God of War sempre foi impressionante em todas as suas edições. Os jogos no PS2 foram marcantes, todas as lutas em God of War III são inesquecíveis e até os de PSP merecem destaque. No entanto, com a chegada de Ascension em 2013 no PS3, ainda que fosse um bom título, era claro que a fórmula usada por quase 10 anos estava ficando muito desgastada. Não apenas isso, mas a mitologia grega estava saturada. Era hora de trazer mudanças ou deixar a série morrer de vez.
Em 2016, a Santa Monica Studio finalmente revelou para onde levaria Kratos: à mitologia nórdica e com um foco na narrativa, além do gameplay totalmente diferente. Outra grande mudança é a adição de seu filho, Atreus. Depois de anos de espera, o jogo está prestes a ser lançado. Valeu a pena a espera? Sem dúvida.
Como mencionado anteriormente, Kratos encontra-se na mitologia nórdica, mais precisamente em Midgard. Sem saber como Kratos chegou a essa terra, o jogador inicia a sua jornada sabendo de apenas uma coisa: a mãe de Atreus (e, consequentemente, companheira de Kratos) morreu e seu último desejo era ter suas cinzas espalhadas no pico mais alto. Com isso em mente, e com o objetivo de tornar Atreus mais valente e independente, Kratos e seu filho partem em uma jornada que os fará esbarrar em várias criaturas mitológicas, inclusive alguns deuses.
A história de God of War é muito boa e fará o jogador querer saber o que acontece em seguida, sempre. No entanto, não crie grandes expectativas. O arco proposto possui um começo, meio e fim, mas claramente a Santa Monica Studio deixou muita coisa em aberto para possíveis sequências. Não queremos e não vamos estragar a sua surpresa, por isso não entraremos em detalhes. Só fica a ressalva, pois gerar muita expectativa nesse ponto pode acabar estragando a sua experiência. Esqueça as inúmeras teorias que você fez nos últimos anos e deixe-se levar pela narrativa.
Ainda sobre a história, é preciso destacar o esquema de "tomada única". A proposta disso funciona e é interessante, mas possui algumas falhas. Para quem não entendeu ainda, God of War segue, do início ao fim, o que Kratos e Atreus estão vendo. Há cutscenes obviamente, assim como há momentos em que Kratos e Atreus não aparecem na tela, mas você sabe que estão por perto. Mas não há um corte para uma tela preta (ou tela de loading), por exemplo (exceto se você morrer), e muito menos um corte para mostrar o que está acontecendo em outra sala ou o que outro personagem está fazendo (distante de Kratos, no caso).
As falhas desse sistema ficam por conta dos flashbacks. Você se recorda como a história de Kratos era contada na trilogia original? A Gaia explicava por meio de cutscenes específicas e ficavam bem claras o que Kratos fez ou deixou de fazer. Agora, por causa dessa tomada única, momentos importantes ou reveladores se tornam menos impactantes, pois acontecem através das falas dos personagens e suas expressões (ou sentimentos) para a notícia que acabaram de receber. É algo inovador e que funciona quase sempre, sem dúvida, mas que em determinados momentos poderia ter sido evitado.
Mas a tecnologia que envolve essa tomada única é simplesmente incrível. Pensar que o jogo não possui loadings é surreal. Quando morre, o checkpoint carrega rapidamente (ao menos no PS4 Pro). No entanto, vale ressaltar que em certos pontos a queda do framerate é notável (no modo focado na resolução), principalmente quando você avança de uma área para outra. É raro acontecer e no combate isso jamais acontece, porém.
A tecnologia por trás de God of War não é apenas impressionante na tomada única, mas em todo o resto do pacote: nos gráficos incrivelmente belos (possivelmente os melhores que o PS4 já viu), nas físicas dos objetos (o machado de Kratos se comporta como você imagina) e Atreus passa a sensação de ser uma pessoa viva, acompanhando o jogador na viagem. Em pouquíssimos momentos ele faz coisas estranhas como estar embaixo do chão (mas ao dar um passo já ficava normal), então há chances de você ver bizarrices, mas serão muito raras ou inexistentes.
Mas vamos falar de Atreus. O filho de Kratos é um personagem importante para a narrativa porque é ele quem fala pelos cotovelos e desenvolve a história. Se dependesse de Kratos, a jornada só teria gritos e mortes. No início, até simpatizei com Atreus. Em contrapartida, em determinado momento da história tive vontade de espancá-lo, o que apenas reforça o que disse antes de ser quase uma pessoa viva. Mas essa raiva passou logo depois e voltei a simpatizar com o moleque.
Atreus funciona por conta própria. Você não precisa se preocupar em nada com ele, nem mesmo defendê-lo (se por acaso ele for capturado por um inimigo e você deixar que isso continue assim, ele pode ser nocauteado, mas basta se aproximar e acordá-lo – isso se você quiser). Se desejar controlar apenas Kratos e fingir que o garoto nem existe, é possível, mas não é recomendado. No combate, no início da história, Atreus no máximo tacará flechas sozinho ou ao seu comando (com o botão quadrado, com flechas que recarregam automaticamente). Mas conforme o jogo avança, Atreus ficará cada vez mais ativo e será uma peça fundamental para que o resultado no combate seja mais positivo.
