Jogos no estilo "adventure point and click" sofreram uma mudança em suas mecânicas nos últimos anos, deixando de lado a coleta de diversos itens e a resolução de quebra-cabeças nem sempre intuitivos, para abrir espaço a narrativas mais complexas e ao desenvolvimento de personagens mais densos.
Entrando neste nicho, temos a chegada de Os Pilares da Terra, jogo baseado no romance homônimo escrito por Ken Follet, sendo esta sua obra mais famosa. O autor é atualmente mais conhecido por seus romances de época, se aproveitando de períodos e contextos históricos da humanidade verdadeiros para desenvolver suas tramas e histórias fictícias.
O jogo é uma adaptação do livro e por essa razão eu o classificaria como um livro interativo. É bom deixar essa definição bem clara para não criar expectativas falsas no jogador: este é um jogo com forte ênfase na narrativa. Não espere encontrar aqui eventos de grande ação ou uso complexo dos botões, mas sim muitos diálogos, textos e personagens, mesclados por momentos de exploração de cenários e interação com pessoas e objetos, os quais muitas vezes servirão para resolver algum quebra-cabeça simples ou abrir novas opções de diálogo.
Por ser uma adaptação e se tratar de um jogo, há a liberdade de tornar o jogador um participante ativo da história, com o poder de vivenciá-la e modificá-la baseado em decisões nas ações dos personagens e no rumo de seus diálogos. Com isso, é possível que eventos e até o desfecho da narrativa fiquem diferentes do livro, algo que somente descobriremos no futuro, quando as outras duas partes do jogo forem lançadas.
Sim, seguindo a onda dos adventures modernos, este é mais um jogo dividido em episódios, aqui chamados de livros. Serão ao todo três livros, cada um composto de sete capítulos. Tendo em vista que a obra original ultrapassa as mil páginas e que seu enredo perpassa vários anos, essa acaba sendo uma decisão justificável. Vale explicar que a compra do jogo garante a aquisição dos três livros.
A história tem início na Inglaterra do século 12, mais especificamente durante a Anarquia, período histórico marcado por uma guerra civil entre Inglaterra e Normandia na disputa pelo trono, deixado vago com a morte do Rei Henrique I. O monarca possuía apenas um descendente vivo, sua filha, a Imperatriz Matilda (ou Maude), a qual deveria ser sua sucessora direta. No entanto, um sobrinho do Rei, Estevão de Blois, manobrou para ocupar o trono, contando para isso com o apoio da Igreja na figura de seu irmão, Henrique de Blois, Bispo de Winchester. Logicamente, esta crise de sucessão originou conflitos entre a nobreza.
Todo esse contexto histórico e nomes são necessários, visto que o enredo de Os Pilares da Terra entrelaça com fatos e personagens deste período, que também é contado em pequenas doses em documentos e cenas do jogo.
Neste primeiro livro, acompanhamos a história do ponto de vista de três personagens fictícios, cujas personalidades e modos de vida são bem contrastantes, o que permite observarmos o enredo se desenrolar em diferentes frentes que, aos poucos, vão convergindo. A desenvolvedora promete que outros personagens poderão ser controlados nos próximos dois livros.
O primeiro personagem que conhecemos é Tom Builder, um construtor obstinado a concretizar seu sonho de erigir uma Catedral. A construção de tal obra é um dos núcleos de Os Pilares da Terra e é permeada por eventos trágicos. Philip é o segundo personagem controlável. Ele é um prior – uma espécie de padre –, que acaba se metendo no lugar errado, na hora errada. Durante sua visita ao priorado de Kingsbridge, cidade fictícia do livro, Philip se envolve em questões políticas e religiosas que vão tomando proporções cada vez maiores.
Por fim, também acompanhamos a história do ponto de vista de Jack, um garoto ruivo que vive junto de sua mãe longe da civilização, em uma caverna na floresta. Esse estilo de vida "selvagem" torna Jack um personagem interessante, que mistura inocência com impertinência. A vida do garoto e de sua mãe muda em um encontro inesperado com Tom e sua família, durante um momento dramático da vida do construtor.
Devido a seu contexto histórico, o jogo (assim como o livro) é marcado por muitas intrigas envolvendo política e religião. Nobreza e clero mexem suas peças no jogo pelo poder, em uma série de alianças e traições, algo que fica mais evidente no controle de Philip, com o personagem sendo colocado diante de escolhas nem sempre agradáveis ou corretas. Sob a ótica dos outros dois personagens, temos a visão da situação sob a perspectiva da classe mais baixa e pobre da sociedade. Embora menores do ponto de vista social, as ações de Jack e Tom trarão grandes repercussões.
