Harry Potter sem Harry Potter, pode? A questão feita pelo fandom há algum tempo, na ocasião do lançamento da sub franquia Animais Fantásticos – a qual, com altos e baixos, sequer tem previsão de quando (ou se) vai terminar nos cinemas – não poderia faltar quando anunciaram Hogwarts Legacy, um dos jogos mais aguardados dos últimos tempos e que tinha como premissa estar ambientada quase dois séculos antes das aventuras que encantaram multidões durante mais de uma década.
Em meio a polêmicas sobre a autora (as quais ficarão de fora desta análise para não prejudicar o olhar sobre a obra) e os desencontros dos detentores dos direitos da marca com as mais recentes produções, o que inclui ainda uma peça de teatro caríssima e, no mínimo, divisiva, a desconfiança é bastante justificada. Mesmo com uma campanha de marketing bastante agressiva desde o seu anúncio, havia uma certa contenção no hype sobre se realmente este universo, conceitualmente tão rico e fascinante, sobreviveria sem os personagens que muitos de nós crescemos acompanhando, nos quais várias pessoas se espelharam e com as quais se identificaram em relação a dramas de amadurecimento, conflitos de relacionamentos e descobrimento de propósito, com o bônus, claro, de haver magia, duendes, dragões e um vilão sem nariz dos mais estilosos de todos os tempos.
Não há dúvidas que estes mesmos questionamentos estiveram permeando a mente de todos os envolvidos no projeto, uma ousada entrada nos games como jamais havia sido tentado. Afinal, dentre jogos fiéis aos filmes e adaptações no melhor estilo LEGO, uma expansão de lore assim é ao mesmo tempo desafiadora e amedrontadora, e precisava de uma âncora transmidiática muito mais sólida do que se parecer com aquilo que as pessoas já amam e estão dispostas a se apaixonar (ou odiar) e, para tal, a resposta óbvia se tornou o mote da obra, aquela que aliás, empresta o nome ao game. A lendária escola britânica de magia sempre foi o alicerce onde a franquia se estabeleceu. Agora, ela não é só uma locação, ela é uma personagem viva e pulsante. Hogwarts é a protagonista de seu próprio mundo.
O imponente castelo, assim, se torna o centro de uma trama que nos coloca na pele de um estudante que acaba descobrindo sua inclinação à magia tardiamente, o que lhe causa um efeito raríssimo de entrar já no quinto ano da grade formal. O que poderia parecer só um artifício de roteiro para que pudéssemos controlar um jovem mais velho do que as crianças de A Pedra Filosofal sem contudo perder algumas das melhores coisas de quem é recém chegado (como escolher a própria casa, decidir sobre sua varinha e assistir as primeiras aulas de encantamentos), se tornou um dos pilares de uma trama que ganha contornos bastante intensos já nos primeiros minutos e que, com alguns bons – ainda que não tão surpreendentes assim – pontos de virada, funciona em escala e em emoção como eu não esperava.
Customizável logo quando iniciamos a nossa jornada, nosso (ou nossa) herói terá que pagar todos os pedágios já esperados: fazer amizades, compreender a dinâmica da escola, fazer algumas escolhas morais significativas, e principalmente mostrar que mesmo sendo um calouro tardio, sua função é central nos eventos que estremecem o status quo. Emular aquilo que já sabemos que deu certo é sempre uma armadilha plausível, não só em termos de problematização do conflito central como também na estrutura básica de desenvolvimento de personagem. Enquanto alguns arquétipos são inevitáveis – o mestre guia, a professora empática e compreensiva, os rivais que compartilham inveja ou desdém, o bruxo mais velho turrão… estão todos lá, e por um bom motivo, já que a jornada do herói demanda artifícios assim que ajudam a constituir uma trajetória de percalços, aprendizado, superação e apogeu. Mas há todo um cuidado para se evitar o lugar comum.
