Quando ouvi falar pela primeira vez de um tal de KinnikuNeko: SUPER MUSCLE CAT, definitivamente não tinha ideia do que esperar sobretudo a partir do subtítulo do jogo, por mais óbvia seja a descrição. Depois de ver o trailer e pesquisar mais a respeito, eu ainda não sabia exatamente o que iria encontrar, mas já tinha a certeza de que não teria como isso dar errado.
Afinal, o game se define como uma aventura onde um gato tão musculoso quanto um exímio fisiculturista precisa enfrentar, ao lado de seus inseparáveis amigos Lemon e Keita, uma horda alienígena para salvar o planeta de uma invasão, depois de quase todos os habitantes desse nosso planetinha azul terem sido capturados. Uma premissa bizarra e, talvez por isso mesmo, tão sedutora quanto um gato maromba de tanguinha.
Até a nossa maior inimiga, a General Pitaya, carrega um nome inusitado que eu não sei o quanto significa em outros idiomas, mas confesso que gostaria muito de ter tido uma ideia de vilão para um programa infantil com esta alcunha. Aqui no jogo, suas intenções são misteriosas, mas desde o primeiro instante esta é uma das melhores antagonistas recentes que eu já enfrentei não pelo poder ou pela dificuldade, mas pelo carisma.
Sem qualquer vergonha do plot narrativo simples, esdrúxulo e direto tal como os anos 1990 nos ensinaram, o jogo é um verdadeiro deleite para os entusiastas dos games de ação e plataforma 2D em progressão lateral, claramente inspirado por obras que ajudaram a definir esse mercado décadas atrás. É uma história, portanto, que funciona muito mais como um pretexto para justificar o protagonista do que para nos provocar até seu desfecho.
E se o desenvolvimento do roteiro não é dos mais surpreendentes assim, ele consegue se sustentar pela forma como se mostra em tela, sem forçar o melodrama, considerando tanto personagens quanto suas motivações e, sobretudo, o relacionamento entre eles. No meio de tanto humor non-sense, há algumas camadas subestimadas de aprofundamento emocional que, de repente, tomam a atenção da ação quase ininterrupta.
E como doses interessantes de esmero na construção de mundo, o jogo transparece um cuidado muito próprio que sustenta a jornada que propõe, e não à toa, há várias opções de idioma tanto para diálogos quanto para legendas e menus, um capricho muito bem vindo sobretudo para produções deste escopo de investimento.
Nada disso, entretanto, funcionaria caso a essência do gameplay não estivesse afiada e cumprisse com a precisão que o gênero exige, e KinnikuNeko não decepciona nesse quesito, mesmo não sendo perfeito. Com um nível satisfatório de desafio, a cobrança de habilidades no uso de comandos tanto para o combate quanto para a travessia é deliciosa.
A prática nos mostra que nosso protagonista tem duas formas essenciais: a primeira delas que nos é apresentada é a mais esquisita, com o mascote brutamontes espancando os soldados do exército invasor sem vergonha das poses extravagantes, nem dó ou piedade das duas vítimas. A segunda, quando privado de sua sunga, é a de um gatinho normal sem capacidade de luta, mas com uma agilidade necessária para plataformas mais arriscadas e escaladas verticais.
A dinâmica da troca de um estilo para outro se dá com a ajuda de uma de suas parceiras, que simplesmente tira ou coloca a sagrada vestimenta ao toque de um botão. Localizada em pontos estratégicos pelo mapa, este intercâmbio ajuda não só a ultrapassar trechos onde um ou outro é necessário, como também a acessar locais secundários, seja na primeira visita, seja retornando depois de melhorar o nível do nosso herói pela seleção de fases superadas.
Enquanto o quebra-pau é raso no uso de combos simplificados e repetitivos, com direito a barra de especial para segundos de invencibilidade, ele é, ao mesmo tempo, eficiente principalmente quando encaixamos sequência insanas. Por sua vez, os momentos com plataformas mais complicados podem incomodar um pouco mais, considerando uma precisão que depende de certo treino e alguma resiliência na aprendizagem principalmente do alcance.
