F1 24 – Review

Nota: o vídeo acima só pode ser visto no próprio YouTube. Clique aqui para conferir.

Entra ano e sai ano, dúvidas surgem, a indústria se modifica, se adapta, se transforma, mas algumas tradições e certezas são bem estabelecidas. Uma delas é que certas franquias esportivas anuais darão as caras em algum momento, e chegou a hora do lançamento do EA Sports F1 24, décima sexta edição da marca, cujo desenvolvimento está uma vez mais sob a responsabilidade da confiável Codemasters, enquanto a gestão segue, obviamente, nas mãos da EA, com a promessa de atualizar uma vez mais a experiência dos fãs da principal categoria competitiva automobilística do mundo.

Ainda que, no Brasil, o campeonato mundial esteja perdendo popularidade desde que o grid deixou de ter brasileiros e, principalmente, quando os direitos de transmissão em TV aberta mudaram de emissora, é inevitável que os fãs de longa data tenham aquela sensação nostálgica de domingos de manhã assistindo corridas em circuitos consagrados, torcendo pela sua escuderia favorita ou por certos pilotos, inclusive os gringos. É impossível também não se emocionar com a lembrança de que o jogo chega menos de um mês depois do aniversário de 30 anos do fatídico acidente que vitimou o eterno Ayrton Senna. O vínculo afetivo, mesmo desbotado, ainda permanece.

Dito isso, jogos que adaptam corridas de fórmula se estabeleceram como algo dedicado a um nicho restrito diante os fãs da velocidade virtual, e nunca foram tão populares quanto simuladores, tais como como Forza ou Gran Turismo, nem quanto arcades, como Need for Speed, mas trazem o diferencial que busca se ligar a esse vínculo emocional com o seu público. Não é à toa que toda a apresentação do game é totalmente voltada à emular o espetáculo televisivo que faz de equipes e pilotos grandes estrelas de um verdadeiro show, o circo da Fórmula 1 como Galvão Bueno mesmo chamava há décadas atrás, e a edição deste ano não só mantém a tradição, potencializada desde que a F1 mudou de donos e se tornou ainda mais midiática, como a leva para um outro nível.

Isso significa que há uma dedicação bastante especial a refinar a apresentação audiovisual do projeto, em um movimento de melhoria daquilo que já era bastante bom nas edições anteriores. Isso inclui uma modelagem um pouco mais fiel dos pilotos, que se ainda estão longe do ideal, se parecem muito mais com suas versões reais, e a adição de várias gravações reais de rádio que povoam melhor a transmissão de rádio dentro das corridas. As grandes personalidades do esporte estão ainda mais presentes, incluindo alguns de seus maiores ícones, como o próprio Senna e a lenda Michael Schumacher. Contudo, se é verdade que aqui eles dividem o protagonismo com máquinas e circuitos, ambos incorporam as atualizações protocolares das mudanças estéticas de uma temporada para outra, mas não só isso. Alguns deles parecem ter recebido um carinho ainda mais especial.

A reconstrução de toda a ambientação de cada grande prêmio se mostra detalhista, com texturas mais táteis, cores vibrantes e variações de clima com um nível excelente de organicidade, a se destacar notadamente Silverstone e Spa-Francorchamps. A torcida se faz presente e houve, de uma forma geral, uma melhoria gráfica que parece cada vez mais liberta das amarras da geração passada. EA Sports F1 24 é, em palavras mais diretas, absolutamente lindo, um verdadeiro deleite tanto para quem assiste uma corrida aqui e outra ali quanto para aqueles aficionados que reconhecem traçados e sabem o nome até das curvas mais famosas. Não há como não se encantar com toda uma apresentação que estabelece o clima de uma etapa do torneio, o que pode parecer corriqueiro, mas que eleva todo o estado anímico do jogador que se importa com coisas assim, e confesso estar dentre esses malucos.

Quando todo esse entorno fica em segundo plano e entramos naquele cockpit apertado, a expertise dos desenvolvedores consagrados pelo gênero ronca mais alto que os saudosos motores V12 de outrora, e o que se tem em mãos é, em parte, a manutenção daquilo que já se aproximava do ideal, com controles responsivos, precisos e fluidos que conseguem transparecer toda a carga de realismo do carro sem parecer específico demais nos modos medianos. Por outro lado, em uma colaboração com o maior destaque da atualidade, Max Verstappen, houve um redesign refinado da física do jogo, sobretudo do sistema de suspensão, com o objetivo de trazer ainda mais realismo para a experiência. O resultado é um carro que demanda um pouco mais de atenção tanto no ataque de zebras e de curvas mais acentuadas, quanto nos controles de tração.