Isso significa que mesmo que muitas das peças sejam as mesmas, o arranjo delas é suficientemente fresco. Algumas coincidências teimam em existir, mas elas estão lá muito mais como uma grande homenagem ao que todos já conhecemos (ou para usar um termo mais técnico, como easter eggs), do que como uma reiteração formulaica, e logo no primeiro terço da campanha, quando ainda estamos tateando as mecânicas e aprendendo como lidar com elas, estamos imersos em algo realmente novo. Ainda que eu não tenha terminado a história central no momento em que escrevo este texto por questão de tempo e da magnitude da produção, já é seguro dizer, perto da reta final, que fui positivamente surpreendido por uma narrativa coesa, fluida e cheia de detalhes que mantém uma coerência com o que já vimos e, ao mesmo tempo, consegue se desgrudar o suficiente para funcionar por si só.
Contam pontos para Hogwarts Legacy (e esses vão para todas as casas) a astúcia de incorporar diegeticamente muitos dos elementos consagrados em games de RPG modernos ocidentais de forma eficiente e justificada. Para ficar em um exemplo mais óbvio, cada poção que carregamos em nosso inventário tem seu motivo de existir e seu próprio background cujo precedente já está no cânone sem muita necessidade de suspensão da descrença. A aula de poções é das mais tradicionais do mundo bruxo, aprender a produzir, a partir de ingredientes disponíveis na natureza ou adquiridos de comerciantes , é parte da própria aventura dentro de uma escola do tipo. O mesmo vale para cada novo feitiço de ataque e de defesa, cada nova ferramenta que cedo ou tarde será útil ao longo das dezenas de missões que nos serão oferecidas. Pouca coisa aqui surge simplesmente “porque sim”.
Claro que ajuda o fato de que todo esse universo literário e, depois, cinematográfico, de Harry Potter é criado bebendo diretamente de estruturas que também são a base para o próprio gênero do RPG, então há uma convergência bem conveniente aqui, mas é um grande acerto que os desenvolvedores tenham tomado alguns cuidados muito precisos quanto a essa narrativa emergente, que emana de tudo o que está na superfície, ou mesmo nas entranhas do modelo de jogo. Esta mesma dedicação com os pormenores já era esperado no trabalho de arte, e não estranha o fato de que esse é um dos pontos de atenção mais sérios de Hogwarts Legacy porque, sejamos sinceros, é tão claro como o feitiço Lumos que os adeptos mais ardorosos da franquia se atentariam a qualquer moldura fora do padrão, a qualquer estante fora do lugar, a qualquer textura de tecido que não se pareça com o que deveria.
No aspecto artístico, portanto, tudo o que vimos em trailers e outros materiais de divulgação é tão belo quanto o esperado. Cada quadro na parede se move com uma similaridade assombrosa ao que nossa memória afetiva anseia; cada textura das paredes do castelo, como se pudéssemos tocá-las, é um aceno para os mais atentos; cada instrumento que podemos movimentar de forma fugaz é um cafuné na cabeça de cada um de nós que, trouxas, nos permitimos seduzir pelos detalhes mais bobos. Um amontoado de abóboras no canto, um chalé à beira da Floresta Proibida, uma criatura invisível que surge na presença da morte, algumas notas musicais que evocam o tema magistral do mestre John Williams, tudo está milimetricamente lá para afagar olhos, ouvidos e corações.
Tudo isso consegue estabelecer um grau enorme de qualidade e fidelidade em termos gráficos, com um realismo excelente que só não vai mais longe porque as personagens humanas ainda seguem em um padrão com o qual nos acostumamos, mas que continua passeando pelo vale da estranheza. Mas nada disso seria tão fascinante não fosse o trabalho de recriação das dependências de Hogwarts e seus arredores de um modo nunca feito antes. Claro que plantas baixas, mapas e outras formas de representação da construção estão espalhadas por todo o lugar, mas a recriação aqui em todos os seus detalhes beira a perfeição e o ambiente é ao mesmo tempo fiel ao que já vimos antes, e sustentável enquanto espaço aberto para hospedar um jogo deste tamanho. Se por vezes fidelidade e design entram em conflito, aqui não há divergências, há encontros.
