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King of Seas – Review

Piratas! Taí uma das temáticas das mais conhecidas e exploradas pela cultura pop e que voltou ao centro das atenções desde o relativamente inesperado sucesso da franquia Piratas do Caribe (que se inicia lá no já longínquo ano de 2003) e o mundo dos games, claro, não deixaria passar o tema sem explorá-los em produções de diferentes gêneros e escopos de produção. Você, leitor, certamente já tem em mente uma série deles, de Cid Meyer`s Pirates! (1987) e Monkey Island (1990); a Assassin`s Creed Black Flag (2013) e Sea of Thieves (2018), sem contar os inúmeros títulos que se aproveitam da estética, como o espetacular Donkey Kong Country 2 (1995). Na espera pelo já mitológico Skull and Bones, chega ao mercado King of Seas, uma produção independente da 3DClouds e publicado pela Team 17 que promete nos levar a um universo cheio de pilhagens, motins e, obviamente, muito rum.

A trama do jogo nos conta sobre os filhos do chamado Rei dos Sete Mares, que finalmente chegam à idade em quem podem comandar seu próprio navio, cheio de pompa, luxo e glória. Nesse momento escolhemos o personagem que será nosso protagonista: Luky ou Marylou. Escolhi a segunda (como você pode conferir no vídeo de gameplay que acompanha essa análise) e já parti para a missão inicial, que introduz as mecânicas básicas de movimentação do jogo. Nesse momento, é possível aprender que os comandos no estilo tank precisam de uma certa prática para que possamos nos movimentar com precisão e velocidade, algo que será bastante exigido mais adiante. Também aprendemos que a velocidade da embarcação está diretamente relacionada a quantidade de velas que decidimos abrir ou fechar. Tudo de uma forma bastante calma e promissora.

Nessa missão simples de ir e voltar, somos surpreendidos com o verdadeiro plot da aventura: na nossa ausência, o rei, nosso pai, é assassinado, e alguns dos membros do alto escalão da corte nos acusam do crime, alegando que temos uma meta de chegar ao poder a todo custo. Perseguidos e indefesos (já que convenientemente nossa embarcação não está armada por estarmos em uma missão diplomática) nosso navio é destruído, somos considerados inimigos da coroa e obrigados ao exílio involuntário quando resgatados por um grupo de pessoas, digamos, um tanto quanto à margem da lei. Somos apresentados ao nosso principal mentor ao longo da jornada, Capitão D. Morgan, e a Leeroy, um guia técnico, por assim dizer, que serão aqueles que nos darão as principais missões da campanha.

Fica evidente que o objetivo principal é provar a inocência da heroína durante as mais diversas missões que envolvem tudo o que de mais tradicional há no tema da pirataria pop: pilhagem, busca por tesouros, exploração de águas nunca navegadas, batalhas navais contra a frota real, tudo sempre flertando com elementos fantásticos e mitos marinhos. King of Seas não tenta esconder, em momento algum, que está sim, tal como um esquete do programa Chapolim, se apoiando nos maiores clichês do gênero, incluindo os arquétipos clássicos estereotipados, trilha musical, barris de rum, papagaios, tapa-olhos e pernas de pau. Se a música do game não é lá tão memorável assim, você terá a certeza de que o tema principal de Piratas do Caribe estava tocando na sua mente o tempo todo.

Essa personificação, contudo, é contextual e só fica evidente nas passagens de corte narrativo, já que todo o gameplay se baseia na navegação e no controle da sua embarcação. Partindo de um ponto-de-vista isométrico sem o controle de câmera, somos incumbidos de algumas missões até certo ponto diversificadas – como afundar uma quantidade específica de embarcações inimigas, entregar algum item em um porto amigo ou encontrar um tesouro escondido – nas no final das contas, nunca fugirá do princípio básico do “vá até lá, faça alguma coisa e retorne” o que, de certa forma, pode acabar prejudicando o ritmo da aventura. Navegar é sim algo divertido, mas pode se tornar ora entediante, ora frustrante.

Só para exemplificar, o jogo se coloca como um RPG de mundo aberto, mas nos dá pouquíssima liberdade de ação e de escolha. Primeiro porque não há muito o que se fazer mesmo: ou você fica zanzando por aí para encontrar alguma coisa brilhando e fazer o bom e velho craft, ou fica procurando confusão com os inimigos que estão navegando a esmo. Segundo, que mesmo esses elementos não são tão simples assim, já que fatalmente a grande maioria dos adversários está em vantagem quando os encontramos, seja porque são navios mais portentosos que o nosso, seja porque estão em um nível superior, seja porque estão em maior número. Ao longo da campanha, serão poucos os momentos onde vamos trombar com alguém e nos sentiremos em vantagem, ou ao menos em equilíbrio de forças. Então explorar significa estar pronto para fugir o tempo todo.

