1979. Muito provavelmente, você que lê esta análise não havia nascido quando a Atari, uma gigante de um mercado que ela mesma estabelecia e onde reinava absoluta, lançava um tal de Lunar Lander, game que abusava dos primeiros conceitos computacionais de simulação de gravidade e colocava o jogador em um papel tão importante quanto tenso: ser um piloto que precisava agir cirurgicamente para pousar uma nave bastante frágil na superfície da Lua. Ao invés das batalhas espetaculosas vistas em um tal Star Wars, lançado dois anos antes nos cinemas, aqui o trabalho não era destruir estações gigantescas, mas sim sobreviver a um ambiente hostil tentando manter todo mundo vivo no processo.
Eis que em um movimento de resgate de algumas de suas maiores propriedades há muito esquecidas pelo tempo, a empresa traz o conceito de volta, deixando o desenvolvimento aos cuidados da colombiana Dreams Uncorporated, parceria que resulta em Lunar Lander Beyond, uma reimaginação do game original para um novo momento. A missão não seria nada fácil, já que atualizar um clássico demanda o óbvio respeito ao material original mesclado a novos elementos tão necessários nos tempos atuais, como a expansão do universo estabelecido, a inclusão de um fator narrativo completamente ausente até então e, claro, o trabalho que eleva as mecânicas originais para um outro patamar que seja coerente com o público a ser atingido agora, 45 anos depois.
A boa notícia é que sim, há muito sucesso na empreitada. Lunar Lander Beyond traz um banho de identidade própria ao nos apresentar uma construção de mundo bastante rica e cuidadosamente elaborada com animações feitas à mão por uma equipe artística muito qualificada. Logo na abertura, descobrimos estar diante o fim do nosso planeta como o conhecemos. E se a Terra acabou, restou à humanidade se espalhar por outros mundos, a começar pela nossa querida Lua, algo que se mostra uma tarefa ainda mais complicada do que se poderia imaginar. Explorar recursos, construir colônias, se estabelecer em ambientes hostis, tudo isso demanda muita dedicação e, claro, uma série de pessoas corajosas e preparadas para o desafio.
E nesse contexto que o jogador se descobre recém nomeado capitão da Corporação Pegasus, uma equipe de intrépidos pilotos, a elite da categoria, que recebe missões complicadas de transporte, resgate e ações de defesa. Sua tarefa, a qual ganha contornos ainda mais complexos quando nos envolvemos em eventos inesperados, pode deteriorar os nervos até mesmo dos mais experientes. Resgatar sobreviventes de instalações corrompidas e transportar suprimentos é só uma parcela daquilo que espera o esquadrão por 5 astros e 30 missões distintas, incluindo até batalha contra chefe, cada uma mais complicada que a outra. Afinal, ao presenciar a abertura de algo que mais parece um buraco de minhoca, nada mais será como antes. Se as coisas estavam complicadas, elas pioram… e muito.
Diante a grandiosidade de uma trama intergaláctica, temos que aprender a controlar uma aeronave de resgate em um espaço bidimensional. Inicialmente, nosso principal instrumento para vencer a gravidade é o mais puro propulsor, que nos permite viajar e alcançar pontos de difícil acesso. Controlar essa máquina não é simples e demanda parcimônia, paciência e saber dosar a potência dos motores para não se espatifar no primeiro penhasco à frente. Felizmente, ainda contamos com um sistema de estabilização bastante eficaz, aumentando o nível de controle e, quando bem utilizado, um recurso valiosíssimo para se chegar ao ponto final sem explodir no meio do caminho. As primeira tarefas do nosso piloto escolhido é dominar ambos os artifícios para pousar bem no destino final.
