Heavy Rain é um jogo absolutamente singular. Singular pela dúvida que suscita ao jogador de se realmente trata-se de um jogo. Singular pela forma com a qual a história absorve você e mexe com seus sentimentos. Singular por um roteiro soberbo, típico de um verdadeiro drama/suspense. E singular porque você não vai conseguir desgrudar da cadeira enquanto não chegar ao final.
Produzido pela QuanticDream e dirigido por David Cage (de Indigo Prophecy e Omikron: Nomad Soul), Heavy Rain consegue em todos os sentidos entregar a experiência cinematográfica pretendida por seu criador. Este objetivo foi seguido tão à risca que, em certos momentos, fica até a dúvida de se realmente trata-se de um jogo ou de um filme interativo. Com mais de 170 horas de cenas filmadas para captura de movimentos, Heavy Rain apresenta uma história extremamente profunda e envolvente, completamente direcionada para o público adulto e que instantaneamente se transforma em um clássico para o PlayStation 3.
A trama se desenvolve nas situações vividas por quatro personagens centrais, tendo como plano de fundo uma série de assassinatos de crianças de cerca de 10 anos de idade. O assassino afoga suas vítimas e desova os cadáveres em áreas descampadas. Por deixar uma orquídea no peito e uma figura de origami nas mãos das vítimas, o assassino é denominado pela imprensa como "Origami Killer". O núcleo central de personagens é composto pelo detetive particular Scott Shelby, a jornalista Madison Paige, o agente do FBI Norman Jayden e o arquiteto Ethan Mars. Ethan é o principal dentre todos os personagens. O slogan do jogo, "até onde você iria para salvar alguém que você ama?", é claramente direcionado a este personagem.
É interessante notar que embora a figura do anti-herói exista claramente no jogo (o próprio Origami Killer), a presença de um herói principal não é tão clara. Além de nos envolvermos psicologicamente com todos os personagens – especialmente com Ethan Mars -, suas mazelas e defeitos não dão a impressão em nenhum momento de que sejam invencíveis ou dignos de grandes feitos. Shelby sofre de asma, Jayden é dependente químico, Paige sofre de insônia e Mars vive problemas com a família. Considerando-se esta característica somada a impossibilidade de salvar o jogo a qualquer momento, a sensação de que tomar uma decisão errada pode ser terrível está presente o tempo inteiro – principalmente ao sabermos que o jogo não possui um "game over" com a morte de algum personagem. Se isso vier a acontecer, o jogo continua, mas com todas as consequências desta situação; e para saber o que poderia ter acontecido com a tomada de outra decisão, você tera que jogar o jogo inteiro novamente. Existem alguns furos no roteiro (intencionalmente omitidos para evitar spoilers) que, embora não atrapalhem a experiência, poderiam ter sido tratados com mais cuidado.
Heavy Rain foi bastante criticado pela expectativa de que não passaria de uma série de Quick Time Events (QTEs). E a verdade é que o jogo é apenas um pouco mais do que isso: com o R2 você faz o personagem caminhar e com o analógico esquerdo, direcionar seus movimentos. Todo o resto é executado através de QTEs, utilizando os botões L e R, bem como os botões da face do controle e, também, o analógico direito. Este esquema se encaixa bem à proposta, pois os comandos servem na maior parte do tempo como ferramenta para a aferição de informações e de tomada de decisões. Jogadores mais acostumados à ação certamente sentirão falta de um pouco mais de controle sobre as situações, mas esta proposta de controle também pode ser considerada satisfatória a ponto de não prejudicar o jogo em momento algum.
Entretanto, alguns pontos negativos devem ser levantados. Algumas cenas de combate entre os personagens parecem desnecessárias e até cansativas. Existe uma infinidade de "pensamentos" que podem ser acessados pelo jogador (ao se manter o botão L2 pressionado, é possível verificar tudo o que personagem está pensando naquele momento) que em sua grande parte são desnecessários. As decisões do jogador têm influência no contexto da história, mas não tanto quanto dá a impressão em um primeiro momento. Apenas em alguns momentos chaves permitirão que suas decisões modifiquem o rumo da história. Alguns jogadores podem confundir isso com uma certa linearidade disfarçada, mas este não é o caso. O jogo não é linear, mas os caminhos da história são sempre decididos em momentos que funcionam como conectores da história. O mesmo pode se dizer dos QTEs: na maior parte das cenas de ação, os erros na execução de um comando têm pouquíssima influência em seu final, apenas comandos mais específicos farão a diferença no resultado da cena. Por exemplo, em uma cena de combate entre dois personagens, o jogador acerta todos os comandos exceto o último; e este último era, basicamente, um golpe de marreta que o personagem levou na cabeça, desmaiando e sendo jogado em um triturador de lixo, assim morrendo e alternado toda a história.
A dublagem, embora não seja a melhor de todos os tempos, é digna de destaque. A sincronia facial dos personagens é perfeita quando o áudio está em inglês, logicamente. Ao todo, são 10 idiomas disponíveis para a dublagem, dentre eles o português de Portugal, e 16 para as legendas. Sua trilha sonora é assinada por Normad Corbeil, compositor de alguns filmes e séries de TV. As músicas são absolutamente bem contextualizadas, ajudando ainda mais a já poderosa imersão proporcionada pelo jogo.
Raríssimas vezes vemos um jogo tão bem produzido e com uma experiência tão imersiva quanto Heavy Rain. Embora possua leves deslizes na execução da jogabilidade e talvez não ofereça um fator replay tão grande quanto os anúncios faziam esperar, ainda assim trata-se de um jogo (e de uma experiência em geral) excelente que todos os jogadores de PlayStation 3 deveriam experimentar. Se você tiver coragem de ir longe o suficiente para salvar alguém que ama, a recompensa será proporcional. E mesmo que você não tenha coragem, a recompensa será tão boa quanto.