O colecionismo é, muito provavelmente, uma das maiores e mais intermináveis fontes de receita do universo do entretenimento há décadas, com grande notoriedade desde que um tal de George Lucas montou um contrato, subestimado à época, com os financiadores de Star Wars onde ele ficaria com o lucro da venda de bonequinhos De lá pra cá, a indústria da cultura pop aprendeu e se desenha também para faturar com isso. Não raro, surgem produtos nas mais diversas mídias dedicados especialmente a valorizar coleções de brinquedos, como é o caso famoso de He-Man e os Mestres do Universo, que não por acaso, é uma das marcas presentes em Funko Fusion, jogo que age em estágio de retroalimentação, licenciando uma dinastia de produtos licenciados para valorizar seus licenciamentos.
Muito provavelmente, você que me lê agora pode ter um, dois, dezenas desses bonecos cabeçudos na sua estante, na sua mesa, olhando para você agora mesmo enquanto está degustando esta análise. Se a ideia de criar produtos temáticos estilizados não é uma novidade, os tais Funko Pop elevaram o conceito à sua máxima potência, e praticamente toda IP de relativa relevância tem suas versões destes bonecos. Não é coincidência que, como alguém que se rendeu há tempos para o apelo destes brinquedos simples e caros, o anúncio do jogo baseado em seus universos me pareceu algo natural e, sinceramente, me fez questionar porque demorou tanto para terem essa ideia, considerando o sucesso há décadas de jogos LEGO com mais ou mesmo o mesmo princípio.
Como um pacote que promete fundir uma série de coleções temáticas, Funko Fusion parecia uma verdadeira caixa de areia com possibilidades absolutamente infinitas para os seus criadores, algo que acabou não se concretizando na prática (ou se efetivando parcialmente) muito provavelmente porque se já deve ser bastante custoso trabalhar com uma marca, imagina com várias. Logo de início, portanto, é importante destacar que o jogo está distante, muito distante de dar vida às coleções mais interessantes já lançadas aqui no mundo físico, e muito do que está no jogo pode ser surpreendente mesmo para os fãs mais fervorosos tanto dos colecionáveis quanto das principais franquias do mundo do entretenimento.
Se Jurassic World – e fica o destaque que o game dedica este recorte, inicialmente, aos novos filmes, não aos mais antigos da geração Steven Spielberg – é uma das mais óbvias presenças, outras parecem ser ideias ótimas com mundos interessantes a serem explorados, como o já citado He-Man, além de Scott Pilgrim contra o Mundo. Eu seria suspeito em não admitir que Battlestar Galactica, uma das minhas séries favoritas da vida, não foi uma gratíssima surpresa; e que Umbrella Academy é uma bela solução para quem já está saturado com os mesmos personagens da Marvel e da DC em jogos como os do LEGO. Por outro lado, coisas obscuras ou muito nichadas como The Thing (ou O Enigma de Outro Mundo, como é conhecido no Brasil) e Hot Fuzz (mais famoso por aqui como Chumbo Grosso) me parecem aleatórios demais, mesmo sendo clássicos cult do cinema, para estar na linha de frente neste lançamento.
Há mais citações, participações especiais e expectativas para que outras marcas famosas, como De Volta para o Futuro ou a já disponível (via DLC The Walking Dead) estejam povoando melhor esse confronto de mundos, mas de partida, o pacote inicial é confuso, falho e pouco empolgante para a grande maioria das pessoas que não seja tão eclética assim para botar a Ramona Flowers investigando crimes ou Nicholas Angels atravessando portais em Eternia. Dito isso, toda a estruturação do game é propositalmente construída sobre bases sólidas para receber não só aquilo que foi prometido na campanha de divulgação (e algumas até já apresentadas em trailers) marcas da NBCUniversal como Chucky, Five Nights at Freddy’s, Invincible, Jaws, Knight Rider, M3GAN, The Mummy e Shaun of the Dead, como basicamente quaisquer outras que os desenvolvedores quiserem e conseguirem licenciar. Os planos a médio e longo prazo ainda são pouco conhecidos de nós, pobres mortais, mas são extraordinariamente promissores.
