Preservar a história é uma parte fundamental do futuro dos videogames e algo que a indústria como um todo tem sido inconstante sobre o seu sucesso. Afinal, ao longo de décadas e mais décadas de jogos lançados, vários títulos importantes foram sendo perdidos pela incapacidade de todos os envolvidos em garantir que gerações futuras tenham acesso a eles.
Nesse ponto, a Square Enix vem sendo uma das empresas mais dignas de parabéns dado o esforço ao longo dos últimos em relançar e disponibilizar em diversas plataformas vários dos seus títulos mais antigos, independente da sua importância, seja através de diferentes remakes ou coletâneas de remasterizações.
Dito isso, após uma certa demora, finalmente chega ao PlayStation 4 alguns dos mais importantes, influentes e memoráveis títulos de toda a história da desenvolvedora e, como bem é conhecida a história, os títulos que a salvaram da falência e elevaram ao status de uma das mais famosos e bem-sucedidos ícones de toda a indústria: os seis primeiros jogos da franquia Final Fantasy.
Esse problema agora parece resolvido com o lançamento de Final Fantasy I até Final Fantasy VI para o PlayStation 4, todos agora sob o subtítulo Final Fantasy Pixel Remaster, vendidos tanto separadamente quanto em um bundle com todos os seis jogos. Esses ports são versões melhoradas das remasterizações lançadas em 2021 para PC e mobile sob esse mesmo nome, contando com algumas importantes novidades.
O uso da palavra “pixel” nos nomes é uma parte importante. Afinal, em se tratando de jogos lançados originalmente entre 1987 e 1994, praticamente todos eles receberam diferentes versões ao longo dos anos. É importante frisar então que essas versões para PS4 se trata realmente de remasterizações dos originais e não das diferentes versões lançadas para Game Boy Advance, PSP, mobile e PC ao longo dos anos.
Consequentemente, todo o conteúdo que foi sendo adicionado ao longo das décadas em que a Square Enix foi retocando esses jogos está ausente aqui, a exemplo das dungeons adicionadas em FF 1-2: Dawn of Souls, as cenas em FMV de Final Fantasy Origins, os espers e classes adicionados em Final Fantasy V Advance e FF VI Advance ou, menos ainda, qualquer menção dos gráficos em 3D dos remakes de DS de FFIII e FFIV. Felizmente, isso também significa que não há qualquer sinal de Final Fantasy IV: The After Years.
Toda a questão de Final Fantasy Pixel Remaster é trazer para uma nova geração de jogadores esses clássicos atemporais o mais próximo possível das suas versões originais, meramente tendo seus gráficos pixelados retocados e alguns outros ajustes e melhorias de qualidade de vida sendo incluídos para torná-lo mais palatável para sensibilidades modernas.
Nisso, o lançamento quase dois anos depois para consoles acaba sendo muito bem-vindo. Algumas críticas feitas às versões de PC foram ajustadas, como o tamanho das fontes e o enquadramento do texto nas caixas. Tudo isso foi corrigido, com o jogo agora sendo esteticamente exatamente como ele precisa ser. Ele pode não se aproximar do visual visto nos recentes títulos 2D-HD da Square Enix, mas em se tratando de remasterizações de jogos de NES/SNES, a qualidade gráfica aqui brilha (e o filtro de TVs antigas também traz um charme).
Dito isso, talvez a melhor e mais útil novidade dessas remasterizações são a possibilidade de ajustar a sua experiência com o jogo de forma bem literal. Bebendo um pouco de outros jogos da Square Enix, não só é possível acelerar (literalmente) a sua movimentação e ritmo do combate (ou até mesmo automatizá-lo), como também é possível ajustar o seu ganho de experiência e Gil nos jogos, podendo reduzi-la para 0,5x ou aumentar para 2x ou 4x.
É uma adaptação muito útil para jogadores modernos que não tem mais a mesma disponibilidade de tempo para passar horas e horas grindando experiência e dinheiro para conseguir avançar no jogo. Usar esses boosts basicamente reduz pela metade o tempo que seria necessário em cada um dos jogos para explorá-los a completude e, apesar de tornar as experiências mais fáceis por você estar constantemente mais forte que os inimigos, é bem-vinda para quem só quer viver ou reviver essas histórias sem se preocupar em matar certos monstros dezenas de vezes para chegar ao nível necessário para a próxima batalha com chefe. E, bem, ainda é possível jogar a versão padrão do jogo ou até mesmo torná-lo mais difícil.
