Jack Move é um jogo surpreendente. Não por ser aquilo que ele se propõe a ser e emular, mas pelo quão bem ele consegue executar isso. Afinal, RPGs inspirados nos clássicos da era dos 16-bits são quase tão comuns quanto jogos de plataforma eram 8-bits eram há uma década atrás, sendo a atual moda entre desenvolvedores independentes, mas fazê-los com qualidade e de forma marcante segue sendo um feito para poucos.
Não que se esteja diante do jogo mais raro e único de todos os tempos, mas a cada novo capítulo, a cada novo cenário de Jack Move, é possível sentir o cuidado e carinho colocado nele. E é esse cuidado e atenção aos detalhes, as mecânicas bem elaboradas e a história curta mais envolvente que acabam o tornando um jogo tão gratificante.
O jogo gira em torno de uma única personagem jogável, a jovem chamada Noa Solares. Noa é a filha de um talentoso cientista que, após a morte de sua mãe, se vê afastada de seu pai, trabalhando como uma hacker freelancer nesse universo pós-apocalíptico cyberpunk no qual um desastre em 1997 causou o fim de toda a tecnologia do mundo e o colapso dos governos.
Naturalmente, corporações passaram a tomar conta do mundo, com uma delas em específico sendo a grande força dominante na cidade onde Noa mora, chamada de Bright Town. E, é claro, é justamente essa corporação, chamada de MonoMind, que resolve sequestrar o pai de Noa para tentar se apossar da revolucionária pesquisa que ele vinha desenvolvendo desde a morte da mãe da garota.
A história de Jack Move é bem interessante, muito pela ambientação e pelo prisma através do qual ela se propõe a contar aquilo. Novamente, não tem nada de muito único e revolucionário aqui, mas o fato dela colocar o relacionamento entre Noa e seu pai no centro das coisas e tentar trabalhar a relação bastante complicada entre os dois acaba ajudando bastante no sucesso que ela tem em sua história.
Esse êxito, no entanto, é limitado, já que o jogo também se propõe a tratar de temas um tanto quanto sérios como toda boa obra de cyberpunk deveria ou a complicada questão de se máquinas sentientes têm “vida”. O problema é que, em se tratando de um jogo relativamente curto, ele não consegue explorar esses temas a contento, fazendo com que tudo pareça muito raso e todos os personagens secundários sejam pouco mais de uma ferramenta para avançar a história em uma ou outra direção.
Faz sentido não ser um jogo tão longo assim (ele dura algo em torno de, no máximo, 10 horas), mas talvez umas 5 ou 10 horas a mais teriam ajudado a explorar melhor aquele mundo e aqueles personagens. O que acaba sendo uma pena já que a ambientação é bem legal, mas o mundo como um todo é vazio, sem muito a se fazer ou explorar, com NPCs sendo totalmente ignoráveis.
Um ponto importante sobre a ambientação é que a trilha sonora do jogo enriquece demais a experiência e é digna das melhores obras dessa temática já vistas. Enquanto o visual deixa um pouco a desejar, com os mapas parecendo mal enquadrados e as animações relativamente simples. Tudo ainda é muito bem feito e bonito, mas a sensação é de que o mundo poderia ser um pouco melhor detalhado e talvez só ajustar um pouco a câmera já ajudaria nisso.
O grande destaque de Jack Move, no entanto, fica por conta do seu sistema de combate. Apesar de bastante simples, ele é bem ágil e fácil de se aprender e dominar, sendo um bom exemplo de execução de um tradicional sistema de combates por turnos, no qual cada personagem age em uma ordem determinada pela sua “sinapse”. Basicamente, Noa tem acesso apenas a habilidade de Hack, que são ataques físicos; Patch, que te permite usar itens; e Cache que te faz se defender.
No entanto, Noa pode ocupar espaços no seu banco de dados para instalar softwares, que são itens que custam RAM e te dão acesso a diferentes habilidades durante o combate. Cada habilidade tem um certo custo em RAM, com Noa tendo um limite máximo de 16 pontos que podem ser usados para equipar esses softwares, e quanto mais você as usa em combate, mais elas evoluem e vão ganhando mais força ao serem utilizadas.