Como já é possível perceber, grande parte da interação em Os Pilares da Terra se baseia na tomada de decisões. O jogador decide como responder aos diálogos e reagir a determinadas situações, moldando a personalidade dos personagens controláveis e alterando o relacionamento deles com os secundários. Algumas escolhas trazem alterações no prosseguimento da trama, sendo que um resumo delas é apresentado ao final de cada capítulo. No entanto, ainda não é possível precisar o quão diferente a história pode se tornar baseado no que o jogador realizou.
O início de qualquer saga épica padece de um mal: a necessidade de introduzir vários personagens, situar o espaço narrativo da obra e inserir um conflito, uma situação a ser resolvida. Tal introdução demanda tempo até que o leitor tenha uma boa noção da trama, o que pode ser um processo moroso. Os Pilares da Terra não foge dessa regra, mas apresenta um problema adicional importante: a falta de cadência.
O jogo possui um ritmo lento em muitos aspectos. A movimentação dos personagens nas cenas e suas ações são vagarosas. O mesmo acontece com os diálogos, todos são narrados – com boas atuações por parte da equipe de dublagem –, mas apresentam uma pausa demorada entre cada fala, distante do fluxo natural de uma conversação. Isso faz com que o jogo se torne cansativo e até desinteressante em alguns momentos (para os diálogos, no entanto, há a possibilidade de avançá-los com o pressionar de um botão).
Os Pilares da Terra traz uma quantidade pequena de cenários a serem explorados, os quais são revisitados em alguns momentos. Todos, no entanto, são muito bem trabalhados, ricos em detalhes que dão um tom distinto a cada um, com destaque para as arquiteturas de cada local. O mesmo cuidado pode ser visto nos personagens, muito bem retratados. Os traços do jogo como um todo têm um ótimo valor de produção.
A arte assemelha-se à de desenhos de décadas passadas, fazendo com que graficamente nem pareça que estamos diante de um jogo. Isso inclusive transparece no desempenho gráfico. Em um primeiro momento, parece que faltam quadros nas animações, mas a meu ver, isso é uma escolha de design para ficar ainda mais próximo do processo de produção de desenhos de antigamente, com cada quadro feito à mão.
Por ser o primeiro livro de um total de três, a história não tem um ponto final, terminando inclusive de um jeito abrupto. No entanto, os diversos mini-arcos apresentados são fortes o suficiente para manter o interesse em saber como a trama irá prosseguir. O ritmo lento e a falta de mais elementos de interação tornam o jogo voltado para uma audiência específica, o que é uma pena. Também não há legendas em português (mas há em espanhol) o que limita mais ainda o público do jogo.
Embora exista o problema da falta de cadência, isto ainda pode ser corrigido nos próximos dois livros. Além disso, há muito potencial a ser explorado, tanto em termos de mecânicas quanto em termos de enredo, sendo que os melhores momentos ainda estão por vir. Por este motivo, considero Os Pilares da Terra um jogo válido e merecedor de ser acompanhado por aqueles que se interessarem em uma boa história.
Veredito
Os Pilares da Terra é uma adaptação da obra homônima de Ken Follet, um romance de época que se passa em um momento de guerra civil na Inglaterra do século 12. Devido à dimensão da obra original, o jogo foi dividido em três partes, sendo esta a primeira. Ele é praticamente um "livro interativo", possibilitando ao jogador participar ativamente da história por meio do controle de três de seus personagens, decidindo-se a respeito de suas falas e ações. Isso traz a liberdade de moldar a personalidade de cada personagem, com o potencial de modificar a história original, algo que só comprovaremos nas próximas duas partes. Apesar de ter uma história recheada de intrigas políticas e religiosas, o jogo possui problemas de cadência nos diálogos e nas ações dos personagens, algo que torço que seja melhorado futuramente.
Jogo analisado com código fornecido pela Daedalic Entertainment.
Veredito
Veredict
The Pillars of the Earth is an adaptation of the best-selling homonymous novel by Ken Follet, set in a historical period of civil war in the 12th century England. With over a thousand pages of story to tell, the game is divided into three books, this being the first. It is practically an interactive novel, allowing the player to have a proactive involvement in the story by controlling three of their characters and making decisions about how they respond and act, thus shaping their personality. This will likely modify the story, but that is yet to be proven on the next books. Despite being packed with a lot of political and religious intrigues, the game has a very slow pace in the dialogues and actions of the characters, which hopefully may be improved in the future.