Há muitas pessoas que finalmente conheceram os feitos da Fateless One graças à PSPlus, que ofereceu Kingdoms of Amalur: Re-Reckoning como um dos jogos de novembro de 2021, e talvez nem todos saibam que esta versão é uma remasterização do original que está completando seus 10 anos nesse início de 2022. Os esforços para trazer este relativamente desconhecido RPG com a clássica temática da fantasia medieval de volta à vida, porém, não renderam só uma versão requentada do jogo base, e em dezembro a THQ Nordic, atual detentora da franquia, entregou o conteúdo extra Fatesworn com a promessa de expandir ainda mais o vasto e intenso mundo do game.
Abrindo uma grande nova área no mapa, agora nos levando para os confins gélidos no lado ocidental de Mithros a convite da ordem dos Fateweavers, reencontramos Agarth, que nos guia para uma investigação sobre o aumento de atividades Niskaru naquela região que se revela uma das consequências nefastas dos planos do culto a Telogrus, o Deus do Caos, para destruírem a própria existência com o objetivo de libertar o povo dos laços do destino. Cabe ao nosso herói (ou no meu caso, heroína) desmantelar o plano e impedir que o Chaos, uma vez mais, ameace o mundo e a própria existência.
Diferente das DLCs anteriores que já estavam, nessa revisão, integradas ao conjunto completo – a não ser pela identidade visual do mapa, jogadores mais novos sequer perceberiam que não fazem parte da linha narrativa original – Fatesworn é uma típica DLC pós conclusão da campanha original e, portanto, já considera que o jogador tenha enfrentado todos os desafios que o levaram a ser reconhecido e respeitado como uma espécie de escolhido. Mais do que isso, ao aumentar o nível máximo de personagem de 40 para 50, o game já exige que estejamos bem avançados nesse sentido, e isso me trouxe algumas consequências, como o fato de precisar me preparar antes de encarar a nova aventura.
Isso porque eu fechei a campanha original no nível 31, e confesso que tinha pulado algumas missões secundárias para focar na narrativa principal. Acontece que ao adentrar o conteúdo novo com esse perfil, tomei uma surra dos primeiros lobos comuns que cruzaram o meu caminho, e ficou evidente que precisava me preparar melhor. Seguindo o (mal) exemplo, minha recomendação: para começar Fatesworn, é necessário ter atingido ao menos o nível 34 para dar conta dos perigos escondidos nas montanhas. Eu, por via das dúvidas, subi até o 36 antes de encara-los e foi o suficiente para levar a jornada sem grandes percalços.
Revisitar Kingdoms of Amalur: Re-Reckoning tanto tempo depois me pareceu algo ousado por parte dos desenvolvedores, algo não muito costumeiro sobretudo porque as bases do jogo remetem a duas gerações atrás, mas fiquei surpreso com tamanha coerência estética, narrativa e de ritmo que esse novo conteúdo trouxe. Houve todo um cuidado para que esse material não parecesse destoar do que veio antes e assim nos manter imersos no mundo construído. Isso significa, porém, que aqueles que entendiam certos aspectos do jogo original como datados para os tempos atuais não vão encontrar em Fatesworn nada que os faça mudarem de ideia, e talvez alguns dos aspectos que mais me causaram desconforto antes não só se mantêm como parecem ainda mais explícitos, como missões secundárias de leva-e-traz vazias, muito vai-e-volta em caminhos com poucos pontos de viagem rápida e por aí vai.
Portanto, ainda que traga algumas novidades em termos de ambientação, uma nova skill dedicada a encontrar elementos do caos, um ou outro puzzle e principalmente as mecânicas que nos ajudam a lidar com os inimigos tunados pela nova dimensão, das quais falarei mais adiante, tudo aqui parece bastante confortável (ou repetitivo) para o jogador. Com conteúdo para ao menos mais umas 12 a 14 horas – seria metade disso se nos dedicássemos só às missões principais, mas sejamos sinceros, quem joga esse tipo de RPG não está lá para seguir um caminho linear – podemos dizer que Fatesworn é um mais-do-mesmo no bom sentido, algo que expande aquilo que já conhecemos, nos apresenta belas paisagens congeladas e novos povoados, mas sem reinventar a roda. Para quem emendar o jogo base nesse extra, sentirá pouco impacto, ainda que aqui haja uma apresentação mais cerimoniosa para cada nova área descoberta.
Para os mais dedicados, há ainda novas Lorestones bem inspiradas que aprofundam um pouco mais o background daquele povo, bem como sua história, seus costumes, suas tradições, algo que se mostra um prato cheio para os amantes de documentos longos e densos. Infelizmente, tal como no jogo base, não há uma localização para o português brasileiro nem em vozes, nem em texto, o que pode tornar arquivos não-obrigatórios mais cansativos do que o normal. Contudo, é importante lembrar que muitas missões demandam a leitura direta de documentos e outras ficam mais fáceis quando encontramos um dica ou outra na literatura da região. O mesmo vale para as conversas com certos NPCs que podem ser enfadonhas para uns e fascinantes para outros, mas não espere uma dinâmica diferente do que já vimos antes aqui.
Já no que se refere à jogabilidade, há adições importantes que incrementam aquilo que já aprendemos por algumas dezenas de horas. Pessoalmente, eu assumi os Chakrans como minhas armas principais desde a metade da aventura original pelo alcance, amplitude e, bem, pelo estilo também, e minhas armas continuaram servindo muito bem para o que encontrei pela frente. Contudo, há um momento onde a arma secundária ganha uma nova função narrativa que lembra, de longe, a dinâmica das duas espadas de Geralt em The Witcher III: Wild Hunt. Isso porque a grande adição traz criaturas oriundas de uma dimensão, se assim posso chamar, do Chaos, que são envoltos magicamente por uma proteção, uma couraça que não pode ser ultrapassada pelas armas comuns.
