Uma reclamação frequente quanto ao estado da nossa adorada indústria de videogames é a sua estagnação. De fato, hoje somos cercados por tantos jogos parecidos e sem ideias criativas que qualquer lampejo de originalidade já é suficiente para animar os jogadores. L.A. Noire (LA), felizmente, é um ótimo jogo – original e com conceitos interessantes que, embora não perfeitos, definitivamente merecem ser experimentados.
LA é a primeira cria da Team Bondi, apoiada pela Rockstar (que honestamente, dispensa apresentações). Olhando rapidamente algumas imagens, tem-se a impressão que LA é uma variação noir de Grand Theft Auto (GTA), assim como Red Dead Redemption (RDR) seria uma variação velho-oeste do carro-chefe da Rockstar. A verdade, porém, é que LA em pouco lembra GTA, e parece muito mais uma mistura da série Ace Attorney (em especial Apollo Justice) e The Getaway – curiosamente, Brendan McNamara, fundador da Team Bondi, foi o diretor e escritor de The Getaway.
Mas e o mapa enorme? Os pedestres, a possibilidade de se usar qualquer veículo, o tiroteio? Como isso pode não ser semelhante a GTA? Aí é que está: LA possui apenas uma fração da liberdade que GTA oferece, para melhor ou pior. Quando você começar a jogar LA, vai imediatamente perceber que sua arma só pode ser usada quando o jogo deixar. Atropelar pedestres é extremamente difícil e punitivo, não existem mini-games, saídas com amigos, corridas, saltos e o caos generalizado de GTA, e a condução de LA é muito mais linear – tudo isso é fruto de The Getaway. Enquanto a falta de liberdade pode ser decepcionante para alguns, ela também cria uma experiência mais imersiva ao longo dos 21 casos principais do jogo. Além disso, ao dificultar as mortes de inocentes (e punir o jogador por elas), LA logo deixa claro que você não comanda uma pessoa de moral questionável como em GTA.
Em LA, você é Cole Phelps, um ex-fuzileiro condecorado com a Estrela de Prata – a terceira maior honra militar dos EUA, atrás apenas da Cruz da Marinha e a Medalha de Honra – que participou da Segunda Guerra Mundial. Após o fim desta, Cole volta para os EUA e começa a trabalhar como policial nas ruas de Los Angeles. O trabalho bem executado de Phelps logo chama a atenção do chefe da divisão de Homicídios, que indica o ex-fuzileiro para o cargo de Detetive. Iniciando seu trabalho na área de Tráfego, Cole passa então a investigar e solucionar casos em Los Angeles. O jogo se inspira fortemente no livro (e sua daptação para o cinema) L.A. Confidential, e suas referências não passam batidas por quem conhece a obra.
Se L.A. Confidential fornece o "tema", porém, o conteúdo parece mais saído de alguma série policial. Se você gosta de seriados como Lie to Me, CSI ou Law and Order, LA vai aprecer familiar e você vai estar em casa. LA progride na forma de casos, distribuídos por mesas: Traffic (Tráfego), Homicide (Homicídio), Vice (Vício) e Arson (Incêndios). Em cada mesa, você possui um parceiro e um chefe diferentes – todos com personalidades sólidas, bem definidas e interessantes (um destaque especial para James Donnelly, o hilariante capitão da mesa de Homicídios). Cada mesa possui de 3 a 6 casos, e você deve prosseguir por eles em ordem, antes de ser promovido para a próxima mesa.
A resolução dos casos é o aspecto Ace Attorney do jogo. Você inicia o caso recebendo a informação do local do crime e uma descrição breve do ocorrido. Chegando no local, você deve investigar os arredores, procurando pistas enquanto tenta compreender melhor o que aconteceu. Ao achar uma testemunha ou suspeito, você terá que questioná-lo. Para cada indagação, você recebe uma resposta, e deve tentar extrair o máximo de informação possível da pessoa – para isso, cada afirmação pode ser considerada como "verdade", "mentira" (para a qual você deve apresentar uma evidência que prove a mentira da pessoa) ou "dúvida" (algo que você desconfia que seja mentira, mas não possui nenhuma prova que mostre a mentira). Interrogatórios bem-sucedidos abrem novas pistas e localidades para explorar no caso, até que se chegue ao seu final. Estes novos lugares podem conter uma sessão de tiroteio com bandidos – o gunplay do jogo segue os moldes da Rockstar e não fornece nenhuma novidade no departamento -, outro local de investigação, uma perseguição (a pé ou em um veículo), puzzles (destaque para a missão The Quarter Moon Murders, de longe a melhor do jogo) e muito mais.