Atreus atira suas flechas com o quadrado, o que torna todos os outros botões disponíveis para as ações de Kratos: L1 defende (pressione L1 no momento do ataque e você poderá realizar um parry), L2 segura o machado em posição de arremesso, R1 é ataque fraco e R2 é ataque forte. No caso do L2, pressionando R2 faz o machado ir ao inimigo de maneira forte e lenta, enquanto que com R1 fraca e rápida. Triângulo chama o machado de volta, independente de onde ele esteja, enquanto que X é um desvio para a direção que você segurar. L3 e R3 ativam a Spartan Rage (Fúria de Esparta) como nos velhos tempos, deixando Kratos invulnerável e violento quando estiver com a barra cheia para isso.
Sem o machado em mãos, Kratos pode atacar com seus punhos e pés. Esses golpes causam dano (menos que o machado), mas causam principalmente dano de atordoamento. Quando essa barra do inimigo fica cheia, você pode finalizá-lo pressionando R3. Por fim, bola é um botão universal para interagir com o ambiente, como abrir portas, baús e inclusive pular por cima de fendas ou obstáculos. Todos esses botões podem ter suas posições trocadas nas opções do jogo, caso não goste do que mencionamos (inclusive usar botões normais para os ataques, de forma mais parecida com os jogos anteriores).
O combate, de uma maneira geral, é extremamente agradável e viciante. Passa uma sensação de algo novo de forma absurda. Porém, há um pequeno problema que demora para se acostumar: ao arremessar o machado, o que você espera que aconteça? Que ele siga o caminho para onde foi arremessado, independente de você ter olhado para outro lugar, ou que ele vá para o lugar que esteja olhando? Em uma situação normal (afinal, o machado já saiu de suas mãos), ele deveria seguir para o lugar mirado em primeiro lugar. Mas não é isso o que acontece: ele segue para a direção que você está mirando depois. Então é muito comum você mirar, arremessar e decidir olhar para outro lugar, e acabar errando o alvo porque o machado foi para esse outro lugar. Você acaba se acostumando com essa mecânica, mas que é algo estranho, isso é.
Além desse problema da mira, há a repetitividade dos inimigos. Talvez eu esteja reclamando de boca cheia, porque o combate é viciante, mas você notará que a variação não é muita. Os Trolls, que funcionam como uma espécie de sub-chefe, foram reaproveitados de forma até demasiada. Ou seja, não é que não exista variação – há uma quantidade significativa de inimigos e até variações dentro da categorias deles (há diferentes tipos de Trolls, por exemplo). Mas a sensação de "de novo esse inimigo?" permanece. Não se engane: como o combate é viciante, é possível que você ignore isso.
E é claro, God of War sempre foi marcado por ter batalhas inesquecíveis contra chefes. Há, pelo menos, três lutas imperdíveis neste jogo. Porém, não espere uma quantidade de batalhas épicas como tivemos em God of War III, por motivos óbvios.
Uma forma de ataque que não mencionei ainda, no entanto, são os chamados ataques rúnicos. Ao longo de sua jornada, você encontrará diferentes formas de ataques rúnicos que podem ser equipados em seu machado. Segurar L1 e pressionar R1 ou R2 ativa os ataques rúnicos fortes (R2) ou fracos (R1), sendo que precisam ser recarregados (basta esperar) para serem usados novamente. Ou seja, você pode ter uma gama de ataques rúnicos que fazem coisas diferentes, mas só pode equipar dois deles por vez. Esses ataques podem ter suas funções vistas facilmente no menu do jogo (há uma animação que ilustra o que ele faz), assim como mostra ao jogador se ele é mais eficaz no dano ou em outra característica.
Os ataques rúnicos são apenas uma das inúmeras formas de personalização de Kratos. Até você se acostumar com tudo que o jogo oferece (inclusive os comandos mencionados acima) levará algum tempo, mas o menu possui tantas opções e sub-menus que você pode até se perder. Mas uma boa notícia: isso tudo pode ser ignorado. Sem dúvida tornará o combate mais difícil, mas se você não tem paciência, pode ignorar sempre que puder essa parte.
Mas se você é do tipo que gosta disso, se sentirá em casa. Primeiramente, há o menu de armas, onde podemos melhorar o machado e o arco de Atreus, por exemplo. O machado é evoluído usando um item específico que normalmente os chefes fornecem. Ao evoluir, mais habilidades se tornam disponíveis em uma skill tree (além das mencionadas acima), que podem ser obtidas gastando XP. XP nesse jogo funciona dessa forma: como uma moeda para destravar habilidades. Há um nível para as armas através do uso dos itens que mencionei, mas você não evolui de nível com XP. O XP é exclusivamente usado para as habilidades. Mas, obviamente, a forma de ganhar XP é como você imagina: vencendo inimigos, completando quests e outras ações similares.