Para rechear esta atual estante digital de personagens, o jogo conta uma história onde é necessário assumirmos uma das várias formas – inicialmente, quatro para cada franquia – para ajudar a recuperar as coroas que ajudarão a salvar um moribundo Freddy, líder dos Funkos, depois da corrupção resultante da invasão por um estranho vilão contaminado à base da fábrica desses bonecos. As tais coroas foram espalhados pelos sete reinos, por assim dizer, e somente seus protagonistas serão capazes de as recuperar antes que o vilão as alcance primeiro e conclua seus planos malignos de dominação deste multiverso inesperado. É nesse ponto que somos levados a reviver versões alteradas das histórias e tramas que já vimos antes na TV ou nos cinemas, com todo o estilo cabeçudo de ser.
A coleta de uma quantidade determinada de coroas nos dá a possibilidade de abrir novos mundos, e não é necessário passar por todos os níveis de um para iniciar a jornada em outro, à nossa escolha. Cada fase tem sua meta bem estabelecida, mas finalizá-la é só o começo da aventura, porque muitos dos recursos colecionáveis, incluindo as famigeradas coroas, são acessíveis só depois de se liberar certas habilidades especiais de outros personagens e, portanto, revisitar fases já vencidas será uma dinâmica comum para aumentar e qualificar o fator de replay. A comparação com os jogos LEGO é, mais uma vez, inevitável, porque é um modelo bastante similar de se explorar tudo por uma nova perspectiva atrás de itens escondidos, novas melhorias e todas as coisinhas possíveis.
Se todos esses personagens são tão diferentes em si, o game consegue, entretanto, lhes dar um padrão base de gameplay. Como um jogo de ação e aventura tridimensional padrão, o sistema de combate segue a fórmula do tiro em terceira pessoa (que pode ser com armas tranquilizantes para Owen, ou ondas sonoras para Scott, ou ainda pistola laser para o Príncipe Adam) e uma arma de ataque corpo-a-corpo, como um machado para Claire. Ou seja, de início, todos podem executar exatamente os mesmos tipos de movimento de combate, alterando-se detalhes como frequência de tiro e combos básicos melee, mas sem muitos sobresaltos. Restam às especificidades de cada um a solução de enigmas ou a abertura de caminhos, como por exemplo, só He-Man pode quebrar alguns objetos em sua forma final, ou só Scott e seus colegas de banda podem usar um amplificador para quebrar vidraças, ou ainda Allison usando de ser poder para controlar mentes fracas.
A concepção de cada sub-campanha está, aliás, bastante ligada a essas peculiaridades, e nem sempre de uma forma óbvia. Afinal, quando você escolhe descer a porrada nos aliados do Esqueleto, pouco imagina que na verdade deverá equilibrar bem esse combate a um sistema de uso de portais de teletransporte, nem que vai logo a princípio ter que derrubar cinco dilofossauros rebeldes para controlar o caos no Parque dos Dinossauros cheio de turistas. Se não são exatamente formas convencionais de se aproveitar o que se espera do mundo, são ao menos liberdades criativas que fogem do compromisso de precisar repetir exatamente os eventos que já vimos em outra mídia, ou pelo menos não da mesma forma como foi feito lá. Funko Fusion não é, definitivamente, a versão de plástico das mesmas histórias, mas uma narrativa nova que se ambienta naqueles universos.
O maior problema disso está na necessidade de fazer com que tudo funcione de forma coerente, criando a necessidade de se eliminar algumas das melhores qualidades específicas. Os inimigos que enfrentamos, sejam eles Cilônios, ninjas, capangas do Aquático ou velociraptores, são basicamente os mesmos dois ou três arquétipos daquele que atira e daquele que corre na sua direção para o ataque na força bruta. Pode até ter um que flutua, pode ter outro que pega fogo ou fulano que esquiva, mas são os mesmos minions com skins diferentes, incluindo os que surgem nas lutas contra chefes, os quais também são atingidos pela profusão quase exaustiva de padrões. Em certa ocasião enfrentando um dos ex-namorados da Ramona, a mesmíssima rotina para se atravessar a fase é reiterada duas vezes na batalha final, em uma clara demonstração de falta de repertório da produção. Inimigos e situações semelhantes resultam em um combate extremamente repetitivo.
A sensação de que o jogo se torna um grande mais-do-mesmo muito rapidamente se dá também por um modelo de combate bastante comum e pouco responsivo onde ou se atira até o adversário cair, ou se sai dando espadadas para controlar multidões, ou em alguns casos a combinação obrigatória das duas coisas. Na grande maioria do tempo, será necessário sair derrubando a cabeça de uma infinidade de inimigos enquanto eles tentam nos atrapalhar a fazer algo, como ligar um interruptor ou abrir uma porta no limite de tempo. Em algumas passagens, o respawn é infinito, o que acaba incomodando por não se permitir tempo para se aproveitar o momento, olhar o lugar, pensar no próximo passo. Isso não seria um problema se Funko Fusion não fosse, em teoria, um jogo de celebração e contemplação dessas figuras.