Esses boosts são especialmente bem-vindos se você está buscando a platina, visto que a lista de troféus te exigirá realmente fazer tudo que os jogos tem a oferecer. Nesse sentido, ainda existem outras pequenas melhorias de qualidade de vida muito úteis, como a adição de um bestiário que te permite rastrear quais inimigos já foram vencidos e um contador de baús nos mapas, outro ponto que exigirá sua atenção dadas as várias áreas de visitação única que os jogos possuem.
Cabe mencionar ainda que dois detalhes tornam a experiência ainda melhor aproveitável: a trilha sonora orquestrada e a adição de legendas em PT-BR aos jogos. O primeiro ponto nem é preciso dizer muito. Se as músicas já estão entre algumas das melhores de todos os tempos em chiptune, suas versões orquestradas aqui brilham gigantescamente. Já as legendas em PT-BR, bom, nada melhor do que poder jogar com uma boa adaptação, já que é perceptível que houve um cuidado em não só traduzir direto o texto, alguns dos melhores RPGs de todos os tempos
Jogar esses RPGs talvez seja exatamente o ponto mais importante dessa coletânea. Pode parecer até besta falar um pouco sobre cada um dos jogos, afinal, todos os seis ocupam espaços lendários no panteão dos videogames dada a importância e impacto que tiveram em moldar um dos principais gêneros deles, mas há algo de muito especial em jogar todos os seus em sucessão.
A primeira delas é que, se você conseguir se colocar no contexto da época do lançamento desses jogos, mesmo com suas limitações, Final Fantasy I e Final Fantasy II ainda são jogos extremamente impressionantes. Embora a falta de narrativa mais elaborada ou de direcionamentos mais claros possa parecer um problema para jogadores modernos, em>FFI, quando visto sobre a ótica de um jogo de 1987 no NES ainda é um excelente jogo.
O mesmo se aplica a FFII e, de certa forma, à FFIII, visto que os três jogos lançados para NES receberam um belo tratamento nesta remasterização. Embora siga sendo visto como o “filho bastardo” da franquia, não é à toa que não só vários dos elementos ali criados seguem sendo tradições da franquia, como a primeira aparição dos Chocobos, e mesmo com sua história ainda um tanto quanto rasa, dá um passo importante na direção que mais marcaria a franquia. E talvez vista hoje seja mais fácil dar valor a toda a sua experimentalidade e elementos que viriam a ser melhor explorados por Akitoshi Kawazu na série SaGa.
Talvez o mais curioso de todos e o que menos realmente me pegou foi Final Fantasy III. Talvez pelas já claras limitações do NES em relação à ambição da equipe, é um jogo que vale a pena a dedicação do jogador por ser perceptível os ajustes que vários dos elementos introduzidos em FFI sofreram, como o próprio sistema de classes, além de novidades como os Summons. Mas ainda é uma sensação mais de ser um tanto quanto embrionário das ideias posteriormente exploradas nos jogos de SNES.
Falando neles, apesar do carinho que a coletânea me fez perceber que tenho pelos jogos de SNES, a principal sensação deixada na verdade é de que, apesar de toda a evolução e crescimento de Final Fantasy ao longo das décadas, os três jogos lançados para o console de 16-bits da Nintendo seguem sendo três obras-primas raramente igualadas e menos ainda superadas.
O pulo dado em Final Fantasy IV beira o absurdo e é fácil entender porque, quando forçada a decidir, a Square Enix optou por pular direto para ele e lançá-lo no Ocidente como se fosse o segundo jogo da franquia. A dramática história de Cecil e Kain é uma das mais marcantes e impactantes em toda a história dos videogames e envelheceu tão bem quanto vinho e todas as evoluções técnicas, como a introdução do Active Time Battle (ATB) que definiria a franquia por vários jogos, ainda são especiais vistas hoje.
