F1 23 – Review

Os fãs do automobilismo digital não tem muitos motivos para reclamar nos últimos anos, e muito dessa boa fase dos jogos de corrida está nas costas – ou seria no cockpit? – da Codemasters, desenvolvedora que hoje atua sob as asas rigorosas da EA. As franquias GRID e DIRT, na última década, se destacaram dentre as grandes marcas do gênero oferecendo um alto grau de velocidade e um belo equilíbrio entre um estilo mais despojado e um bom nível de fidelidade e realismo na direção. Quando a licença da maior categoria esportiva do mundo, a famigerada Fórmula 1, chegou às mãos deles, aí a coisa realmente ficou interessante.

Em sua décima quinta entrada, F1 23 tem o nobre objetivo de não só manter o ótimo nível apresentado pelo game anterior como ainda o de consolidar a transição e tentar mostrar que mais do que uma simples atualização de elenco, este é um jogo que sabe se apropriar de suas melhores características para justificar o lançamento anual tão característico da marca e do esporte como um todo. Afinal, o jogo anterior tinha a seu favor – mesmo que fosse um risco e um grande desafio – a implementação de novas regras técnicas e de logística pelas quais a sua contraparte real passou. Mas neste ano, o que poderia trazer frescor?

A resposta óbvia está, primeiro, na temporada que adicionou o belo e exuberante circuito de Las Vegas, uma corrida noturna que, diferente das demais, se aproveita da beleza natural da sua sede para fazer o game literalmente brilhar. Uma ótima adição em termos estéticos, ainda que não seja lá das minhas pistas favoritas do calendário já que não sou dos mais adeptos das corridas de rua, pelo menos não com o controle em mãos. Curiosamente, este é um Grande Prêmio visto primeiro no game, já que sua versão real será disputada somente em novembro pela primeira vez. Espero sinceramente que pilotos sejam mais cuidados do que eu quando o muro se aproxima.

Mais do que isso, o jogo surpreende ao trazer de volta um dos meus modos favoritos e que esteve de fora da última edição, o Braking Point, que os veteranos da franquia vão reconhecer como o Modo História presente pela última vez na edição 2021. Mais do que retornar como uma das estrelas do show, a história é contada exatamente de onde parou, com direito a um generoso flashback para nos lembrar (ou apresentar pela primeira vez para quem não viu) nosso destemido, jovem e destemperado herói, agora precisando compartilhar os boxes com um outro piloto tão ou mais esquentadinho que ele. Em uma equipe fictícia dentre as marcas famosas, o modo é muito divertido, trazendo desafios que vão desde trechos muito específicos de uma corrida até desafios de desempenho primários e complementares para dar andamento à trama.

Gosto muito da narrativa trazer aquele tempero que era muito mais comum, ao menos publicamente, há algumas décadas atrás, quando as rusgas entre pilotos eram mais públicas e quase anedóticas. Claro que esses caras não são Senna e Prost, nem Lauda e Hunt, mas a forma como isso é incorporado no game é bem interessante. Mesmo os conteúdos complementares, como redes sociais e mensagens de bastidores, que normalmente mais servem para preencher lacunas do que para acrescentar valor, valem aquela conferida. Soma-se a isso a construção de uma (quase) personalidade via entrevistas e escolhas de diálogos, além de obviamente as enrascadas onde o jogo nos coloca – como entrar em uma corrida e precisar ganhar posições com carro avariado e pouco combustível, por exemplo – e há aqui um genuíno ponto de interesse single player.

Não é só de história que o jogador solo viverá, claro. O modo Carreira tradicional se mantém firme e forte da forma mais tradicional possível, com todos os 23 finais de semana da mais pura Fórmula 1 disponíveis para a disputa do título mundial de pilotos e de construtores. Ao criar seu próprio corredor e escolher sua equipe, o jogador deve passar pelas tradicionais sessões de treino livre para alcançar os melhores ajustes para aquela corrida, atingindo algumas metas dentro de programas estabelecidos, como testar a volta lançada, a estabilidade e cada componente específico, como freios, economia de combustível e de pneus, dentre outras coisinhas miúdas que seduzem qualquer fã de esportes a motor.

