I Saw Black Clouds – Review

Com a consolidação dos jogos indies, especialmente nos consoles de mesa, diferentes possibilidades e expressões artísticas se tornaram possíveis nas mãos de programadores e idealizadores que buscaram nesse segmento uma outra forma de fazer jogos eletrônicos. Geralmente inspirados em grandes títulos do passado, diversas formas de se contar uma história se fez presente nessa categoria e a modalidade FMV (Full Motion Video) apareceu como uma alternativa e ampliação dos títulos indies. Focado estritamente na narrativa e tendo por base uma produção de caráter cinematográfico, o conceito FMV se baseia em um filme jogável em que o gameplay é concentrado nas decisões do jogador que alteram os rumos do enredo e proporciona desfechos diferentes para cada escolha.

I Saw Black Clouds é uma produção da Ghost Dogs Studios e publicado pela Wales Interacative e tem como tema principal assuntos sensíveis como o suicídio e o tratamento psiquiátrico relatados através de uma história de amizade em um vilarejo que é supostamente assombrado por um espírito ressentido. Reunindo todas as principias características do gênero, o game traz uma experiência razoável que busca entreter com temas sobrenaturais e com personagens interessantes, mas que não atingem o completo potencial por não entregar um enredo que ofereça tensão psicológica ou os famosos “jump scares”.

Quando Emily decide tirar a própria vida por se encontrar em um mundo de escuridão e sem a possibilidade de saída, a família e os amigos buscam respostas sobre os motivos de a jovem garota tomar tal atitude. Neste cenário, a amiga Kristina acaba por assumir a responsabilidade de investigar o caso mais a fundo e descobrir o que aconteceu antes de Emily morrer. Ao visitar lugares da vila e conversar com diferentes pessoas, Kristina percebe que, mais do que uma lenda sobrenatural que ronda o local, sua história e eventos do passado também terão um papel relevante em toda a empreitada fazendo com que ela descubra sua própria percepção da realidade e das pessoas com quem convive.

Ao acompanhar a protagonista em sua busca pela verdade dos fatos, o jogador é convidado a tomar decisões a todo momento em que cada resposta leva a cenas diferentes e que podem direcionar o caso para outras perspectivas. Neste sentido, a produtora abre um leque de possibilidades interessantes com ações variadas e que constroem atributos morais de Kristina conforme o jogo progride. Cabe a quem joga selecionar as decisões com as quais se sente mais confortável e ver como a narrativa se desenrola podendo acompanhar o status da personagem no menu de pausa. Sentimentos como culpa e aceitação pode ser alterado de acordo com as escolhas realizadas e produzir um final diferente para cada sentimento que o jogador priorizar. Como exemplo, pode-se citar a personagem Agnes que é o espírito que assombra o vilarejo cuja história é revelada por um médico local, mas demanda do jogador interesse e calma para receber tais informações. Quando a protagonista compreende de onde vem a lenda local e o impacto que teve na vida dos residentes e de Emily, os níveis de aceitação de Kristina se elevam e direcionam a história para o final em que a protagonista fica em paz consigo mesma e sem arrependimentos do passado. Muitas outras histórias e possibilidades podem ser reveladas de acordo com as atitudes tomadas, porém nem todas as pessoas serão amigáveis ou estarão disponíveis para contar o que sabem, o que pode gerar um bloqueio na história e a impossibilidade descobrir novos fatos bem como a realização de um outro final para jogo.

Distante de conceitos como gráficos e jogabilidade, I Saw Black Clouds prioriza um elenco de atores competentes e uma jogabilidade muito simples cuja única tarefa é usar o D-Pad para selecionar uma determinada ação. Dessa forma, não há dificuldades ou pontos cruciais dos controles que precisam ser dominados fazendo com que toda a atenção do jogador se concentre na narrativa e nos sentimentos que vai produzir na personagem.

Determinadas ações escolhidas em momentos chave do jogo desencadeiam trajetórias particulares que vão apresentar cenas e outros personagens que podem se junta à trama ou não. Não será possível ver todas as encenações e pessoas em um único jogo sendo necessário reiniciar a campanha e tomar outras decisões que ativarão outras possibilidades.

Essa é uma característica típica do FMV como uma forma de aumentar a vida útil do jogo e fazer com que o público veja tudo o que pode ser oferecido aproveitando o enredo de maneira mais completa. Mesmo assim, jogos dessa modalidade possuem uma natureza limitada por não oferecerem uma estrutura de jogo como a movimentação livre, a coleta de itens, um nível de dificuldade gradativo entre outros elementos de um jogo tradicional, o que acaba afastando jogadores casuais e se tornado um gênero restrito a jogadores mais dedicados ou para aqueles que buscam aumentar o número de troféus do perfil. No entanto, determinados jogos deste gênero foram mais bem aproveitados como é o caso de She Sees Red, produzido pela Rhinotales, e que aproveita melhor as funcionalidades do FMV promovendo partidas mais empolgantes e entregando ações mais práticas e interessantes enquanto narra um assassinato em uma casa noturna. No caso de I Saw Black Clouds psicológico, o enredo não é tão impactante e também não cria uma proximidade com o jogador fazendo com que alguns momentos do game possam ser menos interessantes.

O título é uma produção que, à primeira vista, se lança como uma narrativa interessante por trazer temas que podem entreter ou emocionar dependendo de como as escolhas são desenvolvidas pelo jogador. O entretenimento ou a emoção não foram evidenciados fortemente  e se limitam a alguns trechos em que partes da história são mais detalhados e bem apresentados. Mesmo a tensão que poderia ser um aspecto central no game deixa a desejar com cenas de terror pouco convincentes e algumas vezes pouco críveis, o que acaba por desviar o conceito principal da proposta. A ideia de destacar a personagem Kristina ao final é confusa e, em termos narrativos, distorce o foco da personagem Emily e não deixa claro qual era o objetivo: ou contar os eventos trágicos que levaram à morte de Emily ou surpreender quem joga pela forma como Kristina desempenha um papel fundamental nessa relação. É possível revelar outras partes da história e interagir com outras pessoas que vão contar mais sobre Emily ou fazer com mais fatos sobre Krisitna venham à tona. O jogo conta com quatro finais e 579 cenas totais que serão a diversão daqueles que prezam por uma experiência mais “filmística” do que um jogo com conceitos mais habituais.

I Saw Black Clouds é um título produzido dentro de um gênero muito específico que busca se popularizar no mercado indie e que, apesar de trazer limitações pela própria técnica que desenvolve, deve ser jogado com a atenção focada em suas condições particulares como enredo e decisões. No entanto, em se tratando de contar uma história envolvente, a modalidade FMV ainda necessita de um tempo de maturação para poder se firmar popularmente deixando espaço aberto para jogos como os da produtora Quantic Dream que, sem abandonar os elementos mais essenciais de um jogo eletrônico, consegue promover um enredo interessante e memorável ainda permitindo que o jogador se sinta uma parte essencial de tudo o que acontece.

Jogo analisado no PS4 Pro com código fornecido pela Wales Interactive.