Não demora para que tenhamos acesso a uma lista de outras possibilidades que serão obtidas ao longo da campanha, principalmente como bonificação de uma exploração bem sucedida. Escudos, potência auxiliar e outros facilitadores não só ajudam a cumprir os objetivos mais trabalhosos, como também permitem que se colete colecionáveis, benesses financeiras e outros suprimentos pelo caminho. Também iremos desbloquear novos veículos, cada qual com suas mecânicas próprias, primeiro para superar obstáculos que somente eles podem, e depois, quem sabe, refazer missões já vencidas para procurar melhores resultados seja em termos monetários (que mais tarde poderão ser investidos em saúde, veja só), seja no aspecto simbólico, já que fazer bem, cumprindo metas de tempo e de desempenho, rende rankings mais honrosos e, claro, nos dão mais dinheiro para investir em nós mesmos.
Não são só as naves que ganham melhorias e apresentam suas individualidades, porém. O fator humano ainda é o que mais faz diferença e cada piloto recrutado, como por exemplo aqueles que resgatamos em missões perigosas, traz consigo algumas peculiaridades. Se um pode ser um bom gerenciador de combustível, outro pode gerar mais lucros. Se uma pode ser mentalmente mais equilibrada, outra pode evitar danos maiores no equipamento. Com um sistema de níveis individuais, quanto mais experiência adquirimos com um piloto, mas habilidades ele vai acumulando. A geração procedural destes pilotos e suas características únicas é um dos fatores que valoriza novas empreitadas em campanhas diferentes, além de permitir ao game se adaptar ao estilo mais conservador ou mais arrojado de cada jogador.
Aliás, um dos maiores diferenciais de Lunar Lander Beyond para qualquer outro jogo minimamente parecido está na preocupação em incorporar o elemento emocional ao gameplay. Se as missões exigem precisão, há um medidor de estresse com o qual temos que nos preocupar, e muito. Pilotar mal, cometer erros em demasia ou acumular muitas tarefas aumenta essa barra de forma cumulativa entre missões, e quando chega a um certo limite, nossos sentidos são extremamente afetados. Começa com uma certa vertigem, uma tela tremida e uma distorção no som, mas no momento da piora, vemos coisas muito estranhas, confundimos bombas com coletáveis e daí pra pior.
Quando a coisa piora de vez, mesmo finalizando os objetivos, é necessário cuidar do piloto, o que significa enviá-lo para uma terapia com um profissional qualificado. Em termos práticos, o sujeito fica fora de combate por algum tempo e será necessário utilizar outros enquanto isso, a não ser que paguemos (caro) por medicamentos e tratamentos mais imediatos. Focar em desenvolver só um deles, mesmo que pareça uma boa escolha a curto prazo porque quanto mais ele trabalha, melhor ele fica para os desafios seguintes, chega um ponto onde não contar com ele e ter que usar recrutas inexperientes é a receita para o fracasso. Qual é a alternativa? Refazer missões iniciais para dar rodagem para os novatos estarem preparados no momento em que forem exigidos.
O resultado é um jogo que consegue equilibrar muito bem o contexto do fator replay, que serve portanto não só para farmar mais dinheiro ou para almejar melhores posições de ranking, mas também para diegeticamente ter um time de elite bem preparado para a metade final da jornada, que realmente se torna exigente tanto para as capacidades motoras quanto emocionais de todos os seus subordinados. Portanto, somando-se novas máquinas, ou melhorias para as antigas; pilotos a serem treinados; e obtenção de mais recursos, eu me senti muito confortável em repetir uma série de coisas já superadas sem parecer só uma forma artificial de se alongar a vida útil do produto, algo muito difícil mesmo para produções de maior escopo.
A progressão em camadas, deste modo, é um dos maiores aliados da produção. Porém, não seria muita coisa se o jogo, por si só, não fosse absolutamente viciante. A física do game é muito bem implementada, a ponto de todas as variáveis serem extremamente convincentes. Cada corpo celeste tem sua gravidade própria, o que resulta em uma necessidade de adaptação dos controles particularmente refinada. Os comandos respondem bem, e na simplicidade de uma jogabilidade que poderia cair na mesmice de tantas outras coisas que já vimos, a essência original de precisão e controle emocional foi não só preservada como elevada a sua máxima potência.
