Já havia algum tempo desde que a franquia Disciples havia tido um novo jogo. Talvez até mesmo saber que estamos falando de uma série que se estende já há mais de 20 anos seja um pouco surpreendente, mas é bem difícil escrever a história dos jogos de estratégia por turnos e/ou dos RPGs de Estratégia sem falar de Disciples.
Nascida em 1999 nos PCs com Disciples: Sacred Lands, a série sempre teve lançamentos bem esporádicos, com sequências em 2002 (Disciples II: Dark Prophecy) e 2010 (Disciples III: Renaissance), ambas também exclusivas para PC. 11 anos depois, a Kalypso Media, atual dona da IP, finalmente decidiu trazê-la de volta, mexendo em vários elementos importantes, mas sem perder a identidade dela.
Disciples: Liberation então marca o primeiro lançamento de um jogo da série para consoles PlayStation, chegando de uma vez só ao PS4 e PS5. Desenvolvido pela Frima Studio, conhecido estúdio de suporte com alguns jogos menores no seu portfólio, e chegando em um dos períodos mais tumultuados do ano, a grande dúvida que fica é: ele faz o suficiente para capturar a atenção necessária entre tantos outros jogos?
Essa é uma pergunta difícil, mas é inegável que Disciples: Liberation se esforça para conseguir uma resposta positiva. A decisão de abandonar os títulos numerados é consciente, uma vez que, apesar de ser ambientado no mesmo universo dos jogos anteriores, ele não exige qualquer tipo de conhecimento prévio, apresentando uma narrativa totalmente independente.
Ao contrário dos outros títulos que não possuíam um protagonista único, o jogador assume o controle de Avyanna, uma mercenária com poderes excepcionais. Ao tentar executar um contrato de assassinato, as coisas acabam dando errado para ela e seu companheiro, Orion, Avyanna desperta um misterioso poder que a permite abrir um portal para a lendária cidade de Yllian, para onde eles acabam fugindo.
Ela percebe então que tem a rara oportunidade de criar um refúgio para todos que buscam um novo lar, mas para conseguir aliados poderosos o suficiente para sobreviver, Avyanna precisará se meter nos vários conflitos espalhados por Nevendaar. Como essas interações se darão e o resultado delas está totalmente à mercê do jogador.
A influência do jogador no caminhar da experiência não é à toa. Disciples: Liberation tem um foco imenso em escolhas, com praticamente toda interação com NPC ou missão, seja ela principal ou secundária, tendo diferentes formas de se conduzir, com diferentes decisões a serem tomadas à todo momento. Isso faz com que cada jogador tenha experiências totalmente distintas em um título que é, por si só, notoriamente grande (a campanha tem mais de 80h de duração).
Essas decisões se apresentam desde o começo, com o jogador podendo escolher qual facção de Nevendaar ele buscará ter apoio primeiro, até coisas como escolher entre do lado de quem ficar em um dado conflito ou exigir dinheiro para executar uma missão secundária (e pedir dinheiro pro seu alvo para não matá-lo). Como era de se esperar, cada uma dessas decisões tem alinhamento moral distinto, com seus respectivos símbolos indicadores para facilitar a vida do jogador.
É inegável que a sensação que se tem é de realmente poder moldar o caminho de Avyanna como você bem desejar. Existem inúmeros personagens que podem ser recrutados para a sua tropa com as escolhas certas, cenários diferentes a serem explorados e toda uma miríade de coisas que acabam tornando o “fator replay” do título bem alto para jogadores que realmente querem viver o elemento de “interpretação de papel” de um RPG.
Se há uma crítica que pode ser feita é que a história principal como um todo não é das mais engajantes possíveis. Ela é divertida e segue para dar direcionamento para as aventuras de Avyanna, mas não há nada que crie uma relação forte entre o jogador e a protagonista ou que te prenda ao desejo de ver o desfecho da história dela. Dito isso, as decisões de fato impactam a história, então é bom ver a desenvolvedora cumprindo essa promessa.
Um último e importante elemento afetado pelos diálogos e decisões do jogador é o seu relacionamento com as diferentes facções existentes em Nevendaar. Completar determinadas missões para membros dessas facções te dará pontos cumulativos que, ao alcançar determinados patamares, te dará acesso a novos prédios, novas magias e novos personagens recrutáveis daquela facção.