Outro aspecto que funciona muito bem é o que se refere à geração de partículas e efeitos especiais, principalmente os relacionados a elementos mágicos. Cada encantamento tem as suas nuances, suas faíscas, sua textura, e quando combinadas em combate ou na resolução de quebra-cabeças, se tornam um espetáculo visual que torna cada conflito corriqueiro um show de luzes e explosões. A iluminação, por sua vez, não foge ao padrão e sejam momentos noturnos sob uma lua azulada, seja em uma manhã ensolarada, cada paisagem é um verdadeiro cartão postal que não perde em nada a alguns dos melhores jogos nesse quesito. É verdade que há algumas inconsistências aqui e ali quando uma luz entra enviesada por uma fresta ou por uma janela meio opaca, mas nada que desmereça o deslumbre do total.
Se a parte sonora consegue tornar a nossa missão de imparcialidade quase impossível ao nos remeter ao tema principal e alguns vários efeitos são exatamente iguais aos dos filmes, é mais fácil ter um olhar distanciado para outras passagens originais que são igualmente competentes, uma ambientação muito adequada que nos localiza bem em cada região do mapa e um trabalho com vozes digno dos melhores elogios. Há aqui a aplicação de uma ferramenta de sincronia labial que se adequa ao idioma, o que significa que tanto no original em inglês quanto no nosso bom e velho português brasileiro há poucas falhas. Algumas interpretações de NPCs são um pouco mais mecânicas e protocolares, mas no geral, o time de atuação nas duas versões é excelente. E ponto para a escalação que trouxe o mesmo dublador dos filmes para o chapéu seletor, o que colabora ainda mais para uma sensação de coesão entre as diferentes linguagens. Detalhes pequenos fazem toda a diferença.
E se estamos falando de detalhes, quem ainda se confunde com o nome dos feitiços básicos e, tal como o Ron, tem suas dificuldades com a pronúncia de alguns deles, aqui certamente guardará cada um na memória de uma vez por todas. Sem pressa, aprendemos um a um em diferentes contextos, mas na sua grande maioria em aulas regulares ou complementares na escola. Há uma roda muito prática de mapeamento delas, onde segurar o R2 nos dá acesso, com cada botão de rosto do controle, a quatro deles de uma só vez em um sistema de combinação que nos dá espaço para belos combos. Não demora para que possamos ter outras combinações que também tornam mais um conjunto acessível com o toque do direcional, o que pode parecer confuso no começo, mas com um pouco de prática se torna bastante natural.
Para o modelo de combate adotado no jogo, talvez a mais drástica adaptação para essa nova mídia, o sistema é bastante efetivo. Temos um ataque comum, e vários feitiços específicos podem ser utilizados em batalha. Por exemplo, você pode disparar uma sequência de magias normais contra um inimigo, fazer com que o outro levite indefeso e ainda trazer um terceiro para perto de você para poder incinerá-lo, tudo de uma só vez. Como efeito prático, esse sistema se assemelha muito ao uso da Força em alguns jogos de Star Wars, por exemplo, com o grande diferencial de ser modelado para o enfrentamento à distância, e somos bastante vulneráveis a ataques diretos por obviamente nosso personagem não ter qualquer característica física sobre-humana. Ou seja, ficar perto de um trasgo mal humorado é uma péssima ideia.
No geral, tudo funciona bem e, mesmo diante inúmeros inimigos, o combate é administrável ao equilibrar movimentos de ataque e de defesa. O maior percalço aqui se refere ao posicionamento de câmera – sempre ela – que pouco nos ajuda a prevenir ataques de direções fora do enquadramento. Travar o alvo em um inimigo é muito útil, como sempre, em uma disputa um-contra-um, mas um tormento quando há múltiplos agressores, mesmo quando um deles é um chefe que merece maior atenção. Não foram raros os momentos onde fui atacado de direções inesperadas sem apelo ou qualquer artifício que me ajudasse nessa localização. Há um sinal que nos adverte da iminência de um perigo, como um sentido-aranha ou como aquele alerta da série Arkham, mas que nem sempre é eficiente para que tomemos a contra medida necessária. Não é raro esquivar, quase que em um movimento instintivo, exatamente para a direção de onde vem o ataque.