Esses softwares, que são as habilidades do jogo, podem tanto representar habilidades ativas quanto passivas, te dando acesso a golpes especiais que te ajudarão a explorar a fraqueza de certos inimigos, habilidades de cura ou passivas que te ajudarão a se tornar mais resistente contra certos tipos de ataque ou efeitos de status. Além disso, é possível equipar hardware, os tradicionais equipamentos de outros jogos, que te dão melhorias nas estatísticas ou também podem conceder habilidades passivas ou ajudar a melhorar sua RAM enquanto estiverem equipadas.
Ao equipar esses itens você passa então a ter acesso a importante opção Execute, que é o menu de habilidades do jogo, e Install, que te permite trocar as habilidades instaladas no meio da batalha. Isso significa que, mesmo que os inimigos à sua frente sejam resistentes aos ataques que você tem equipado, você pode rapidamente trocar o arsenal à sua disposição e mudar sua estratégia em meio às batalhas.
Isso se torna algo bem importante já que (quase) todos os inimigos têm fraqueza a um de três tipos de ataque presentes: aquaware, eletroware e ciberware. Cria-se, então, a já conhecida estrutura triangular de fraqueza, ou seja, um sistema de pedra-papel-tesoura, no qual cada classe é fraca contra uma e forte contra a outra. Existem, naturalmente, algumas exceções à regra, mas é mais uma dinâmica comum do gênero que é bem executada aqui.
Jack Move não é dos jogos mais difíceis do mundo, mas essa estrutura e essa dinâmica ajudam bastante a torná-lo mais estratégico e, consequentemente, mais divertido. Você quase sempre conseguirá avançar pelo jogo simplesmente mantendo um deck de habilidades equilibrado, os chefes te forçaram a pensar um pouco melhor sobre suas táticas e sobre como abordar as batalhas com eles de forma a facilitar o seu trabalho na hora de derrotá-los.
Se, ainda assim, você se encontrar em uma situação de fragilidade e sem ter muito como sair dali, o jogo te dá uma última alternativa: os titulares jack moves. Eles são golpes especiais bastante poderosos que podem ser realizados após carregar uma barra e, convenientemente, se encaixam com os mesmos elementos que os inimigos têm suas fraquezas. A execução dos golpes exige que o jogador complete um pequeno minigame de ritmo, mas o sucesso completo só te dá um pequeno bônus de dano, mas nada muito grande.
Um ponto aqui que cabe citar, ainda que seja algo cada vez mais comum em jogos independentes, é que o jogo está completamente localizado em português. Jack Move tem uma quantidade até grande de texto, mesmo sendo um jogo mais curto, então esse tipo de esforço para adaptá-lo ao público brasileiro é muito bem-vindo e merece ser reconhecido.
Dito tudo isso, Jack Move é o tipo de jogo que é muito bom e muito divertido, mas um raro caso de jogo que, caso fosse um pouco mais longo, teria alcançado um sucesso ainda maior. Enquanto o combate é excepcionalmente bem polido e divertido, a história acaba deixando um pouco a desejar por não explorar tão bem os personagens ou os temas que se propõe. Ainda assim, é um jogo que merece sua atenção pelo quão bom ele consegue ser ao fazer exatamente aquilo que ele tenta.
Jogo (versão de PS4) analisado no PS5 com código fornecido pela HypeTrain Digital.
Veredito
Jack Move é um ótimo RPG inspirado por clássicos do gênero que, apesar de tropeçar no desenvolvimento da sua história, entrega um ótimo sistema de combate e um mundo bastante envolvente que fazem o investimento de tempo valer muito à pena.
Veredict
Jack Move is a great RPG inspired by classics of the genre that, despite stumbling a bit with developing its story, delivers a great combat system and a very immersive world that make the time investiment well worth it.