Desta forma, será necessário forjar armas que tenham infusões dos fragmentos desta região para assim conseguirmos enfrentá-los. Ou seja, dependendo do inimigo, será necessário primeiro quebrar esse escudo dimensional com uma arma apropriada antes de conseguir vencê-los pelas vias tradicionais. Pessoalmente, escolhi adaptar meu estilo com um cajado estiloso para essa tarefa, o que me garantiu poder causar um dano em área de forma mais tranquila principalmente contra inimigos múltiplos e rápidos. Conforme avançamos, é possível forjar outras armas com essa especificidade e brincar com as combinações entre os dois armamentos. Se o ideal antes era ter uma boa combinação que considerasse vantagens elementais, há uma nova variante para aumentar essa complexidade.
Essa dimensão outra traz dois novos grandes eventos que transformam o ambiente. O primeiro deles, os Chaos Rifts são fendas dimensionais por onde Niskaru e outros inimigos repaginados vazam para a nossa realidade, e tem uma função muito parecida com as fendas de Dragon Age Inquisition, só que sem a mesma pompa do jogo da Bioware. A dinâmica, quando encontradas, porém, é a mesma: vença os inimigos que estão saindo de lá para estabilizá-las e as feche o mais rápido possível para purificar o local. Por sua vez, há alguns portais, liberados conforme fechamos um certo número de fendas, que funcionam exatamente como qualquer entrada de caverna, levando a dungeons, que desta vez se encontram na dimensão do Chaos, resultando sempre na destruição de um artefato que enfraquece a ameaça crescente.
Aliás, as novas adições abusam de uma palheta de cores mais ousada, trazendo os belos azuis de geleiras em contraste com ambientes verdejantes de florestas e vales. O azul contamina até algumas das criaturas que já conhecemos, trazendo variações típicas de regiões polares destes, como lobos e ursos. Mas é o roxo que realmente brilha por ser a cor relacionada à esse novo elemento do Chaos. Efeitos de luz e iluminação mantém o bom padrão da versão remasterizada do jogo, bem como a banda sonora. Ainda que expressões faciais, modelos humanos (ou humanóides) e animações um tanto quanto robóticas entreguem a idade estética do projeto, o mundo de Kingdoms of Amalur: Re-Reckoning continua belo e fascinante, e mal posso esperar por um projeto realmente de nova geração baseado na marca.
Tecnicamente, porém, essa nova expansão trouxe alguns engasgos sérios que eu não tinha presenciado nas 60 horas anteriores, muito em razão de algumas passagens que mais lembram batalhas campais com grupos grandes de inimigos. Ao enfrentar uma gangue com uns 20 inimigos dentro de uma pequena casa, por exemplo, o framerate sofreu e mesmo no PS5 caiu a níveis baixíssimos, o que evidencia que mesmo um produto sem tantos recursos sofisticados pode sofrer se não estiver otimizado adequadamente. Não chega a ser um problema dos mais graves, já que o desempenho se mantém bem sólido em praticamente toda a jornada, mas ainda assim, é um detalhe que não passou despercebido em todos os momentos onde havia muitos adversários, fogo, gelo e efeitos pirotécnicos rolando.
Como um todo, é um pacote complementar que acrescenta densidade a um jogo injustamente desconhecido mesmo dentro do nicho. Por respeitar demais a obra original, traz consigo alguns de seus vícios, como um loop exageradamente repetitivo de jogabilidade que acaba empacando o ritmo, e a pouca diversidade dentro de missões, desafios e incursões em dungeons. Ainda que narrativamente haja um tom de frescor à essa nova dimensão do Chaos, na prática ela acaba sendo composta por trechos que são versões roxas do que já vimos antes sem muita inspiração em termos de level design.
Para aqueles fãs do jogo base – os mais antigos e os novos adeptos – Fatesworn é um prato cheio, retroalimentando quem já tinha feito tudo o que havia para se fazer na aventura original e que ansiava por mais uma dezena de horas. Com cenários novos, equipamentos que vão agradar aqueles que passam horas compondo seus conjuntos (há até um vendedor que ajuda os colecionistas em certo ponto da jornada) e uma dinâmica levemente reformulada no combate, é uma DLC que oferece um desfecho satisfatório, um fechamento digno para Kingdoms of Amalur: Re-Reckoning, e ainda premia os colecionistas com novos troféus. Fica o desejo de que o interesse tanto dos desenvolvedores quanto do público se mantenha em alta para fomentar uma nova produção, esta sim buscando renovar a marca, atualizar suas mecânicas para os dias atuais e alcançar todo o potencial latente da franquia.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela THQ Nordic.
Veredito
Para os fãs do jogo original, Fatesworn é tudo o que se poderia esperar: mais Amalur! Com novos cenários e uma história clássica do herói tentando evitar o fim do mundo, a expansão acrescenta um pouco de tudo do que já havia, oferece inovações tímidas na forma de se jogar e garante um fechamento digno para um dos melhores e mais desconhecidos RPGs da sua geração.
Veredict
For fans of the original game, Fatesworn is everything you could hope for: more Amalur! With new scenarios and a classic story of the hero trying to prevent the end of the world, the expansion adds a little bit of everything that was already there, offers timid innovations in gameplay and ensures a worthy closure to one of the best and most unknown RPGs of its generation.