Depois de algumas rodadas inesperadas pelo costume com a edição 23, nada parece tão diferente assim, e mesmo que possa se provar perceptível para quem joga com constância, tudo continua familiar e confortável, adaptando-se ao estilo de jogo e ao nível de aprofundamento de cada jogador. Há, por exemplo, uma infinidade de assistências a serem acionadas que facilitam (ou intensificam) a vida dos pilotos de sofá, e mesmo que o tempo nos dê mais confiança de nos livrarmos da maioria, outras podem ser complexas demais. O acerto do carro, por exemplo, é feito para quem se importa a ponto de compreender os efeitos de cada escolha, algo que demanda prática e bastante treino para aperfeiçoar. A escolha de pneus é um pouco mais simples, mas ainda assim, quase sempre a opção sugerida é que apresenta melhores resultados.

Para quem é mais detalhista, contudo, há que se adaptar a um modelo de jogo que recompensa ainda mais o equilíbrio técnico em detrimento dos mais arrojados. Não é por acaso que há tantas sessões de treino livre dedicados a aprender a dosar melhor o consumo dos pneus, por exemplo, porque saber controlar o desgaste pode ser o diferencial em testes mais afiados. A dinâmica da temperatura se torna ainda mais presente e a sua equipe pode até ser enfática ao aconselhar mais cautela, principalmente para quem gosta de uma retomada de aceleração pós-curva mais agressiva, ou mesmo de atacar todas as zebras até o limite do muro.

Esta indicação das melhores opções de preparação do carro estão em diferentes formatos dependendo do modo de jogo adotado e do nível de gestão que o jogador deseja ter dentro da equipe. Na carreira para um piloto, por exemplo, a coisa é um pouco mais direta, o que não significa que é só correr em sessões de treino e corrida. É necessário gerenciar profissionais que trabalham junto e que estabelecem metas, por exemplo, e ordenar o desenvolvimento de melhorias técnicas para os mecânicos. Também é importante cuidar da própria carreira, pontuando metas a serem atingidas para si e na comparação com adversários, principalmente o companheiro de equipe.

Há toda uma mise-en-scène que nos coloca em passagens narrativas com alguns NPCs que tendem a buscar a substituição de um modo História propriamente dito, ausente nesta edição e que, confesso, faz mais falta do que eu imaginava. Além desse incremento contextual, também é possível assumir a versão virtual de um dos pilotos reais dentro das equipes, continuando suas carreiras a partir daí. Seja como um personagem original, seja na pele de um existente, haverá todo um jogo de bastidores, com direito a reuniões secretas e propostas indecorosas, que dão um bom tempero para cada nova temporada. Ainda assim, é pouco compreensível que o modo Ponto de Frenagem, cheio de dramas novelescos e tensão, tenha ficado de fora deste ano.

As novas adições são, felizmente, bem incorporadas a uma interface principal que muda muito pouco do que já foi visto antes, e várias telas são basicamente as mesmas às quais já estamos acostumados. Pilotos de primeira viagem poderão se sentir um pouco perdidos em tantas abas e sub-abas desse momento de planejamento, mas não demora muito para entender o que pode ser configurado, como a prioridade no desenvolvimento do carro, e o que vale mais como consulta, como gráficos e estatísticas. Para não deixar ninguém de fora, o game conta com tutoriais escondidos em quase todas as sessões, acionados assim que as adentramos pela primeira vez. Para os veteranos da franquia, é um pouco cansativo, mas pelo volume de variáveis, é tudo compreensível.

Dentro do modo Carreira há ainda variáveis para equipes e dupla de pilotos, que em suas especificidades adicionam algumas preocupações diferentes, mas igualmente adaptáveis. Contratos, equipe de suporte e contratação de pilotos, incluindo lendas como Pastor Maldonado, Jamie Chadwick, James Hunt, e Juan Pablo Montoya (alguns exclusivos da edição dos Campeões), tudo lembra a tarefa de um técnico de futebol em jogos como o EA Sports FC, ex-FIFA. Para jogadores solo, esse será muito provavelmente o principal modo de se explorar o game, mas não o único, já que há ainda um tópico específico para o multiplayer local com a boa e velha tela dividida.

Nada se compara, porém, ao nível de atenção dedicada ao parrudo e redesenhado F1 World, que substituira o F1 Life no ano passado e que se parece, cada vez mais, com o Ultimate Team do já citado game de futebol da EA. Este é definitivamente o espaço de maior personalização de toda a franquia, evitando alguns extras cosméticos presentes em edições anteriores e valorizando formas diferentes de ação. É onde montamos nosso piloto, que pode ou não ser uma cópia do que usamos nos modos Carreira, mas com maior número de possibilidades, a começar pelo visual, com uniforme de corrida e apetrechos visuais que se tornam parte da identidade do jogador e é, claro, onde a monetização do jogo deve trazer mais algum dinheirinho para a distribuidora.

