O subgênero soulslike, que é incluso dentro dos RPGs de ação, tem a cada dia ganhando mais e mais destaque tanto entre a mídia como pelos gamers em geral, principalmente após o estrondoso sucesso de Elden Ring, que levou o grande prêmio de jogo do ano em 2022 e agora já tem sua recente expansão também aclamada pela crítica. Além disso, nesses últimos 15 anos tivemos, em especial pela FromSoftware, excelentes títulos como Bloodborne e Sekiro que mantiveram de uma forma ou de outra uma essência quase que completa de todos os títulos recentes da desenvolvedora, ou outros que utilizaram de alguns desses elementos do gênero para criar algo gigante e único, como a série Nioh.
Lançado em meados de setembro de 2024, Enotria: The Last Song, é outro soulslike que chega nessa grande leva. Dessa vez como título de lançamento da desenvolvedora Italiana Jyamma Games com o que eles gostam de chamar como “summersoul“, pelo título se diferenciar da estética comum do gênero de algo mais escuro e sombrio. Enotria, na verdade, é o extremo o oposto: claro, colorido e praticamente todo no sol. Seu conceito base é ser totalmente inspirado na cultura, arte e folclore da Itália, então você verá diversos locais inspirados na parte costeira do país, no interior com seus campos floridos, Roma com seu coliseu e até mesmo os canais de Veneza.
Enotria, que é o nome do mundo do jogo, vive em uma espécie de maldição de uma peça teatral chamada Canovaccio que nunca acaba. Todas as pessoas possuem máscaras e papeis nessa peça e estão presas nela em um ciclo caótico e eterno. Seu papel, como o protagonista “sem máscara” é de derrotar os “atores principais” e responsáveis por essa maldição e restaurar a ordem em Enotria. Pensando nisso, tudo o que foi construído no título possui referências a commedia dell’arte Italiana, uma forma de teatro tradicional do país, onde todo personagem, ou maschera, utilizava uma roupa específica e máscara para indicar seu papel. Em alguns casos a referência é tanta que alguns personagens tem o mesmo nome em Enotria, como a existência de Arlecchino ou Pulcinella. Todos os outros principais mascheras são retratados como algum tipo de inimigo no título.
Fechando um pouco as percepções conceituais, como outros títulos do gênero, a história não é conta de uma maneira óbvia e com muitas cenas. Grande parte se dá através de itens que viram entrada em seu compêndio, onde você vai coletando e aprendendo mais sobre a história de cada local visitado, dos personagens, dos inimigos comuns (mobs), NPCs e chefes. O mundo de Enotria é extremamente rico e apesar de não ser imenso, possui detalhes o bastante para serem percebidos e apreciados. A união dos textos com a excelente escolha artística do título traz uma experiencia excelente tanto no quesito narrativa como também em visuais. A imersão na cultura italiana está em cada conceito pensando e jogar Enotria: The Last Song é uma certeza de aprender algo novo dela.
O jogo possui o gameplay tradicional do gênero souls envolvendo uma dificuldade acima da média (que particularmente não achei tão alta assim, talvez por já ser muito adepto dos estilo), estilo de combate padronizado e a perda de fragmentos com a morte, em Enotria temos algumas mecânicas diferentes que o tornam único. Apesar de você ser a pessoa “sem máscara”, você pode (e deve) equipar uma máscara e um papel, que além de servirem para mudar seu visual, também dão algum tipo habilidade, bônus ou variedade de atributo. Além dos golpes comuns, você tem golpes especiais chamados de “linhas”, que podem ser equipados até um total de 4 simultaneamente. Essas linhas funcionam um pouco como magias, sendo seu atributo principal para cálculo como algo relacionado dessa forma, separado do de ataque. Algumas máscaras especiais (geralmente conseguidas após completar algum chefe) liberam linhas exclusivas que só podem ser utilizadas caso esteja usando a máscara equivalente. Costumam ser ataques muito poderosos, porém com um tempo de recarga ainda maior.