Aliás, além desse movimento já obrigatório em todo jogo de ação que se preze, é possível ainda pular, e há um feitiço de escudo disponível logo de início, tal como o uso de poções para recuperação de saúde e para outros efeitos interessantes. Rapidamente fica disponível também o uso de uma habilidade extra, que faz o papel de granadas ou coisas assim em jogos similares. A primeira delas, por exemplo, é o repolho carnívoro que faz um belo estrago quando a coisa aperta. Somados às combinações de feitiços, há muita coisa possível de se fazer quando em perigo. Dependendo do cenário, no melhor estilo Spiderman e, de novo, Star Wars, também é possível pegar objetos e arremessá-los. Se esta era a área que mais me trazia dúvidas, em como o mundo bruxo poderia abrigar um RPG de ação dinâmica, a resposta é ótima e não fosse a câmera pouco adaptativa para múltiplos agressores e maluca em ambientes fechados, seria perfeito.
A solução de enigmas e outras atividades, por outro lado, demora um pouco mais a engrenar. No início, temos algumas ações bem corriqueiras, banais até, como pegar colecionáveis que voam, revelar elementos escondidos ou acionar interruptores, e só mais adiante que será necessário buscar mais criatividade e, mesmo assim, não é das coisas mais originais do game. Arrastar caixas com o Accio; levitar outras com, bem, você sabe como; queimar objetos e teias de aranha e outras ações são atividades triviais, mas novamente destaca-se a forma integrada como esses poderes precisam estar no jogo porque existem e, ao mesmo tempo, estão porque já foram apresentados antes. Puzzles mais elaborados mesmo, só no terço final da aventura, e muitos deles são derivados de missões secundárias e ações complementares, e o modo mais investigativo, considerando esta uma trama sim de conspiração, fica em segundo plano em detrimento a uma ação mais direta.
A própria administração de personagem é muito mais voltada à pancadaria bruxa, com cada equipamento encontrado dedicando atributos a pontos de força, por exemplo, além de alguns efeitos complementares. Divididos entre diferentes graus de raridade, com direito ao uso das cores já sedimentadas na indústria, esses apetrechos não parecem fazer tanto sentido como os feitiços – é difícil aceitar que um óculos pode conferir mais pontos do que outro, ou que um chapéu pontudo protege mais que um elmo, por exemplo – mas se apoiam em um modelo reconhecível. Há ainda desbloqueáveis cosméticos para cada peça que mudam sua aparência sem perder seus atributos, algo que se parece muito com o que já é adotado em jogos como Assassin’s Creed Odyssey, por exemplo, e acessórios que alteram aparência, como os cabos de varinha, e as vezes propriedades, como vassouras mais requintadas. Montar seu (ou sua) aspirante a bruxo é sempre divertido e viciante.
A árvore de habilidades é, surpreendentemente, bastante tímida considerando o gênero, e as melhorias lá, que só são desbloqueadas depois de bom tempo de jogo, são normalmente um complemento a algo que já temos, e estão divididas em cinco categorias, sendo uma delas algo que poucos podem decidir usar e outra usada para momentos mais específicos e missões pontuais. Por exemplo, você pode conquistar uma melhoria que faz com que três, e não só um, inimigos sejam afetados por alguns feitiços, ou pode tornar o seu efeito de invisibilidade mais forte. Comparado a jogos como God of War, só pra ficar no exemplo mais recente, é algo bem mais simplificado e que pode nem ser tão significativo assim dependendo do estilo do jogador.