A diversidade de atividades também corrobora para que tudo o que aprendemos seja testado quase que o tempo todo. O design de níveis poderia ser um pouco mais equilibrado e diversificado dentro de cada missão – que muitas vezes é só labiríntica ou só de resgate, por exemplo – mas no conjunto da obra, são exigentes no limite daquilo que nos ensinam a fazer, e por vezes subvertem os valores que nos parecem tão sedimentados. Por exemplo, passamos o primeiro bloco de tarefas aprendendo a evitar o choque a todo custo, quando de repente precisamos colidir com tudo o que se mexer para defendermos a nossa base. Ou seja, primeiro você domina os controles para não bater em nada, e depois precisa bater em tudo para seguir adiante. Pontos de virada assim são comuns, e vale a pena esperar (ou não) por eles.
Para dar forma aos caminhos possíveis, a composição dos cenários é também bastante diversificada, abusando das cores e das paisagens espaciais. Em um ou outro momento, o exagero de elementos em movimento na tela pode cansar, mas isso pode ser muito mais um sintoma do meu estresse depois de horas alongadas na frente da tela. Eu ainda não comecei a ver elefantes coloridos me perseguindo como acontece com alguns dos pilotos mais tensos, mas certamente deve ser um efeito colateral de ficar tão conectado ao jogo. Certas cidades e instalações também brilham menos do que poderiam nesse cenário futurista que traz referências ao neon e ao urbanismo tecnológico de outras distopias, mas como um todo, a direção de arte soube ir muito além do material base.
Destaque mesmo vai para a modelagem das pequenas naves que estrelam a produção, que esbanjam personalidade. As ilustrações que permeiam todas as cenas de corte entre uma missão e outra também valorizam a produção e dão peso para os diálogos que contextualizam a trama que se desenvolve com personagens carismáticos e uma bela ambientação de fundo. Tudo isso funciona extremamente bem com a interface retrô de menus e outros espaços de suporte, como o gerenciamento de pilotos, habilidades e peças adicionais. É como se a tecnologia avançada mantivesse o design das telas e computadores do final dos anos 1970 e início dos 1980, uma clara homenagem ao título original da agora franquia Lunar Lander.
Na soma dos fatores, é inevitável afirmar que a escolha da Atari em delegar esta revitalização de uma das suas marcas clássicas para o ainda jovem estúdio Dreams Uncorporated foi um dos seus melhores acertos dos últimos tempos. Tal como no bom Berzerk: Recharged e no surpreendente Akka Arrh (que é basicamente um remake de algo nunca feito antes), a lendária publisher parece ter compreendido com trazer de volta nomes que fizeram a indústria girar em seus primórdios, sem distorcer aquilo que os fizeram o que são. Lunar Lander Beyond chega sem fazer barulho, quietinho, mas consciente daquilo que propõe, se torna um dos melhores produtos desta empreitada de resgate da era de ouro dos arcades, se provando original e nostálgico ao mesmo tempo. Mal posso esperar para ver o que este estúdio fará daqui em diante.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Atari.
Veredito
Lunar Lander Beyond é um ótimo exemplo de como modernizar um jogo clássico dos primórdios dos videogames sem, contudo, descaracterizar sua essência. Com ótimos controles, estilo artístico cheio de identidade e originalidade de propósito, o jogo surpreende, diverte e vicia… muito.
Lunar Lander Beyond
Fabricante: Dreams Uncorporated
Plataforma: PS4 / PS5
Gênero: Ação / Aventura
Distribuidora: Atari
Lançamento: 23/04/2024
Dublado: Não
Legendado: Não
Troféus: Sim (inclusive Platina)
Veredict
Lunar Lander Beyond is a great example of how to modernize a classic game from the early days of videogames without changing its essence. With great controls, an artistic style full of identity and originality of purpose, the game surprises, entertains and is addictive… a lot.