Além dos ataques das linhas, Enotria também trabalha com 4 diferentes elementos (além do neutro): Gratia, Mallano, Vis e Fatuo. Seguindo uma ordem cíclica de um mais forte que o outro (existe uma imagem no HUD que ajuda a decorar isso). Além da parte elemental, cada um é vinculado a um efeito extra, como um status negativo, porém que também pode gerar algo benéfico, sendo uma forma de saber usar cada um em sua vantagem. Por exemplo, o que funciona como veneno pode também causar dano aos inimigos caso você fique muito perto dele. O que faz com que você fique vulnerável e leve mais permite que você se cure ao realizar golpes. Equipar estes elementos ou causar efeitos depende praticamente da utilização de itens ou o combinado de habilidades/linhas/máscaras. Particularmente não me importei em equipara algo e usar elementos, jogando com o elemento neutro até o fim da campanha e utilizando os status negativos por acaso quando tinha em uma linha minha (porém focava no estilo de golpe ou dano) ou quando um inimigo me acertava.
Os fragmentos (as almas/souls) em Enotria: The last Song servem primeiramente para subir de nível, onde você pode escolher utilizar para aumentar (em termos mais simples) a vitalidade, força, estamina, poder de linhas e dano de elementos. Outras opções para a utilização dos fragmentos podem ser o upgrade de armas (não existem armaduras ou escudos, apenas máscaras e itens para defender golpes), de linhas ou máscaras, ou até mesmo usar como uma forma de moeda de troca com o mercado do jogo. Para aprimorar esses itens e atributos, além dos fragmentos você precisará de itens específicos que estarão espalhados pelo mundo e não poderá fazer o upgrade nos pontos de descanso, apenas em locais específicos de forja (mas que estão em talvez 70% dos pontos de retorno).
Uma outra forma de progressão de personagem, que independe da questão de níveis, é o Caminho dos Inovadores. Lá você utiliza pontos que são geralmente obtidos ao conseguir uma nova entrada no compedium. Cada habilidade corresponde a um efeito passivo que poderá ser equipado em seu personagem (até um total de seis). Há quatro lados para escolher seguir e cabe cada jogador definir a estratégia ao criar seu personagem, sendo focando mais em habilidades de linhas, sobrevivência ou dano. Em uma jogada completa de Enotria, que leva aproximadamente 15 horas para um jogar acostumado com o estilo, é possível fechar completamente dois lados da árvore de habilidades tranquilamente. Ficando o restante para o New Game +. Vale lembrar que é possível fazer viagens rápidas entre postos de descanso habilitados anteriormente a qualquer momento durante o jogo.
Em outros títulos de soulslike meu estilo de jogo sempre girou em torno de ataque rápidos, um pouco de magia e muita esquiva. Em Enotria acabei adaptando de uma maneira um pouco diferente. A esquiva em si não é tão eficaz, com alguns inimigos conseguindo te perseguir de maneira absurdamente agressiva e nem sempre a IA se comportava mesma maneira para prever uma fuga. Já utilizar a defesa (parry) se mostrou muito mais útil para mim. Além de também servir para aumentar a barra de stagger do inimigo, mecânica essencial para causar muito dano de maneira rápida. Sendo assim, como podia equipar duas armas para trocar entre elas durante combate, escolhia uma mais rápida e outra pesada e tentava calcular o tempo exato de usar a defesa. Mesmo não acertando de maneira perfeita, achei que o espaço de tempo permitido para realizar algum tipo de defesa bem grande, acima do comum para o gênero, e segui dessa forma na minha estratégia. Morri poucas vezes como um todo, somente em alguns mini chefes extras e uma vez ou outra no último de cada cenário.