Há ainda outras ações possíveis, algumas que são herdadas diretamente da vida real, como corridas de sprint, e outras que trazem um charme a mais, como eventos de patrocinador onde corremos com um carro de passeio pelo circuito da vez com alguns objetivos pré-determinados para ganharmos mais pontos de prestígio que, mais tarde, serão úteis para assinar contratos melhores nas temporadas seguintes. Soma-se a isso o trabalho de boxes, investindo no desenvolvimento do carro e de melhorias específicas, administrando rivalidades e outros micro gerenciamentos que dão substância ao modo. Claro, correr é importante (e dá pra definir, corrida a corrida, se preferimos provas curtas de poucas voltas ou mais duradouras, que inclusive demandam paradas nos boxes e estratégias de uso de pneus mais elaboradas), mas tudo isso dá um tempero a mais para a experiência.

A peleja avulsa, se assim podemos chamar, está toda reunida no grande conjunto F1 World, que reúne modos on-line contra competidores do mundo todo, tomadas de tempo e a boa e velha corrida única amistosa, onde o jogo busca sua lista de amigos como competidores controlados pela CPU. É possível ainda customizar uma sequência de corridas, montar eventos mais complexos, mas basicamente é um modo amistoso que, estranhamente, fica meio escondido dentre as opções mais robustas do multiplayer on-line. Já a competição de sofá fica fora desse conglomerado, tendo uma opção somente para ele no menu principal. Confesso que eu repeli bastante essa organização em um primeiro momento, mas depois de um tempo, me acostumei sem muitos problemas.

Quando as luzes vermelhas se apagam e a coisa acontece de fato, F1 23 mantém o espírito dos games anteriores, permitindo a escolha entre três níveis de dificuldade, dos quais os dois primeiros ainda trazem uma série de opções personalizáveis de assistências, como o controle de freio e aceleração assistidos, sinalização gráfica de traçado (essa a única que confesso não abrir mão até conhecer cada circuito de cór), tipo de transmissão e outros, além de permitir graduar a competência da IA dos adversários. O modo mais elevado, porém, é onde o verdadeiro desafio F1 está, já que além de permitir erro zero, ainda exige que se ande no limite do limite, buscando centésimos de segundo e se aproveitando de cada possibilidade de ajuste do veículo. Tudo isso possibilita que o jogo seja convidativo tanto para iniciantes e pessoas que só querem se divertir sem muito compromisso com a simulação, quanto para quem realmente está dedicado a buscar o máximo que algo assim tem a oferecer.

Nada disso seria possível, contudo, não fosse o sistema refinado e cada vez mais preciso de direção do game. Métodos de frenagem, passagem de marchas e tomadas de aceleração estão cada vez mais impressionantes, sem contudo descambar para o irreal. O carro balança, sente a zebra (o DualSense é perfeito para essa sensação de trepidação), perde aderência em exageros, responde a tomadas de curva mal planejadas, mas também sabe roncar quando se cria um modelo bem definido de aceleração, valoriza quem sabe graduar força e controle e pede cada vez mais de quem está disposto a ir além. Até mesmo a IA melhorou bastante, toma boas decisões tanto agressivamente, quando precisa defender uma posição ou fazer uma ultrapassagem, quanto quando a passividade é solicitada, e realmente compete de forma justa. Ainda dá uns deslizes, ignora nossa existência vez ou outra na preferência de curvas, mas está muito mais responsiva do que a edição anterior.

A interface tem também seus méritos, se aproveitando melhor do design e da identidade visual das transmissões televisivas tradicionais, mas também inserindo sutilezas para a vantagem do jogador. Os retrovisores, principalmente em modo de primeira pessoa, parecem mais ajustados e realmente úteis, mas eu ainda prefiro a visão mais distante do carro porque proporciona uma percepção melhor do que está acontecendo a nossa volta, principalmente durante ultrapassagens, com a perda, uma consequência óbvia, da imersão e da sensação de perigo a cada muro, a cada caixa de brita, a cada curva fechada. A Fórmula 1 é, como de praxe em esportes de fórmula, sobre correr no limite, sobre botar meio pneu na grama se necessário, sobre riscos. Olhar de fora diminui essa sensação de perigo, mas em compensação valoriza a precisão.