Nesse contexto, é interessante rejogar Final Fantasy V dado o claro passo para trás que o jogo é. E, com isso, também é fácil apreciá-lo com maior carinho. Embora menos grandioso e dramático do que seu antecessor, sendo quase uma evocação dos plots dos jogos NES, ele o faz tão bem e com personagens tão únicos que faz a experiência valer a pena. A liberdade que é dada ao jogador para explorar o melhor elaborado sistema de classes é sua parte mais especial, mas não a única que merece destaque.
E, bem, não tem como terminar sem falar daquele que talvez seja o melhor RPG de todos os tempos e, por tabela, o melhor Final Fantasy de todos os tempos. Mesmo 29 anos após seu lançamento, Final Fantasy VI ainda precisa ser jogado para se acreditar em como ele faz tudo com tanta perfeição. Todos seus elementos funcionam e a forma como ele brinca e subverte com tudo que os anteriores vinham estabelecendo. É fácil entender porque foi necessário seguir numa direção distinta depois do seu lançamento, visto o quão impossível seria tentar fazer algo assim novamente depois de estabelecer o que é e como se joga um título perfeito.
Mas não é só pelas claras evoluções nas histórias e na forma de contar essas narrativas que é tão bem-vindo jogar todos os seis títulos da coletânea. São todos extremamente impactantes, mas é uma clara viagem pela história dos RPGs e uma construção dos elementos que por tanto tempo se consolidaram como a base para aquilo que entendemos como JRPGs em tempos modernos.
Enquanto alguns pontos foram evoluindo graficamente mas se mantendo relativamente semelhantes, como a exploração do mundo através de mapas pixelados, é notório como os desenvolvedores foram se sentindo mais confortáveis para explorar a adição de diferentes elementos como os summons, a progressiva expansão dos sistemas de jobs e até a inovação com coisas como a introdução do mago azul ou habilidades especiais dependentes de contexto.
Isso também é perceptível no quanto a trilha sonora vai evoluindo, como o design do mundo e dos personagens vai se tornando mais especial e, principalmente, como o sistema de combate, apesar de seguir sendo “só” um RPG por turnos ao longo de todos os seis jogos, vai crescendo, adicionando novos elementos e estratégias e aperfeiçoando-se de uma forma que mantém o jogador sempre preso e vidrado nas possibilidades que ele apresenta.
Claro, ainda é menor do que a forma como a série vai de praticamente não ter uma narrativa mas sim uma “justificativa” para a jornada dos 04 lendários heróis da luz para abordar temas pesados como o que é válido ou não em uma guerra, a luta de classes diante de uma ditadura militar e a exploração de recursos naturais em prol da conquista de objetivos moralmente questionáveis da humanidade.
Então, se não ficou claro até aqui, a coletânea Final Fantasy Pixel Remaster mais do que se justifica e vale a pena para os fãs da série e, principalmente, para os fãs de RPGs que talvez não tenham tido a experiência de jogar esses títulos atemporais. Existem problemas intrínsecos desses jogos? Sim. A falta dos conteúdos adicionados ao longo das versões chama a atenção? Também. E, talvez até mais do que outros títulos, alguns deles claramente merecem/precisam de remakes reais.
Mas, ainda assim, esses jogos merecem ser relançados nesse formato não só por todo o seu valor histórico, mas porque ainda hoje são alguns dos melhores jogos de todos os tempos. E, embora a qualidade oscile um pouco à medida em que se vai avançando pela era “pixelada” da franquia, ainda se trata de uma coleção de obras-primas dignas de serem eternizadas.
Jogo (versão de PS4) analisado no PS5 com código fornecido pela Square Enix.
Veredito
Final Fantasy Pixel Remaster é uma rara coletânea em que todos os jogos que a compõem são ótimos títulos. Acompanhar a evolução da principal franquia dos RPGs por si só já faz o pacote valer a pena, mas o fato dela ser composta de dois dos melhores jogos de todos os tempos junto com quatro excelentes títulos a elevam a um nível ainda maior.
Veredict
Final Fantasy Pixel Remaster is a rare collection where every single game that composes it is great. Watching the evolution of the most important franchise of RPGs by itself make it worth it, but the fact that its made of two of the best games of all time as well as four other excellent titles takes the collection to an even higher level.