Os demais menus são muito agradáveis e bem auto explicativos, permitindo um rápido acesso a configurações gerais, colecionáveis, tarefas e outras opções de gestão. O mapa é, como já se poderia imaginar, um dos maiores desafios de interface do game, considerando não só o tamanho condensado do mapa principal, como também a sua verticalidade. Se não há muita dificuldade para se encontrar as missões principais ou as secundárias marcadas na sua lista de tarefas, procurar um ponto aleatório, como por exemplo decidir ir até a estufa para coletar uma erva que foi deixada lá para crescer, pode ser um pouco mais trabalhoso. O minimapa na HUD do jogo é, entretanto, muito didático e se permitir guiar por ele é de grande ajuda para se achar em meio a incontáveis escadarias, salas e outras instalações do castelo.
A assistência ao jogador é, assim, muito bem pensada para favorecer a imersão, algo ainda mais valorizado quando somos apresentados à Sala Precisa, talvez a mais bem acabada parte do castelo de Hogwarts e, curiosamente, aquela mais customizável também. Não só porque é possível escolher as cores e formas de absolutamente tudo, mas também porque é onde construímos uma verdadeira base de operações, um verdadeiro hub de comando. Se em jogos como Dragon Age Inquisition temos uma fortaleza inteira para fazer esse papel de espaço seguro onde podemos confeccionar itens de suporte, nos preparar entre missões e construir um lugar decorado para chamar de seu, aqui a escolha certeira foi utilizar essa ferramenta de um modo muito mais interessante do que na série original. Depois que nos é apresentado este espaço, é certamente onde mais vamos gostar de passar um tempo de bobeira.
Em contrapartida, as ausências anunciadas do jogo de quadribol (que é justificada em uma linha de diálogo dita em nossos primeiros instantes em Hogwarts) e da Câmara Secreta – pelo menos até agora, já que ambas poderiam ser adicionadas ao jogo se assim os desenvolvedores quiserem – são algo a se lamentar porque são pontos icônicos de Harry Potter, mas na prática nenhuma delas faz falta de verdade. O grande valor do esporte bruxo está no voo com a vassoura, nas manobras arrojadas e na liberdade de movimento e, acredite, tudo isso está lá de outra forma, e de um modo muito mais deslumbrante; enquanto o cantinho secreto de Salazar Sonserina, como vimos antes, tem seu valor intrínseco exatamente porque sua função estava diretamente ligada às tramoias de Voldemort, e seria uma banalização poder acessá-la aqui também. Sem um valor narrativo importante, é o tipo de fan service que tem mais a perder do que ganhar.
Já pelo lado técnico da coisa toda, minha satisfação maior é sentir uma grande estabilidade do jogo dentro e fora da escola, com poucos bugs e nenhum tipo de travamento mais grave, coisa que deveria ser regra mas que acaba sendo cada vez mais raro hoje em dia, o que justifica os adiamentos pelos quais o jogo passou antes de ser lançado. Há pequenos momentos de carregamento entre algumas salas e trechos maiores do castelo, mas no geral o jogo é bem rápido. Há também eventos de pop-up perceptíveis, principalmente em lugares com mais pessoas em cena, além de alguns poucos já citados engasgos de iluminação aqui e ali. Não senti uma grande vantagem utilizando os recursos do DualSense, e particularmente prefiro manter os efeitos de pressão nos gatilhos desligado, mas a percepção háptica de terreno, principalmente em momentos de maior ação, ainda vale a pena. E, como é de costume, o modo desempenho é sempre mais vantajoso que o de qualidade porque a fluidez é fundamental com tanta coisa acontecendo ao mesmo tempo.
Então, a pergunta que abre esta análise retorna: Harry Potter sem Harry Potter pode? Ou como diria um famoso humorístico, é golpe? Depois de passar dias intensos com o jogo para conseguir jogar o máximo possível e chegar nesse ponto da análise, posso dizer com toda certeza que não só pode, como deve. Principalmente quando se tem algo tão potente como é Hogwarts. Tal como a Gotham City das melhores produções do homem-morcego, é no estabelecimento deste local tão especial como elemento central da trama que se encontra as melhores saídas para agenciar o seu público. Porque no final das contas, nem todo mundo quer ser Harry Potter, ou mesmo Hermione ou Ron. As pessoas querem, isso sim, ser como eles, o que significa estudar em Hogwarts, frequentar o salão comunal, ser parte da uma casa com a qual se identifica (e digo isso com a propriedade de um típico Corvino), andar pelos corredores, preparar uma bela poção e fazer uma pena flutuar.