Os casos de LA são bem estruturados e sempre contam uma história interessante. Além destes casos principais, existem aqui 40 side-missions, aqui chamadas de Street Crimes. Basicamente, quando você está em um carro de polícia, pode receber um chamado de ajuda em um determinado local. Os Street Crimes são missões rápidas e pequenas, que geralmente envolvem algum tiroteio ou perseguição a um bandido, e fornecem uma boa pausa entre os longos casos principais.
Um aspecto surpreendente do jogo é sua maturidade: por vezes você vai se deparar com situações que envolvem o uso de drogas, estupro de menores, corpos nus para investigar e famílias inteiras que morrem queimadas, mas o jogo nunca banaliza sua violência e sempre a trata com um tom sério, de novo remetendo a The Getaway. É gratificante ver que jogos como LA e Heavy Rain estão fugindo do estigma adolescente que os videogames tanto carregam.
A interface do jogo também é muito simples e atraente. Exceto pelo seu radar no canto inferior esquerdo, LA é, assim como The Getaway (novamente), extremamente limpo, não existindo nenhum indicativo na tela. Além disso, existem outros detalhes legais: quando você está no carro e marca um destino no mapa, você pode apertar quadrado a cada esquina para perguntar a seu parceiro aonde ir, e ele vai lhe dizer corretamente se você deve seguir em frente ou virar. Todo o resto que você precisa no jogo está no caderno de Phelps, que é onde você verifica as pistas do caso, as pessoas envolvidas, os locais… tudo muito simples e prático.
A parte técnica de LA é igualmente impressionante. A ambientação é viva, os cenários são bem construídos e as texturas no geral são ótimas, assim como os efeitos de luz e sombra. A recriação da cidade de Los Angeles é de cair o queixo, a dublagem é impecável e as músicas são excelentes (com um destaque especial para a sensacional música de perseguição, extremamente intensa). Além disso, o jogo roda praticamente sem nenhum slowdown, clipping ou pop-up – dado o tamanho do mapa, isso é nada menos que impresisonante. O grande atrativo gráfico do jogo, porém, são as expressões faciais. A captura é excelente, pode-se notar detalhes como sorrisos de canto de boca, personagens mordendo os lábios e outros pormenores de fato impressionantes. Uma pequena ressalva fica aos modelos dos personagens: no geral eles são muito bons, mas as personagens femininas são estranhas e muito pior construídas que os personagens masculinos, em especial no que concerne os cabelos.
Um outro aspecto que merece elogios em LA é, pasmem, seu conteúdo adicional. Os DLCs de LA são ótimos, e consistem, basicamente, em casos isolados que não interferem na progressão do jogo (embora, obviamente, sejam mais apreciados se você já sabe o que vai acontecer na história). Existem 4 DLCs programados, e você pode ter acesso a todos eles (além de algumas roupas e armas novas) com o Rockstar Pass, por 10 dólares. Melhor ainda, esse Pass pode ser dividido como qualquer compra da PSN, então você está pensando em menos de 4 reais por pessoa. Se você não quiser o DLC, sem rpoblemas: LA já é suficientemente longo para garantir mais ou menos 30 horas de jogatina.