Outra grande vantagem é poder admirar com mais amplitude todas as belezas de um trabalho gráfico simplesmente impecável. Se os rostos ainda transitam pelo inevitável vale da estranheza, já que são pessoas que conhecemos e que ainda parecem bonecos de cera animados, isso pouco importa quando carros são reproduzidos nos mínimos detalhes, pistas estão espetaculares e o sistema de iluminação é abissal. O clima também é um deleite visual, mesmo que uma pista molhada em um final de semana chuvoso seja um pesadelo – a não ser que você seja o próprio Ayrton Senna – mas a geração de partículas é algo muito próximo do que se espera do fotorrealismo para um jogo do gênero. Somado ao ronco dos motores que vale o uso de um bom headset – o Pulse3D faz valer seu investimento aqui – e a trilha sonora típica do espetáculo de mídia que o esporte se tornou, o jogo é esteticamente impecável.

O jogo parece ter passado por uma boa recauchutagem no que se refere a qualidade de vida fora das pistas, com uma diminuição dos sistemas de customização presentes no agora antigo F1 Life (ou ao menos da importância dada a eles), focando muito mais nos carros, e nem tanto no entorno, que parece ter herdado tudo o que sobrou do que veio antes, incluindo as modificações de acomodações que, sinceramente, me interessam muito pouco. Aliás, nem mesmo as pinturas personalizadas vieram com força, dando muito mais valor aos conteúdos cosméticos conquistados ou, claro, comprados, que por sua vez tem lá grandes méritos em ao menos oferecer muitos desenhos bem bonitos e que são valorizados pelos gráficos do game. Ainda é possível cuidar bem da sua persona para estar bem apresentável nos modos multiplayer, mas tudo parece um pouco mais direto.

Como um todo, F1 23 se mostra mais um grande acerto, inovando pouco no já bastante completo sistema de gameplay, mas valorizando tudo o que fora conquistado antes, e reformulando tanto a distribuição dos modos de jogos como os recursos de configuração daquilo que se tornará a presença real do jogador em seu ecossistema. A interface pode parecer um tanto quanto confusa na sua organização, coisas que eram mais explícitas parecem um pouco mais escondidas, mas está tudo lá, presente e cada vez mais ajustável para o nível e para a expectativa do jogador. Se eu já havia me curvado á qualidade do game anterior, tiro o capacete para esta nova versão revisada, melhorada e ainda mais impressionante. Não tenho dúvidas que a partir de agora, vou assistir às corridas na TV incorporando um Reginaldo Leme tamanha a confiança que o jogo me dá em me sentir um conhecedor da causa. E quando me virem reclamar de uma tomada de curva equivocada do Hamilton lá em Las Vegas, eu só vou dizer que eu posso porque, afinal, eu já corri mais lá do que ele.

Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Electronic Arts.

Veredito

No que se propõe, F1 23 é virtualmente perfeito. Mantendo a solidez gráfica e o refinamento de mecânicas que funcionavam bem no game anterior, trouxe de volta um modo narrativo que, junto a uma reformulação na interface e na qualidade de vida, só melhora o que já era incrível.

95

F1 23

Fabricante: Codemasters

Plataforma: PS4 / PS5

Gênero: Corrida

Distribuidora: Eletronic Arts

Lançamento: 16/06/2023

Dublado: Sim

Legendado: Sim

Troféus: Sim (inclusive Platina)

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Veredict

In what it proposes, F1 23 is virtually perfect. Keeping the graphical fidelity and the refinement of mechanics that worked well in the previous game, it brought back a narrative mode that, along with an overhaul in the interface and quality of life, only improves what was already amazing.