aqui, como o mapa, os ajustes dos chefes, e a apresentação da heroína.
No geral, a base e os conceitos são sólidos, mas a execução ainda deixa a desejar. Logo, creio que o jogo ficará melhor a curto e a médio prazo, e então valerá a pena. Há uma atualização prevista já para o período do lançamento, mas não sei se no próprio dia 1º de agosto. No entanto, na versão jogada para análise, só posso concluir que MARS 2120 se beneficiaria de mais um tempo em acesso antecipado.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela QUByte Interactive.
Veredito
MARS 2120 tem potencial para um bom jogo e até tem sucesso nos visuais e na versatilidade das ferramentas, mas problemas de execução e um lançamento com aspecto precoce o impedem de, no estado atual, alcançar a média em um meio tão prolífico como os metroidvanias de hoje em dia.
MARS 2120
Fabricante: QUByte Interactive
Plataforma: PS4 / PS5
Gênero: Metroidvania / Ação / Aventura
Distribuidora: QUByte Interactive
Lançamento: 01/08/2024
Dublado: Sim
Legendado: Sim
Troféus: Sim (inclusive Platina)
Veredict
MARS 2120 has potential to become a good game and succeeds in terms of visuals and the versatile tools, but execution problems and a premature launch prevent it from, in its current state, reaching the average in a genre as prolific as the metroidvania is nowadays.