O encadeamento de missões, por sua vez, também não ajuda nessa percepção de livre arbítrio. Há algumas que são praticamente batalhas contra chefões, como uma das primeiras que nos envia para afundar um grande barco adversário, daqueles que lideram as esquadras, algo que já parece muito mais avançado do que o nosso nível e nosso atual estado permitem, oferecendo desafio e uma dose de coragem. Mas outras tarefas são bobas, como por exemplo, atingir um certo nível de personagem, algo que deveria ser – e nos melhores RPGs é – natural e consequência das ações, não meta em si. As missões secundárias, classificadas por dificuldade e bonificação, também não fogem muito a esse esquema e parecem estar lá muito mais para embarrigar a campanha do que para expandir a experiência.

Felizmente, há formas até diversificadas de se encarar os desafios mais complicados. Quando se está em desvantagem, por exemplo, fica claro que sair por aí como um velho lobo solitário do mar arrumando encrenca com todo mundo não é lá muito produtivo e acaba sendo uma receita certa para o desastre. Então nada mais justo do que sempre buscar a ajuda, seja de outras embarcações piratas, seja de bases em terra que sejam suas aliadas. Depois de ser afundado algumas vezes de forma inapelável, busquei sempre navegar, quando possível, ao lado de algum barco NPC de nível maior, ou ainda atrair um perseguidor para um lugar onde eu tivesse vantagem numérica e tática. Nem sempre funciona, e sair fugindo pode ser só uma forma de adiar o inevitável, mas é a melhor receita para prosperar em meio às adversidades.

Mesmo assim a sensação de impotência é uma constante durante grande parte da jornada. Quando você acredita que está preparado para um desafio, chega lá e descobre que seus algozes fizeram o mesmo e estão sempre um passo adiante. Se preparar, nesse caso, é farmar nível e recursos financeiros para atracar em um porto seguro e lidar com comerciantes e outros aliados. Aqueles que conseguem superar um começo de progressão bem vagarosa e que são resilientes o suficiente para acumular recursos ate conseguir uma embarcação que realmente faz frente aos grandes inimigos poderão desfrutar, mais tarde, de um poder de fogo mais vantajoso e, quem sabe, se arriscar em níveis de dificuldade mais elevados em uma segunda run. É preciso compreender bem as mecânicas que favorecem essa melhoria, e aprender como usá-las sempre em seu potencial máximo.

Falando no sistema comercial do jogo, não demora para que conheçamos alguns tipos caricatos com quem vamos negociar quase que em todos os trechos entre missões. Um deles nos vende (e compra a valores bem justos, diga-se de passagem) mantimentos como medicamentos, madeira, doces, comida e bebida. Outro, o marceneiro, pode arrumar as avarias de nosso navio, nos vender outro, ou ainda oferecer alguns power-ups a um bom preço, como tripulação mais preparada, canhões com efeitos diversos, velas que nos dão mais defesa e/ou velocidade, um casco mais duradouro, etc. Há a taverna onde podemos recrutar novos marinheiros para nossa tripulação desfalcada e ainda há o banqueiro que pode guardar coisas que não queremos ficar carregando para não lotar o inventário.

Toda essa economia e administração segue os princípios básicos de um RPG: cada equipamento novo nos dá tantos pontos a mais ou a menos de ataque ou de defesa, temos ainda alguns adicionais que melhoram tempos de cool down de armas ou vantagens a mais de carisma para negociações, por exemplo. Está tudo lá, toda a cartilha funciona de alguma forma, com mecânicas bem articuladas e uma relativa profundidade de sistema como poderia se esperar do gênero. E para ser sincero, toda essa parte de gestão, realizada completamente por menus bem planejados em termos de usabilidade e muito bonitos esteticamente, é o que melhor funciona no jogo. É gostoso cuidar dessa preparação.

A ação em terra, portanto, se dá por meio de diálogos escritos e por esses micro gerenciamentos em menus estilizados. Aqui, talvez poderia haver possibilidades de escolha para que pudéssemos criar uma identidade pirata mais própria, mesmo que fosse em um sistema moral básico daqueles que varia entre o vilanesco e o heróico, o que tornaria essas passagens por lugares como nossa nova casa, Eagle`s Den, ou por ambientes consagrados da mitologia pirata, como Tortuga, mais interessante. Contudo, mesmo esses locais não parecem fazer muito sentido geográfico, já que não é raro encontrar as mesmas pessoas em todas elas. Parece uma versão barata e despreocupada do mercador de Resident Evil 4, que sempre nos perguntamos “se eu sofri tanto para chegar até aqui, como esse cara veio antes?”. Conveniência, eu sei. Mas ainda assim, simplório demais para um RPG, mesmo que ele traga elementos fantásticos como um Kraken.

Todavia, o que parece não funcionar bem mesmo é o recheio, a ação em si. Mesmo com alguns elementos de estratégia em tempo real, como por exemplo, arrumar o campo de batalha para ficar em vantagem numérica ou de posicionamento, a dinâmica geral de batalhas nunca chega a ser empolgante de verdade, e afundar os malditos engomadinhos, algo que é divertido nos primeiros sucessos, se torna algo repetitivo e, fatalmente, tedioso da metade da campanha para frente. No final das contas, me senti com um conflito estranho, o de me interessar muito mais pelo molho do que pelo prato principal, se é que você me entende. Em alguns momentos, eu estava muito mais empolgado em chegar logo ao porto e comprar canhões com efeito mágico do que utilizá-los na prática, algo que parece uma virtude, mas demonstra um certo desinteresse naquilo que é (ou deveria ser) o coração da experiência.