Dentro de baús ou nas máquinas de venda, há ainda uma série de apetrechos a serem desbloqueados, alguns mais corriqueiros, outros que são inicialmente dedicados a superar algumas fases para depois servirem para melhorar a exploração e o combate, como a torreta automática e a mola para pular mais alto, por exemplo. Há consumíveis para recuperação de HP e melhorias de capacidades, todos em garrafas pet devidamente recicláveis; e algumas armas especiais com munição limitada, além de granadas e outras coisinhas de estrago em área. Tudo isso ocupa o mesmo inventário de acesso rápido no canto inferior esquerdo, e vale o esforço de saber bem como utilizá-los principalmente nos momentos mais confusos e nas batalhas contra chefões. Somados a um bom sistema de salto e de esquiva, complementam uma jogabilidade que não é inovadora, mas funciona relativamente bem.
Por outro lado, há uma boa diversidade dentre as ambientações disponíveis, com várias fases em arenas abertas com algumas portas periféricas, outras seções mais lineares de progresso em corredores, e algumas em cenários cheios de caminhos e acessos alternativos. Explorar cada cantinho e achar formas de coletar os colecionáveis secundários é das tarefas mais divertidas do jogo, mas não sem que isso transpareça uma das mais tristes concepções paradoxais dele: você coleta itens de personagens, coroas para progressão, pedaços de vinil como se fossem moedas ou anéis, mas no final das contas, onde estão os próprios bonecos Funko? Vai demorar muito até que comecemos a liberar novos personagens, e antes temos a possibilidade de comprar, no HUB, algumas variações dos já presentes, a grande maioria bem frustrante, sendo versões monocromáticas ou em preto-e-branco deles.
Não que visualmente não sejam variantes atraentes, mas confesso que ter dezenas, quiça centenas de personagens desbloqueáveis o tempo todo em outros jogos do gênero me deixou mal acostumado, esperando que a cada uma ou duas horas eu tivesse mais personagens da mesma franquia para alternar, mesmo aqueles que ninguém nunca ouviu falar. A essência de se ter um Funko não é o boneco unitário em si, mas a grande miscelânea de todos eles na estante, e isso não está presente no jogo em momento algum, o que só fica mais evidente que muitas das escolhas de franquias presentes resultam na disponibilidade de personagens pouco reconhecíveis visualmente, mesmo com os esforços visuais do jogo em tornar cada modelo algo tátil, com a textura emborrachada do vinil. Em um jogo de bonecos colecionáveis, o que menos temos são formas de colecionar bonecos. Anticlimático, para dizer o mínimo.
Esse apuro técnico audiovisual, aliás, é um dos maiores êxitos da produção, que consegue transportar para as telas toda a percepção estética desses brinquedos de estante, explorando muitas vezes o fato de serem, de fato, bonequinhos animados. Aliás, sem vozes, todo o humor presente na obra é muito similar os tempos remotos dos jogos LEGO, pautados pela comédia física e pelas situações bobas e embaraçosas, mas a violência, mesmo estilizada ara uma forma mais leve, é destoante e nem sempre indicada para as crianças que se encantariam com esse tipo de proposta. Por sua vez, o timing das piadocas é geralmente bom, mesmo não sendo exatamente direcionado para adultos, o que torna a escolha de marcas como The Thing ainda mais esquisitas, então tenha em mente que muito do humor que povoa a campanha e as cenas de corte são acenos para o pastelão que, sem o uso da fala, depende da boa vontade do jogador.
Cenários são, por sua vez, coloridos e muitos deles deslumbrantes. Há alguns menos vistosos, e há aqui a ali bugs de colisão, e eu fiquei dentro do chão duas vezes sendo obrigado a reiniciar o nível. O problema mais irritante desse tipo foi quando um NPC que eu estava escoltando, um querido Velociraptor, simplesmente fechou a única porta e me trancou em uma salinha pequena sem chances de me deixar sair de lá, também fazendo com que perdesse um bom tempo de progresso. Coisas assim são simples de se resolver em atualizações e não devem ser um problema por muito tempo, mas as questões de inteligência artificial inclusive de alguns companheiros pontuais ou de inimigos é um pouco mais preocupante e precisa de atenção.