Todos os pontos de experiência ganhos nos diferentes modos podem trazer benefícios diretos aqui, com níveis de jogador liberando bonificações, e uma loja para se gastar os preciosos PitCoins, a moeda do jogo. São capacetes, bonés, luvas, frases, poses, dancinhas, esquemas de pintura, roupas casuais e um monte de coisas que devem consumir bastante do tempo de quem gosta de marcar sua presença principalmente nas disputas on-line. O F1 World, todavia, não se detém somente aos modos multiplayer, já que aglutina outras possibilidades de se jogar sozinho, como a disputa de grand prix individuais para quem gosta de corridas únicas usando tanto carros e pilotos originais quanto os já existentes.

Aliás, criar sua própria equipe, modificando esquema de cores, iconografia e patrocinadores é ainda mais interessante que fazer isso com os pilotos. Afinal, todo o visual criado pode ser visto na pista (em vários modos de câmera), dividindo curva e desfilando nos palcos mais famosos do mundo. E se a sua ideia é disputar sozinho com seu piloto personalizado, a própria CPU trata de colocar seus amigos em monopostos controlados pela IA para simular uma competição on-line. Este meta-modo, se assim posso chamar, é o lugar desenhado para prender o jogador e manter a sua atenção com uma infinidade de artifícios que funcionam cada vez melhor para o engajamento ativo em oferecer uma experiência autêntica não só nas pistas, mas no universo glamoroso das corridas com carro.

E se a comparação com o colega de casa parece inapelável, há também o destaque para o Challenge Career, que pretende, tal como o Moments do Ultimate Team, nos levar para eventos históricos importantes da vida real, algo que também já era presente no game anterior. A ideia é reviver feitos importantes, a começar pelo próprio Max Verstappen que estrela o modo na versão exclusiva do jogo que dá direito ao acesso antecipado do game. A promessa, entretanto, é que ao longo dos próximos meses surjam outros eventos sazonais episódicos como esse, que contam com rankings de pontuação e outras benesses que, claro, visam manter o interesse renovado do público. Com trechos desafiadores na edição passada, é uma das melhorias que mais me interessa para esse novo ano.

EA Sports F1 24 chega como uma versão revisada da ótima base estabelecida pela Codemasters, o que por si já é uma garantia de qualidade técnica tanto na questão da jogabilidade quanto no visual. Com uma trilha musical parruda baseada na música eletrônica, bom trabalho de vozes (incluindo a localização para o nosso português brasileiro) e ótimos efeitos sonoros, o jogo traz alguns elementos renovados e se mantém excelente. O tema principal fica marcada na mente depois de algumas horas correndo em busca do primeiro lugar, normalmente em uma disputa ferrenha contra o bendito Verstappen, e recomenda-se o uso de um bom headset para valorizar todo o explendor dos motores girando ao máximo.

Infelizmente, por mais que a atualização renove o interesse em retornar para toda uma nova temporada, não dá para fugir de uma sensação de mais-do-mesmo tão comum a essas franquias anuais, algo que nesse caso isso é muito mais uma qualidade do que um defeito, mesmo que lá no fundo nós esperemos novidades para além da percepção de conteúdo requentado e que ainda falta um dos melhores conteúdos da versão passada. Além disso, ainda há espaço para melhorias pontuais no design de usabilidade, já que há uma série de itens secundários poluindo menus e escondendo opções mais importantes, mas nada que seja essencial numa avaliação ampla da produção.

A Fórmula 1, enquanto esporte, é uma das poucas modalidades à motor que ainda causam alguma comoção para o público geral, sobretudo aqui no Brasil cuja tradição é se envolver muito mais com ídolos do que com o desporto em si. Quando a mídia é o videogame, porém, essa lógica se inverte, porque o gênero, ao longo das últimas quatro décadas, faz um trabalho exemplar quando valoriza carros de rua, veículos que povoam o cinema e o imaginário underground de muitos de nós, enquanto jamais levou os veículos dedicados ao esporte regularizado tão a sério, sobretudo desde Enduro. Dito isso, é fácil afirmar que EA Sports F1 24 é esforçado em tentar fugir do estigma de jogo nichado para especialistas, se tornando cada vez mais palatável mesmo para os menos adeptos, enquanto mantém raízes profundas em sua essência profissional. Basta saber se a nova edição encontrará meios de provar esse esforço todo.

Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Electronic Arts.