Como um todo, o jogo é muito competente em somar um excelente trabalho audiovisual, algo que já era mais do que esperado considerando quem está à frente do projeto mas que nem por isso deixa de ser um grato deleite, com mecânicas que somam bem muitos dos recursos que já vimos uma infinidade de vezes com a lore do mundo bruxo. A história não chega a se propor como uma verdadeira subversão do esquema básico de uma aventura épica de fantasia, mas tem a sua cota de surpresas e serve bem como fio condutor da trama. Se as atividades secundárias não conseguem divergir do padrão do “busque isso para mim” ou do “encontre cinco dessas coisas aqui e me procure de novo” ou ainda do “fui roubado e não consigo recuperar minhas coisas sozinho”, elas são ótimas desculpas (esfarrapadas, mas ainda assim ótimas) para que aproveitemos esse mundo um pouco mais. Tudo isso já tornaria esse jogo um ótimo exemplar de seu gênero mesmo sem a marca que ele defende. Mas ele é mais do que isso.
Hogwarts Legacy, antes de mais nada, antes até de nos colocar no papel do grande escolhido, antes de dizer que precisarmos ser o herói do universo, se trata de viver o mundo bruxo como um dia já sonhamos. É andar pelos corredores e saber por onde passar para chegar à estufa das aulas de herbologia; é encontrar um fantasma andando pelos corredores e desejar um bom dia; é dar uma volta em Hogsmeade para tomar uma bela cerveja amantegada e, no caminho, arrumar uma confusão com uns bruxos das trevas pra soltar alguns feitiços. Antes de nos importarmos com a jornada de Harry Potter e sua cruzada contra aquele que não deve ser nomeado, nos encantamos, junto com ele, com aquele mundo escondido, e sem esse fascínio, não sobraria muita coisa com o que se importar.
O jogo, nesse aspecto, é tão eficiente em nos atrair como foi Harry Potter e A Pedra Filosofal tanto na literatura quanto nos cinemas, não por repeti-los em sua dinâmica, mas por buscar, à sua própria maneira, trazer o cenário para o primeiro plano, o “onde” para o lugar do “quem”. Se um dia, só um dia, nos imaginamos ter essas habilidades maravilhosas, poder voar nas costas de um hipogrifo ou soltar chamas da ponta de uma varinha de madeira, plantar uma mandrágora irritante ou aparatar de um lugar para o outro em um instante, Hogwarts Legacy consegue traduzir esses devaneios em uma experiência que é muito ousada em certa medida, mas bem singela por outro lado, o de nos levar a um lugar fantástico, a de fazer parte de uma fantasia que já estamos dispostos a gostar. Se certa vez alguém disse que afinal, aquilo que amamos sempre será parte de nós, aqui temos a chance de ser parte daquilo que amamos.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela WB Games.
Veredito
Hogwarts Legacy conta uma ótima história do mundo bruxo, somada a um belo trabalho audiovisual e a mecânicas sólidas e muito bem articuladas à “lore” deste universo. Sua maior qualidade está, porém, em fazer com que tudo isso contribua à experiência fantástica de imersão e pertencimento que todo fã sempre sonhou.
Hogwarts Legacy
Fabricante: Avalanche Software
Plataforma: PS4 / PS5
Gênero: RPG / Ação
Distribuidora: WB Games
Lançamento: 10/02/2023
Dublado: Sim
Legendado: Sim
Troféus: Sim (inclusive Platina)
Veredict
Hogwarts Legacy tells a great story of the wizarding world, with a beautiful audiovisual work and solid mechanics to the lore of this universe. Its greatest quality, however, lies in making all of this contribute to the fantastic experience of immersion and belonging that every fan has always dreamed of.