Também me parece esquisito tanto o posicionamento de alguns inimigos em pontos que dão margem mínima de esquiva, bem como armadilhas demasiadamente longas para o timing que nos é ensinado. Em outras palavras, mesmo não sendo particularmente difícil, há momentos que transparecem ser escriptados para tomarmos dano. A margem é grande, nossa vida permite falhas, mas mesmo assim, a perícia ideal é bastante trabalhosa de se alcançar.
Entre uma passagem e outra, há uma série de minigames bastante reconhecíveis que nos levam a verdadeiro tour por vários estilos diferentes de jogo, alguns mais interessantes que outros, mas que na média funcionam não só para o contexto onde são inseridos como também para promover mais diversidade na experiência.
Há aqui, porém, uma certa instabilidade de intenções e de resultados, já que ou temos alguns momentos pouco inspirados com a obrigação de literalmente macetar o controle (termo técnico utilizado na versão brasileira das legendas); enquanto outros exigem uma habilidade mais dedicada, como na passagem de dança no melhor estilo de jogos de ritmo.
São estes momentos, principalmente de musculação – porque afinal não é o fim do mundo que vai quebrar a rotina regrada da academia – que aumentam a capacidade física de Neko e o ajudam a chegar a locais antes travados, por exemplo, por uma pedra gigantesca, ainda que esses obstáculos não bloqueiem a progressão da campanha principal e sirvam melhor aos jogadores inclinados à exploração.
Há, portanto, um aspecto leve de metroidvania, mas completamente opcional para quem quiser retornar às fases vencidas só para coletar mais estrelas e praticar o bom e velho colecionismo de materiais extras e, claro, buscar troféus, que são poucos até a platina, mas relativamente cansativos de se conseguir.
O resultado é que o ritmo do jogo é extremamente equilibrado, mantendo o tom leve e cheio de adrenalina que bebem bastante das inspirações não só de games da era 32 bits como dos animes de décadas atrás. A própria apresentação das passagens animadas já traz um elemento nostálgico quase hipnótico, mas infelizmente a maioria das cenas de corte a cada fase superada se dá por caixas de diálogo. Eu adoraria ver mais da essência de anime desse universo.
Aliás, toda a construção estética do jogo é bastante coesa, em uma composição entre a fofurice tranquilizadora desses bichanos e a pancadaria frenética que ele imprime sobre os pobres inimigos que ousam cruzar o seu caminho. O tom da comédia, mesmo muitas vezes ácido e provocativo, é bobo no melhor dos sentidos, apostando no exagero e em doses moderadas de referências pop, como pode ser visto em algumas das imagens que ilustram esta análise.
Com cenários variados e, no caso de alguns deles, bastante inesperados considerando o tema pós-apocalíptico, o uso de cores saturadas e formas mais simples traduzem uma falta de profundidade de campo para um espaço mais contido, que não parece tão interessado assim em relatar a destruição caótica no mundo.
Ainda assim, algumas passagens externas retratam sobreviventes escapando de destroços, alienígenas em momentos mais intimistas e outras ações que trazem mais vida para um planeta devastado. Mesmo pouco interativos, os ambientes pelos quais passamos carregam consigo um fragmento do cuidado com o quesito artístico de um jogo que transborda a paixão de seus pouquíssimos realizadores.
A própria galeria que destaca principalmente artes de fãs – o jogo já está completando o seu primeiro ano no PC e, portanto, já tem seus adeptos fiéis – é mais um sintoma da satisfação que o jogo tem em surpreender o público oferecendo algo tão diferente quanto cativante sem nenhuma vergonha daquilo que está propondo.
O aspecto sonoro do jogo não fica para trás, não só pelo tema magnético que nos deixa cantarolando o refrão por dias, nem mesmo pelo botão dedicado ao miado, mas por um trabalho de mixagem competente entre as vozes afetadas em três idiomas e os efeitos sonoros bem distribuídos e consonantes com a trilha empolgante. Simples, mas muito efetivo.
O desenvolvimento de jogos independentes conquistou todo o respeito da comunidade ao longo das últimas duas décadas exatamente por oferecer produtos como KinnikuNeko: SUPER MUSCLE CAT, que mesmo com alguns deslizes técnicos e engasgos conceituais ali, conseguem promover experiências realmente diferenciadas e ousadas na comparação com o sistema sisudo dos grandes investimentos. Então, que Neko continue ronronando por muito tempo ainda.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Mameshiba Games.