Ainda sobre as armas, você pode equipar itens que melhoram determinados atributos (e pioram outros). Esse valor é afetado de forma geral em Kratos, e não apenas na arma. Portanto, você sempre saberá uma média dos atributos de Kratos olhando a tabela que fica no canto direito da tela. Já o arco de Atreus recebe melhorias ao longo da jornada (como flechas especiais), assim como também destrava habilidades em sua skill tree própria. Além do machado de Kratos e o arco de Atreus, há skill tree para o escudo também, por exemplo. São diversas possibilidades de evolução e habilidades.
Depois das armas (e das habilidades, que já explicamos), há as armaduras. Kratos pode equipar três categorias distintas: peitoral, punho e cintura. Atreus também pode receber uma armadura geral. Além do visual do personagem, cada armadura oferece melhorias e pioras em determinados atributos, portanto dependerá em que o jogador quer investir (e se quer ver o Kratos vestido daquela forma também, pois certas armaduras são muito feias).
Cada parte de armadura pode receber itens acoplados que oferecem ainda mais melhorias ao personagem (aqui é o sub-menu mencionado anteriormente). Além das armaduras, você ainda pode usar itens que alteram as características, como talismãs. Há ainda também itens que possibilitam Atreus ressuscitar Kratos ou que dê ações para Atreus (no caso dos itens já mencionados), como encontrar vida aleatoriamente para Kratos (à la Elizabeth de BioShock Infinite).
Esses upgrades todos mencionados podem ser feitos com os anões Sindri e Brok. Eles ajudam Kratos em sua jornada em troca de recursos e da moeda in-game, chamada Hacksilver.
Isso nos leva aos colecionáveis: Kratos encontrará vários baús em sua jornada, que oferecem todos os tipos de itens necessários para tudo que foi mencionado anteriormente. E sim, ainda há itens que aumentam a sua vida máxima e a barra de fúria, assim como itens que exploram o "lore" do game (histórias dos reinos nórdicos).
Esse sistema todo, apesar de confuso à primeira vista, dá um ar de RPG a God of War que é bem-vindo. Jogadores que buscam a simplicidade dos títulos anteriores talvez fiquem desapontados, mas como dito, é possível relevar tudo isso em troca de uma dificuldade maior.
Em relação à exploração ainda, vale citar que God of War possui um mundo semi-aberto, digamos assim. No início, você seguirá mais ou menos um caminho linear. Quando chegar a um determinado ponto do jogo que permite a viagem entre reinos, perceberá que se trata de um hub e várias áreas conectadas a essa região. Dito isso, mesmo depois de terminar o jogo, você ainda poderá explorar livremente praticamente todas as áreas que percorreu. Não só isso: após terminar o game, ainda haverá desafios e objetivos opcionais para quem quer buscar os 100%.
A questão da exploração também existe durante o jogo (e não apenas no fim), existindo inclusive coisas como side-quests e tarefas. É opção sua continuar a história ou parar e explorar o que deseja. E sim, é usado um barco para se locomover em determinados momentos, mas ao contrário do que se pensava, ele não é tão predominante e serve de vez em quando como mecânica da narrativa para que a história se desenvolva.
Para quem busca dificuldade, porém, recomendaria começar no normal. É uma experiência ainda desafiadora, mas que possibilita entender todas as mecânicas sem se irritar. Tenho certeza que a questão da mira do machado dita anteriormente poderá zangar os jogadores que decidirem partir para o difícil logo de cara.
Se você busca jogar God of War ignorando praticamente todos os objetivos opcionais, sua jornada levará em torno de 15 a 20 horas, algo consideravelmente grande para a série. Se buscar os 100%, as 40 horas prometidas pelos desenvolvedores se tornarão realidade.
Por fim, vale destacar a excelente dublagem em português do Brasil. Apesar de recomendar jogar em inglês devido a todo o trabalho feito por Christopher Judge (Kratos) e Sunny Suljic (Atreus), não só nas vozes mas também na captura de movimentos durante as cutscenes, quem decidir jogar em português terá uma experiência tão boa quanto.
God of War pode ter algumas pequenas falhas (uma expectativa que talvez não seja atentida para a história, a mira "móvel" do machado e a repetição de inimigos), mas é, sem dúvida, um dos melhores jogos de PlayStation 4. Todos os outros pontos do game merecem aplausos, principalmente o combate funcional e viciante, a narrativa e toda a tecnologia por trás do título (sejam os gráficos, a I.A. de Atreus ou a tomada única).
Jogo analisado no PS4 Pro com cópia digital fornecida pela Sony do Brasil.
Veredito
A série God of War precisava ser reinventada e a equipe da Santa Monica Studio realizou isso com maestria. A mudança de perspectiva, os gráficos fantásticos, o novo capítulo da história que se inicia e, principalmente, o combate viciante mostram que God of War é, facilmente, um dos melhores jogos de PS4.
Veredict
The God of War series needed to be reinvented and the Santa Monica Studio team did it masterfully. The change of perspective, the fantastic graphics, the new chapter of the story and especially the addictive combat show that God of War is easily one of the best PS4 games.