Ebenezer and the Invisible World – Review

Fiquei bastante surpreso com a combinação inesperada de Pinóquio com o gênero soulslike, que resultou em Lies of P. Há alguns meses, fui pego de surpresa novamente com o anúncio de um metroidvania baseado no livro Um Cântico de Natal! O que me deixa mais espantado é que, nos dois casos, esses jogos de ação conseguiram fazer o processo de adaptação com sucesso, sem apelação nem superficialidade.

O nosso foco é o segundo título, Ebenezer and the Invisible World, que se coloca como uma continuação direta de Um Cântico de Natal, por Charles Dickens, escrito em 1843 e muito presente até hoje no imaginário ocidental. O jogo foi desenvolvido pelos brasileiros do Orbit Studio, que recentemente também lançaram Haunted House. Você pode conferir também minha entrevista de prévia com um dos responsáveis pelo jogo, Rodrigo Pascoal.

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Caso queria refrescar a memória, a obra conta a história de Ebenezer Scrooge, um velho agiota de coração frio e ganancioso que foi visitado pelo fantasma de Marley, seu antigo parceiro de negócios. A aparição quis avisá-lo que teria o mesmo terrível destino após a morte se não mudasse seu caminho na vida enquanto era tempo. Com isso, Ebenezer teve uma visão do Mundo Invisível, uma espécie de purgatório. O próprio jogo cita este trecho do livro:

“O ar estava repleto de fantasmas que iam e vinham, velozes e incansáveis, entre gemidos. Cada um deles carregava correntes como a do Fantasma de Marley. […] Estava claro que a desgraça deles era que procuravam intervir, para o bem, nas coisas humanas, mas haviam perdido para sempre o poder de fazer isso.”

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Visitado pelos espíritos de três natais, o velho Scrooge viu que nada em sua vida tinha valor, exceto pelas pessoas que ele ainda poderia ajudar. É, pois, uma história de natal sobre a redenção de um miserável explorador.

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Ebenezer and the Invisible World parte da conclusão da trama para prosseguir adiante: tempos depois, com novo entendimento do mundo e do sentido de humanidade, o homem foi visitado por outro fantasma, desta vez solicitando ajuda para descobrir como o outrora gentil Caspar Malthus, assim que herdou as indústrias de seu terrível pai, tornou-se um opressor ainda pior e deu continuidade às antigas ambições da família de esmagar a ralé de Londres com o trabalho abusivo. Assim, o jogo acertadamente mantém o tema da esperança da redenção do mal.

Sendo capaz de ver as almas penadas do Mundo Invisível, Ebenezer parte pela cidade na véspera de natal em busca de uma solução para o problema que se avizinha. Ele conhecerá as histórias de muitos fantasmas que ainda estão presos a este mundo por suas correntes de culpa e, se ajudá-los a redimir seus pecados do passado e diminuir seus fardos, o velho protagonista receberá a ajuda deles na longa e escura noite festiva. Como na citação do livro, eles desejam interferir no mundo dos vivos para consertar os erros que compreenderam depois de mortos..

Ou melhor, traduzindo em gameplay: se fizer as sidequests, o jogador poderá usar as habilidades e ataques de seus companheiros espectrais para combater as almas impenitentes e os capangas de Malthus. Assim, não é Ebenezer quem tem as habilidades, o uso de cada uma é acompanhado por uma animação do espírito realizando a ação junto com o velho, criando um efeito bem interessante, como pode ver no exemplo da imagem abaixo, o pulo duplo da Acrobata.

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O design de mesclar narrativa e gameplay funciona muito bem e forma um dos pontos altos do jogo. Cada NPC tem seu lugar e serve para colocar uma peça a mais no grande quebra-cabeça de uma Londres em plena Revolução Industrial, povoada por contradições sociais tão importantes aos livros de Dickens.

Para representar visualmente esse contexto, a arte de desenho animado anda ao lado da narrativa como os pontos mais altos do jogo. O Orbit Studio optou por uma paleta colorida, fugindo ao habitual cinza de névoa e fuligem que cobre as paisagens londrinas do século XIX.

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Os designs de personagens e inimigos são bastante distintos e poderiam realmente fazer parte de uma história em quadrinhos ou animação. Eles encaixam muito bem com os cenários pintados e decorados com efeitos luminosos. É especialmente bonito ver os cenários de fundo e suas janelas que revelam movimentos daqueles que estão em casa comemorando o natal.

