Muito antes do anúncio bombástico de Cyberpunk 2077, nós já estávamos completamente seduzidos pela temática deste futuro tecnológico distópico, cada vez mais próximo da nossa vida real a cada novidade no campo da cibernética e da inteligência artificial que vemos chegar. Os últimos anos, porém, tem sido especialmente generosos em nos oferecer experiências ricas e instigantes, a se destacar coisas como a franquia Ghostrunner, que trazem a dinamicidade e a precisão, características intrínsecas da exatidão tão típica das máquinas.
Eden Genesis chega, assim, trazendo todos os ingredientes que já esperamos de universos do tipo, como um mundo dominado pelas grandes corporações, e as realidades virtuais e os implantes sintéticos para melhoria intelectual e física são a regra, coisas disfarçadas de avanço, mas não sem um grande custo. Uma nova doença, uma síndrome decorrente destas mudanças tão drásticas, é um dos grandes males da humanidade, e seu diagnóstico é sinônimo de condenação à morte, até que obviamente um destes grandes conglomerados anuncia ter desenvolvido um tratamento para a cura desses males que, ironicamente, são causados por elas mesmas.
Para tanto, ela deverá mergulhar profundamente em uma jornada guiada em seu cérebro para combater a corrupção e salvar a própria vida. Ela deverá superar provações bastante palpáveis para liberar partes cada vez mais profundas de sua mente, e no caminho, como não é difícil adivinhar, descobrir que por trás de todas as melhores intenções públicas, há muita coisa a se desvendar. Entre os desafios de precisão e agilidade, Leah, a heroína da própria aventura, precisará encontrar segredos escondidos para descobrir as intenções e intencionalidades por trás do dito milagre, e qual o papel dela nisso tudo.
Narrada alternando belíssimas cenas animadas e passagens in-game, a história do jogo é muito mais sofisticada do que a dinâmica do jogo faz sentir. Por trás de uma trama de conspirações e da clássica luta entre o sujeito insignificante e as grandes esferas do poder, há uma discussão que foge da dicotomia sobre a humanidade e a artificialidade, que mergulha em outras questões tão ou mais relevantes sobre o avanço tecnológico sem criticidade e o próprio conceito expandido que é consciência. Se os temas não chegam a ser o foco da produção, todo o pano de fundo é muito bem estruturado para render muito mais do que o que Eden Genesis mostra em sua superfície.
Na prática, porém, o jogo é bastante sucinto em seus objetivos mais diretos. Organizado em blocos sub-temáticos, cada trecho do mundo do jogo, que cria formas e estruturas para materializar os problemas que se passam na cabeça da nossa protagonista, tem seu conjunto de fases que podem ser acessadas em uma ordem com suas doses de liberdade. Podendo ser exploradas conforme o interesse do jogador, e contando com quantas tentativas ele quiser, cada nível tem uma quantidade estabelecida de coletáveis a serem alcançados, alguns deles em formas corpóreas que para se defenderem, são extremamente hostis. O objetivo não é só alcançar o ponto final, mas principalmente fazer isso da forma mais performática possível. Mais do que “onde” chegar, o que importa é o “como”.
Com um arsenal de movimentos bastante restrito, mas cheios de usos criativos, Leah pode correr, esquivar, saltar e se movimentar bem em espaços aéreos, graças ao desenvolvimento de melhorias em seus corpos, andando por paredes e superfícies diversas. Ela também conta com uma espada especial, um constructo do seu próprio inconsciente de algo que ela admira, para ataques e combate. A soma de todos estes recursos é o que pode compor a dinâmica para se atravessar cada desafio com boa velocidade e aproveitamento máximo na coleta e na destruição de inimigos.
O desempenho em cada fase gera um ranking que varia entre os pontos mais baixos, praticamente punidos com um conceito D, até o almejado S+. O resultado mínimo esperado para se dar o nível como vencido é o A, mas o jogo rapidamente deixa claro que não vai admitir que fiquemos satisfeitos com essa nota. Isso porque cada bloco demanda um número mínimo de cartões de passagem, sendo possível conseguir um, dois ou três por fase respectivamente com a nota A, S e S+. Trocando em miúdos, Eden Genesis sabe e espera que vamos sim repetir cada fase muitas e muitas vezes até chegar o mais perto possível da perfeição, porque fazer o que deve ser feito não é difícil por si. Complicado mesmo é fazer bem.