O elemento de construção de cidades de Disciples: Liberation é outra parte bastante importante não só desse título, mas do DNA da própria franquia. Yllian começará sem qualquer prédio além do seu castelo disponível. Ao avançar pelo jogo, você irá desbloquear prédios que podem ser construídos como ferreiros para melhorar suas armas ou diferentes instalações de cada facção que te dão acesso à novos soldados. Cada facção tem suas próprias classes, com diferentes habilidades, então evoluir cada relacionamento tem um impacto direto no gameplay.
Infelizmente, a movimentação por Yllian é feita através de um cursor e selecionar cada edifício para fazer aquilo que deseja e pronto. No entanto, em cada uma das diferentes áreas de Nevendaar você poderá explorar livremente à cavalo ou a pé, sendo possível encontrar edifícios que podem ser conquistados e que te darão acesso à recursos como madeira e ferro, baús com novos itens e vários inimigos para batalhar.
O combate é a parte mais interessante de Disciples: Liberation. Se passando em um mapa hexagonal, o combate é o seu típico RPG de Estratégia no qual é preciso mover seus soldados pelo tabuleiro cuidadosamente. Aqui, cada personagem age no seu turno determinado pela sua iniciativa (a ordem de ação está sempre presente numa barra no topo da tela), vencendo cada batalha ao derrotar todos os inimigos do grupo adversário.
Como todo bom RPG de Estratégia, permadeath está presente para todos os seus soldados (salvo pelos seus companheiros e por Avyanna, que, caso derrotados em batalha, serão revividos com uma parte da vida após a conclusão). Isso traz um certo peso para cada decisão, visto que perder aliados em combate pode te colocar em situações bem delicadas e mudar todo o ritmo daquele embate.
O sistema de batalhas é bem simples e fácil de entender, mas ele consegue se manter sempre desafiador, já que qualquer vacilo pode ser responsável por uma inesperada derrota. A questão do permadeath acaba perdendo um pouco o peso, pois é sempre possível retornar à Yllian e recrutar um novo soldado (com um certo custo) e logo o seu exército terá mais gente do que você pode colocar em campo. Mas ainda assim, é uma ameaça sempre presente para os jogadores mais dedicados.
Mesmo com isso, é uma pena que o combate logo se torne bastante repetitivo. Parte disso é que, salvo por Avyanna, os soldados são restritos a duas ou três habilidades no máximo, com um ataque comum e uma habilidade especial. Há uma certa complexidade trazida pela vasta quantidade de buffs e debuffs, mas o impacto delas nas batalhas comuns é quase sempre negligente.
Avyanna acaba sendo realmente a personagem mais diferente no mundo, já que ela tem acesso a um vasto rol de magias que podem ser aprendidas em Yllian e mapeadas para serem usadas em combate. A variedade é bem grande e, junto à expansiva árvore de habilidades da protagonista e os equipamentos que ela pode usar, ela se torna bastante customizável. Pena que os soldados comuns só podem equipar shards com bônus pequenos e seus companheiros no máximo possam equipar armas melhores.
Disciples: Liberation acaba se tornando uma história então de vários e vários elementos distintos tentando se misturar para entregar uma experiência bem completa. De certa forma, é exatamente isso que ele é, mas há sempre a sensação de que ele falha em dar o passo final para realmente se tornar um título memorável.
Então o que temos é um bom jogo, mas um que não consegue ser tão bom quanto poderia. É inegável que a quantidade de conteúdo presente é imensa e há bastante diversão a se ter com ele, especialmente para fãs do gênero ou da franquia, mas é difícil recomendá-lo pelo preço cheio ou para quem não é um fã hardcore buscando um título no qual se perder por uma centena de horas nesse final de ano.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Kalypso Media.
Veredito
Disciples: Liberation faz uma série de coisas bem, mas nada de muito especial. É um jogo divertido e capaz de mantê-lo entretido por dezenas de horas com seu combate desafiador, longa narrativa e elementos de construção de cidade, mas a qualidade de todos os seus elementos acaba sendo um pouco limitada.
Veredict
Disciples: Liberation does a lot of things well, but nothing too special. It’s a fun game that can keep you entertained for dozens of hours with its challenging combat, long narrative and city-building elements, but the quality of all its elements ends up being somewhat limited.