O gameplay não é ruim, vale frisar. A diversidade de ataques possíveis, como canhões elementais, lança-chamas frontais e a invocação do já citado monstro dos mares (que abusam das licenças poéticas) se juntam à capacidade do jogador em posicionar a embarcação de maneira favorável ao ataque e, ao mesmo tempo, que facilite a defesa, que também pode ser incrementada com habilidades especiais. Fazer manobras avançadas abrindo e fechando velas, movimentos ousados e um ataque certeiro é delicioso, sem dúvidas, e traz alguns momentos onde nos vemos gritando (pelo menos em nossas mentes) “tudo a bombordo e fogo!”. Na verdade, é tudo o que eu esperava do título e em muitos momentos eu me encontrei curtindo essas passagens. Mas elas são exceção, não regra.

Aliás, se a interface de interação é algo muito belo e com um estilo artístico desenhado quase que manualmente, o mundo do jogo parece bem menos inspirado. O uso de cores vivas é um grande acerto, sem dúvidas, e os modelos tem seu charme, mas acabam simplificando tudo um pouco demais e, no final, tirando uma ou outra ilha mais específica, tudo parece mais do mesmo. Claro que a geração aleatória e procedural precisa de uma dose de elementos genéricos para funcionar, mas o mundo do jogo perde o encanto rapidamente, e uma ilha é só mais uma ilha mesmo, um navio é só mais um navio. A câmera fixa ajuda pouco nisso, e quando em mar aberto, confesso que é necessário ter perseverança para não fechar o jogo em meio a uma missão.

A mudança climática e o ciclo de dia e noite são bons acertos, mas até aqui há um problema de rispidez. Não foram raros os momentos onde a textura da água mudou drasticamente, em um corte seco, e eu cheguei a achar que era um problema de renderização tardia, mas na verdade era só uma mudança de período que de sutil não teve nada. Essa característica gera algumas boas paisagens, mas nos tira um pouco da imersão e da naturalidade do passar do tempo ou da chegada de uma tempestade desavisada. Soma-se a isso efeitos sonoros repetitivos, uma trilha que, como adiantei, não faz diferença (e ficar relembrando outras funciona melhor) e a ausência de dublagem e da localização das legendas para o nosso português, e temos um conjunto estético limitado e que nos distancia da imersão.

King of Seas é, sem dúvidas, cheio de boas intenções. O sistema bem organizado de gerenciamento de habilidades e recursos é louvável, a interface de gerenciamento é bastante superior a outros RPGs mais robustos e o texto é muito bem escrito. Ainda que abuse dos clichês manjados do gênero, ele o faz com o bom humor e com uma leveza que não se leva a sério demais. As batalhas começam de forma bastante tímida e mais adiante ganham contornos mais divertidos e cheios de possibilidades estratégicas, mas ainda assim o gameplay repetitivo e a liberdade não tão livre assim são o ponto baixo da experiência junto com uma instabilidade no que tange o aspecto artístico.

Posso dizer que vivi sim bons momentos em boas batalhas durante minha jornada no game, e a história, mesmo cheia de barrigas, me motivou a querer saber como a trama termina, mesmo sendo previsível como um filme da Sessão da Tarde. Mas na maior parte do tempo de uma campanha nem tão longa assim – algo em torno de 12 horas contando algumas missões secundárias e alguns bons afundamentos – me senti bastante frustrado de não poder realmente buscar minha identidade pirata, construir meu caminho, algo que não seria um problema em um jogo com proposta mais linear, mas que pesa quando se tem um RPG em mãos. Chegar ao nível de cantar que somos os donos do mar com uma garrafa de rum a tiracolo, em King of Seas, é uma tarefa para poucos.

Jogo analisado no PS5 com cópia física fornecida pela Team17.

Winz.io

Veredito

King of Seas é um bom jogo na temática de pirataria, mas parece não ter encontrado um equilíbrio perfeito entre um sistema sólido de gerenciamento e uma jogabilidade envolvente e empolgante. Tem suas limitações estéticas e méritos em uma narrativa aventuresca, mas peca pela repetitividade e por passagens frustrantemente tediosas.

65

King of Seas

Fabricante: 3DClouds

Plataforma: PS4

Gênero: RPG / Estratégia

Distribuidora: Team17

Lançamento: 25/05/2021

Dublado: Não

Legendado: Não

Troféus: Sim (inclusive Platina)

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Veredict

King of Seas is a good piracy-themed game, but it doesn’t seem to have found a perfect balance between a solid management system and engaging, exciting gameplay. It has its aesthetic limitations and merits in an adventurous narrative, but it lacks repetitiveness and frustratingly tedious passages.