A boa notícia é que todas as mecânicas disponíveis são muito bem resolvidas e funcionam a contento principalmente quando bem conectadas utilizando a força, a velocidade e o impulso certos. Realizar um combo bem construído em uma coreografia quase rítmica traz uma ótima sensação de trabalho bem feito. Como se pode imaginar, entretanto, dominar estes movimentos não é das tarefas mais fáceis, e compreender principalmente a energia disponível para saltos duplos, triplos ou com dash, bem como o embalo para desafiar a gravidade em tetos e paredes, é uma tarefa de pura dedicação e empirismo. A parte mais confortável fica por conta do combate, que mesmo com inimigos complicados, tem um alcance delicioso e muita sensação de potência.
A dinâmica de progressão lateral e o conceito de ser, em essência, um game de plataforma 2D não faz jus, todavia, ao que define Eden Genesis. Exatamente por exigir combinações cada vez mais complexas, esse é muito mais um jogo de puzzle do que qualquer outra coisa, algo que a classificação em ranking deixa ainda mais explícito, com direito a visuais que sabem muito bem lidar com a estética cyberpunk. O visual todo, aliás, é uma mistura muito bem elaborada entre elementos com profundidade de campo mesclados com toques de anime futurista. Tanto a heroína como os personagens secundários são muito bem representados, com animações tão fluídas quanto é necessário.
Destaque negativo, neste aspecto artístico, para um conjunto de adversários sem um pingo de sal, com design genérico, movimentações limitadas e um certo grau de “mais do mesmo”. Inimigos com espadas? Tem. Alguns usam escudos? Com certeza. Robozinhos que vão e voltam em uma posição bem definida? Tem também. Constructos que atiram em linha reta, que soltam múltiplos projéteis e que dropam explosivos? Não há dúvidas. Tudo o que se tem para enfrentar aqui é exatamente como já vimos em quaisquer outros lugares nos últimos 40 anos, sem respiro criativo ou chance para o inusitado. A metáfora materializada é sem graça e usa pouco o potencial da mistura entre a mente de uma pessoa inquieta e um universo virtual imersivo como eles querem fazer pensar ser.
Por outro lado, a trilha sonora foge do lugar comum, com composições musicais que abusam dos instrumentos de sopro e de corda bem destacados, com poucas batidas metalizadas ou eletrônicas, tão características desse tipo de ambientação. O trabalho por vozes e a sonoplastia seguem um alto grau de qualidade, estabelecendo um belíssimo controle de contrastes que consegue driblar os clichês quase irresistíveis do gênero, o que não significa que a produção ignora os maiores expoentes deste segmento, já que há uma série de referências explícitas ou mais sutis a obras como Ghost in the Shell, Blade Runner – O Caçador de Androides e coisas do tipo. Vale a pena prestar atenção aos detalhes dos cenários.
Eden Genesis é, em resumo, uma grande pequena ideia muito bem executada, que sabe se apropriar da estética cyberpunk sem contudo se limitar por ela. Rápido, dinâmico e irritante de um jeito bom, o game entrega ferramentas de engajamento emergente suficientes para diversão de todo bom fã do gênero, e ao mesmo tempo exige dedicação e resiliência. Sem aliviar e dobrando a aposta dos desafios a cada novo avanço, traz colecionáveis provocativos, alguns quebra-cabeças variados e possibilidades distintas de superação de obstáculos, oferecendo liberdade para que o jogador possa experimentar, errar, testar, sem tentar impor limites punitivos demais. Será difícil chegar ao fim, mas não é por falta de oportunidades de aprendizagem. Nada mais propício em ressiginificar um dos princípios pétreos do game design: ser fácil de se aprender, mas difícil de se dominar.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Aeternum Game Studios.
Veredito
Para quem gosta de ser desafiado a melhorar cada vez mais e tem aquela fixação pela temática cyberpunk, Eden Genesis tem tudo para agradar muito. Rápido, provocativo e exigente, pode ser ríspido demais com quem espera só mais um jogo de plataforma convencional, mas muito recompensador para quem embarca em sua proposta.
Eden Genesis
Fabricante: Aeternum Game Studios
Plataforma: PS4 / PS5
Gênero: Ação / Plataforma
Distribuidora: Aeternum Game Studios
Lançamento: 06/08/2024
Dublado: Não
Legendado: Não
Troféus: Sim (inclusive Platina)
Veredict
For those who like to be challenged to get better and better and are obsessed with cyberpunk themes, Eden Genesis is sure to please. Fast-paced, provocative and demanding, it may be too harsh for those expecting just another conventional platform game, but it’s very rewarding for those who take it on board.