A interface de usuário é igualmente desequilibrada. Com objetivos muitas vezes difíceis de se compreender pelo contexto, é comum ficarmos perdidos tentando entender o que o jogo quer que façamos. A maioria das dicas estão presentes em caixas de ajuda com balões didaticamente explicativos, mas ainda assim, quando sabemos o que deve ser feito, é irritantemente frequente ficarmos perdidos em descobrir “como” fazer, um problema chato de comunicação e principalmente condução. O jogo falha em guiar o jogador para as formas como ele pode explorar melhor seus recursos, o que muitas vezes é ótimo por permitir que busquemos soluções criativas, mas isso só funciona quando já temos ideia do que é possível fazer. Dizer que você precisa falar com o cara dentro de uma van é irritante de tão óbvio, quando ainda não fomos introduzidos à mecânica que vai fazer com que isso aconteça.
No geral, Funko Fusion é muito mais um conceito promissor do que um produto interessante por si. A proposta de unir uma coleção de universos e, consequentemente, de personagens, é sempre muito bem-vindo, principalmente quando a produção compreende quem é o seu público e qual é a potência do produto. Funko não é por si, e diferentemente de LEGO, que é uma experiência que se valoriza, mas não depende das marcas licenciadas de conteúdos temáticos, ele precisa buscar no sentimento do colecionismo suas potencialidades latentes, e de início, o jogo não consegue explorar isso. Sobram mecânicas genéricas e pouco imaginativas de combate; um sistema de exploração básico, porém coeso; e a soma entre a estética e o humor mais bobo, que funciona, mas só como uma coleção de referências e eater eggs para os já iniciados.
Com missões pouco inventivas, situações enfadonhas e pouco encantamento pelo que Funko tem de melhor, o que sobra é um jogo bonito e bem feito visualmente, com boas referências e um tom infantilizado que faz falta na atual geração, mas parece pouco por tudo o que seria imaginável mesmo com essa quantidade limitada de personagens. Falta liberdade e falta ousadia em nos deixar brincar de verdade com o que o jogo cria. Se uma caixa de som pode quebrar vidraças, porque não todas? Porque só aquela específica? Se um trampolim pode me fazer alcançar lugares altos, porque não conseguir saltar por uma coluna de chamas ou de portões claramente mais baixos, usando de paredes invisíveis? Se posso quebrar paredes e blocos de concreto com uma espada especial, porque estar limitado a somente pilhas pontuais que estão brilhando no meio do cenário?
Funko Fusion talvez seja coerente em nos fazer passar aquilo que outros passam conosco. Quando aquele seu sobrinho vai na sua casa e pede pra brincar com os bonecos na estante e você diz que eles não são para brincar, a sensação deve ser a mesma: eu te deixo olhar, apreciar, até tocar, mas não pode brincar de verdade para não estragar. Além do mais, sozinho, porque não tem a possibilidade de brincar com um amigo. O jogo é a mesma coisa ao nos dar nas mãos um universo single player (por enquanto) fascinante para nos divertir, mas o tempo todo está no dizendo “desse jeito não, só brinca do jeito que eu te falei que pode”. Se o seu sobrinho logo deixa sua action figure de lado dizendo que do “jeito certo” é chato, é um risco nos sentirmos exatamente da mesma forma com este game depois de algumas missões dando os mesmos sopapos inicialmente promissores.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela 10:10 Games.
Veredito
Mesmo com a frustração pela quase ausência de um óbvio elemento de colecionismo, Funko Fusion, em essência, é um jogo mediano tanto em suas mecânicas de combate quanto de exploração, embora possa oferecer algumas boas passagens aventurescas. Seu maior problema é uma certa crise de identidade, com escolhas questionáveis de franquias dialogando pouco entre si e complicando o estabelecimento de um tom coeso para este projeto cheio de potencial.
Funko Fusion
Fabricante: 10:10 Games Limited
Plataforma: PS4 / PS5
Gênero: Ação / Aventura
Distribuidora: 10:10 Games Limited
Lançamento: 13/09/2024
Dublado: Não
Legendado: Sim
Troféus: Sim (inclusive Platina)
Veredict
Even with the frustration of the near absence of an obvious collecting element, Funko Fusion is essentially an average game in terms of both its combat and exploration mechanics, although it does offer some good adventurous passages. Its biggest problem is a certain identity crisis, with questionable choices of franchises having little to do with each other and complicating the establishment of a cohesive tone for this project full of potential.