Somando com a história principal de encerrar a peça/maldição, você encontrará por Enotria alguns outros personagens que podem criar pequenos arcos e side-quests. Uma boa dica é ficar de olho no compêndio pois algumas entradas obtidas dão a informação que “personagem X teria algo a comentar sobre isso”, indicando como continuar aquele arco. Além disso, existem alguns combates extras liberados ao ativar um circulo vermelho que altera a realidade em alguns locais. Derrotando esses inimigos (que podem ou não ser chefes) tende a liberar itens relevantes ou caminhos secretos. Para quem gosta de fazer tudo possível em um jogo, também existem diversos troféus a serem conquistados, inclusive de platina, o que exigirá ao menos duas jogadas completas da campanha por conta de múltiplos finais e completude de habilidades.
Quando peguei para o jogar Enotria, um pouco antes do lançamento, a desenvolvedora informou já diversos bugs e problemas que seriam corrigidos já em um patch day one ou atualizações futuras. Apesar de não ter enfrentando nada relevante anteriormente que atrapalhasse minha experiência, o jogo ficou mais fluído após um primeiro update e não tive o que reclamar. O modo performance sempre rodou bem em seus 60fps e o de qualidade que tinha antes uma queda absurda (sem melhorar tanto a qualidade), agora roda um pouco melhor. Ainda assim, considerando o estilo do jogo e não perceber tanta diferença assim, estar no modo performance sempre foi melhor. A desenvolvedora divulgou um cronograma para correções e melhorias para até o próximo ano, mostrando que os adiamentos que ocorreram não foram o bastante para deixar o título polido como gostariam, porém também mostra que estão observando as críticas da mídia e jogadores para deixarem o jogo cada vez melhor. Apenas acredito que além de melhorias estas atualizações deveriam conter algum tipo de conteúdo extra, para incentivar os jogadores a estarem sempre ativos. Vale ressaltar novamente que este é o título de estreia de uma desenvolvedora independente que não teria poder de trazer algo a nível AAA, mas que entregou um conceito sólido e melhor que muitos mais experientes na indústria.
Particularmente fiquei satisfeito com a experiência em Enotria e me vejo acompanhando próximos lançamentos da empresa ou possíveis DLCs. Uma crítica que fazia (e é um dos comentários que algumas pessoas também fazem) a Elden Ring é sobre ser algo tão cheio de coisas, mas com tanta informação, que você fica exausto e se sentindo sobrecarregado em algum momento, mesmo sendo um dos melhores jogos do estilo até hoje. Enotria já possui um tempo bem menor e algo mais objetivo, fazendo com que você não se canse e termine ainda querendo mais mapas e cenários, para talvez um jogo casual para uma semana mais livre em casa. O formato de jogo lembra um pouco o pacing de Bloodborne, mas apenas na maneira conceitual, já que Enotria possui menos de 20h de jogo, algo bem menor. Não é um ponto que o faz dele melhor ou pior que outros títulos, mas que será algo que poderá atrair mais ou menos cada jogador, a depender do que espera e o que desejo de um próximo título. No geral, é tanto um divertido jogo para os fãs do gênero como também uma opção não muito complexa de porta de entrada para os que querem conhecer e não desejam tanto comprometimento.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Jyamma Games.
Veredito
Enotria: The Last Song é um RPG de ação ao estilo soulslike que consegue fugir de ser apenas mais uma cópia de grandes títulos. Seu visual único com referências artísticas e culturais italianas alinhado de seu conceito de jogabilidade de máscaras papeis e linhas torna a experiência de jogo única e necessária para qualquer fã do gênero. Um bom título de estreia nos consoles para a desenvolvedora Jyamma Games.
Veredict
Enotria: The Last Song is a soulslike action RPG that manages to avoid being just another copy of other big names in the genre. Its unique look with an Italian artistic and cultural references aligned with its gameplay concept of masks and lines makes the gaming experience unique and necessary for any fan of the genre. A good debut title on consoles for developer Jyamma Games.