Scrooge não terá tempo para isso, pois sua jornada terá momentos árduos, nem sempre pelos motivos certos. É aqui que encontramos os problemas de Ebenezer and the Invisible World.

Já no início encontrei problemas de velocidade de texto, pois as primeiras falas passam automaticamente mais rápido do que eu gostaria. O problema praticamente sumiu nos diálogos ao longo da campanha, mas outro permaneceu em partes: o tamanho reduzido das letras, mesmo quando estavam dentro de caixas de texto espaçosas, como nas descrições de itens encontrados. A opção de selecionar tamanho de texto é um básico da acessibilidade e espero que seja implementada no futuro.

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(A propósito, o game está completamente localizado em português brasileiro, mas algumas imagens deste artigo têm texto em inglês porque era a única opção de idioma na build inicial de review antes de ser atualizada para a versão pronta para o lançamento).

Tive alguns pequenos erros, como mecânicas que não funcionaram corretamente. Passei por um mais de um congelamento e crashes, que me forçaram a fechar o jogo e abrir novamente.

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Problemas técnicos assim podem ser resolvidos com patches (como muitos já foram resolvidos em uma atualização pré-lançamento que melhorou a versão inicial que joguei), mas também há questões de game design que atrapalham a experiência. O design de mundo é uma delas, com caminhos longos que levam ao backtracking (isto é, a refazer o caminho já trilhado) mais demorado do que o desejado, um erro comum no gênero. A implementação de mais atalhos desbloqueáveis seria útil para agilizar o vai e vem característico de metroidvanias.

O combate em si adentra em um campo misto que pende entre o satisfatório o o monótono. O sistema de habilidades desempenhadas pelos fantasmas funciona bem, é o comportamento dos inimigos que deixa a desejar, pois cada um tem apenas um tipo de ataque.

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Os grandões que usam escudo, por exemplo, costumam servir mais de atraso que de desafio, ensaiando uma coreografia em que a pessoa que joga aguarda atrai um ataque para abrir uma brecha, encaixa um combo de três ataques, recua e atrai outro ataque, repetindo a dinâmica algumas vezes para derrubar o oponente. Não demora muito até cansar de enfrentar embates assim.

Os chefões não impressionam, mas as lutas ficam dentro do esperado. O problema deles é a quantidade, pois são poucos e tem muito tempo entre um e outro, demorando para chegar a essas lutas mais marcantes. Considerando o tamanho do jogo, acho que caberia quase o dobro deles ali.

Com isso, chego a uma conclusão ambivalente. Gostei muito de como os visuais esmerados e as histórias coesas formam uma boa atmosfera, digna da obra base. Por outro lado, os momentos de diversão foram intercalados com os de frustração, especialmente no começo. No avançar da campanha, meu envolvimento com o jogo ficou maior do que o incômodo com problemas técnicos e de backtracking, de forma que me vi realmente buscando encontrar o máximo do que o jogo tem a oferecer, apesar das falhas.

Jogo (versão de PS4) analisado no PS5 código fornecido pela Play On Worlds.

Veredito

Ebenezer and the Invisible World encanta pelos visuais desenhados e pela narrativa fantástica, estando acima da média dos metroidvanias nesses dois aspectos, mas o mesmo não pode ser dito de outros campos. As lutas são mornas e o design do mapa pode desanimar com o backtracking e as letras pequenas incomodam. Quem gosta do estilo gráfico, de histórias vitorianas e de Um Cântico de Natal terá muito a apreciar aqui, o que pode compensar a percepção de que a gameplay é mediana e não se destaca no gênero.

70

Ebenezer and the Invisible World

Fabricante: Orbit Studio

Plataforma: PS4 / PS5

Gênero: Ação / Aventura / Metroidvania

Distribuidora: Play on Worlds

Lançamento: 03/11/2023

Dublado: Não

Legendado: Sim

Troféus: Sim (inclusive Platina)

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Veredict

Ebenezer and the Invisible World charms with its hand drawn visuals and fantasy narrative. While it’s well above the ordinary metroidvania in these two aspects, the same cannot be said about other features. The fights are no more than average, the world design can be discouraging with backtracking and the small fonts can be annoying. Those who like the graphic style, Victorian stories and A Christmas Carol will have a lot to appreciate here, which can compensate for the perception that the gameplay does not stand out in the genre.