Até aqui, eu praticamente soltei apenas elogios ao jogo – merecidos, diga-se de passagem. Entretanto, existem alguns aspectos de LA que me incomodam. O primeiro e principal deles é o enredo. L.A. Noire é estruturado na forma de casos, mas por trás de tudo existe uma história maior, sobre Phelps e seu esquadrão durante a Segunda Guerra Mundial. Os casos são excelentes, mas esse enredo maior simplesmente não é interessante como deveria, prejudicado por uma exposição ruim, que acontece primariamente por flashbacks. Comparativamente, se era fácil se relacionar com a busca de John Marston por sua família em RDR, é difícil se importar com o Sixth Regiment de LA. A verdade é que, pela própria forma que se apresenta, LA deveria seguir uma estrutura parecida com CSI ou Lie to Me, sem se preocupar em apresentar um enredo maior ou por trás das cenas. A mesa de Homicídios tem a maior quantidade de casos, e todos eles se juntam ao redor de um caso maior da mesa em si – a resolução desta mesa é de longe o melhor momento do jogo, inteligente e desafiador. Infelizmente, Vice e Arson abandonam essa estrutura e voltam a favorecer o "overplot", o que é uma pena.
É estranho também que, em um jogo que exige busca minuciosa de fatos e evidências, seja impossível falhar. Mesmo que você deixe de investigar um pista crucial ou erre todos os questionamentos com os suspeitos, o jogo ainda força uma maneira de encontrar o próximo objetivo, e o caso invariavelmente terminará da mesma forma. Obviamente, se você for um investigador ruim, sua nota ao final do caso cairá, mas é um tanto decepcionante que este seja o único aspecto afetado – você não pode chegar a uma conclusão "errada" nos casos, mesmo nas raras situações em que tem que apontar um suspeito para ser preso (você vai entender bem o que isso significa ao final da mesa de Homicídios). É compreensível que a Team Bondi e a Rockstar não quisessem que você tivesse que rejogar casos de uma hora de duração apenas porque esqueceu uma determinada pista, mas isso acaba prejudicando o próprio valor de replay do jogo, especialmente se você quiser tirar nota máxima em todos os casos.
Outro detalhe: lembram-se do interrogatório dividido em "verdade", "mentira" e "dúvida"?. No início do jogo, isso funciona bem, mas à medida que você progride, estas opções podem se tornar um tanto confusas. Por exemplo, suponha que em um caso você encontre evidências de um relógio que foi consertado. Perguntando à esposa do dono do relógio se ele o consertou, a mulher diz que o relógio está quebrado. A opção correta para esta situação é escolher "Mentira" e apresentar a evidência que mostra o conserto do relógio, mas é uma situação estranha: Phelps acusa a mulher de mentir (com um tom bem grosseiro, diga-se de passagem), mas ela simplesmente não sabia que o relógio fora consertado – ela não "mentiu", ela simplesmente desconhecia o fato, o que é muito diferente. Ao limitar as escolhas em apenas verdade, mentira e dúvida, o jogo acaba perdendo essas nuances e complica o jogador quando a resposta não é imediatamente óbvia.
Por fim, eu acho que as expressões faciais podem ficar muito deslocadas nos interrogatórios. Na maioria das vezes, a mentira é óbvia pela expressão facial ser absurdamente exagerada, como se ao fazer a captura para o jogo o diretor dissesse "agora, faça cara de quem está mentindo!". Alguns personagens (especialmente aqueles que são "mentirosos crônicos") são muito mais convincentes, mas de novo, faltam nuances: o uso de linguagem corporal (passar a mão sobre a boca, tocar os cabelos, coçar o nariz, retrair os ombros etc.) seria muito mais apreciado que somente as expressões faciais.
Não entendam mal: eu adorei cada segundo que passei com L.A. Noire. Eu vejo para LA o mesmo que vi para o primeiro Assassin’s Creed (guardadas as devidas proporções, claro): um conceito inovador e com muito potencial, mas que precisa ser refinado para atingir a excelência. A despeito de todas as críticas acima, o conjunto de LA é muito mais que o suficiente para fazer um grande jogo.
— Resumo —
+ Mecânica original
+ Ótimos gráficos, com expressões faciais impressionantes
+ Trabalho de som excelente
+ Ótimos DLCs
+ Ritmo de jogo excelente
– Enredo inconsistente
– Modelagem ruim de personagens femininas
– Interrogatórios podem ser confusos
– Pouco valor de replay