Eu não estaria exagerando ao afirmar que depois dos anúncios que tivemos nos últimos tempos em relação à franquia Diablo, essa nova versão do lendário segundo jogo da série é aquela que mais me empolgou. Não porque eu não esteja esperando coisas muito especiais em Diablo IV, já que sou daqueles que gostou muito de várias coisas que evoluíram no terceiro game da série e com o que já foi mostrado, há muito potencial para esse quarto episódio da saga; mas porque Diablo II é daqueles jogos que mais marcaram a história dos videogames e, porque não, um daqueles que me moldou enquanto jogador. Meu maior exercício com esse texto é tentar ser o mais objetivo possível, ainda que vocês perceberão que manter a imparcialidade, que já é uma tarefa impossível seja qual for o jogo, seria uma meta tão ingrata quanto indesejada.
Diablo II: Resurrected, para os desavisados, é uma nova versão do mesmo game que já conhecemos tão bem, e provavelmente aquele que estabeleceu as bases de todo o gênero. Não à toa, ele é quase que um sinônimo, uma base de comparação para tudo o que veio a seguir. Lançado ja no longínquo ano de 2000, o game trazia uma atmosfera sombria, temáticas pesadas, personagens cativantes e um sistema de exploração de masmorras e de progressão de personagens que elevava tudo o que o primeiro jogo tinha feito até próximo do ápice. 21 anos depois, a nova versão é um verdadeiro tributo a tudo o que fora feito, atualizando alguns poucos detalhes em termos de jogabilidade, mantendo narrativa e design inalterados e reimaginando todo o aspecto artístico para os padrões atuais.
Logo de cara, a realidade nos oferece um verdadeiro vislumbre da distância entre nossas percepções e o fato em si. Ao possibilitar que alternemos entre os visuais 2D pixelados de outrora e a versão tridimensional, a nostalgia é tão forte quanto passageira. Tentei jogar por algum tempo no formato tradicional, mas não demorou muito para que eu me rendesse ao trabalho incrível feito pela equipe que adaptou a obra. Desde o começo, há reconhecidamente um trabalho excepcional de criação que não só atualiza, como também valoriza os melhores aspectos da produção. Cada cantinho, cada objeto de cena, cada ponto de luz, tudo funciona incrivelmente bem, potencializando uma concepção original já bastante rica.
O resultado são cenários belíssimos, personagens cativantes e uma ambientação que se destaca mesmo quando comparada a produções originais mais recentes. Em evidência, o trabalho de iluminação é um destaque a parte, reflexos e outros detalhes trazem vida ao conjunto e texturas, mesmo as mais simples, impressionam. A idade da produção original, claro, pode ser sentida em alguns grandes vazios no mapa e uma ou outra vegetação menos variada, e aqui fica nítido o respeito para com aquilo que existia antes. Todo o projeto gráfico não buscou reinventar ambientes ou regiões inteiras. A meta, parece, era criar artifícios atualizados para trazer a obra para um novo público e, ao mesmo tempo, contemplar os fãs de longa data. Se não é tecnicamente uma remasterização, também não pretende se provar um remake. Talvez esteja mais para uma repaginação, uma revisão gráfica. A seguir, uma comparação do mesmo plano, nas duas opções onde passado e presente se encontram:
Todo esse esplendor técnico funciona de forma bastante confortável para as máquinas atuais. Rodando no Playstation 5, o jogo rodou a 4K em estáveis 60 frames por segundo, e houve um ou outro engasgo que não atrapalharam a experiência, principalmente quando em mais pessoas. Não há, contudo, qualquer utilização específica dos recursos do novo console e, principalmente, do DualSense, e tirando o fato do jogo carregar quase que imediatamente no início e nas transições, não há qualquer grande vantagem na experiência com o PS4 e o PS5. Ainda assim, a boa notícia é o cross-save que permite começar em uma plataforma e continuar na outra sem qualquer problema. A má é que não há cross-play, então se quiser jogar com amigos, será necessário estar na mesma plataforma que eles.
A mixagem de som também não traz grandes virtuosismos, mas não tem como deixar de citar que a dublagem para o nosso português brasileiro, tal como em Diablo III, traz muita personalidade ao game, tanto nas cenas de corte lindamente retrabalhadas, como também em diálogos comuns do dia-a-dia. A versão tupiniquim, como um todo, é um grande acerto, dos textos ao trabalho dos dubladores, e funciona muito bem em consonância com a sonoplastia para estabelecer uma ambientação invejável. Mesmo os resmungos e grunhidos das criaturas que vamos encontrando pelo caminho são tão bons como sempre foram, sem parecer simplórios ou repetitivos. De novo, espero não ser a nostalgia falando, mas o mundo de Diablo II: Resurrected continua tão imersivo e tenso como sempre.
Ainda que tenha (re)iniciado minha jornada assumindo o papel de uma feiticeira (algo que vocês conferem no vídeo que acompanha essa análise), relembrando os tempos menos compromissados, decidi depois investir na campanha utilizando o Necromante, uma das poucas opções que eu não havia explorado duas décadas atrás. Este era um desejo antigo, e resolvi realizá-lo já na minha primeira campanha completa com essa versão. Adaptado e confortável, pude explorar as boas nuances de uma jogabilidade que continua bastante atual mesmo para os padrões megalomaníacos dos dias atuais. Felizmente, o mapeamento de comandos para o controle está bastante confortável e também mantém tradições. Em tempos onde o modelo souls-like de combate se tornou um parâmetro importante, a configuração padrão (ainda que altamente customizável) se mostra muito eficiente para o esse tipo de jogo.
Por sua vez, o sistema de inventário demanda uma rápida readaptação e uma certa dose de paciência. Trocar de item não é das melhores soluções, e aplicar um elemento sobre outro (como pergaminhos de identificação ou um engaste em equipamentos compatíveis) poderia ser um pouco mais explícito. Para aqueles que adoram coletar coisas para vender depois, a gestão de espaço é um daqueles grandes desafios, já que cabe pouquíssima coisa e não é raro decidir voltar para o acampamento no meio da investida em uma dungeon só para esvaziar a carga e poder pegar mais coisas pelo caminho. Levar equipamentos reserva, ou mesmo armaduras para diferentes tipos de inimigos, significa abrir mão do loot (generoso, mesmo cheio de lixo em grande parte das vezes) que encontraremos pelo caminho. Até poções de cura e de recuperação de mana – que continuam ocupando um slot cada – devem ser contados para não deixar coisas boas (e caras) para trás.
Uma bela adição é poder contar com um baú mais generoso, com três sessões compartilhadas a mais para guardar as coisas que, a princípio, podem ser utilizadas mais tarde. Nesse caso, é sempre bom ter uma reserva caprichada de itens, como armaduras e armas, já que quando se morre em alguma missão, todos os itens equipados no momento também ficam com o cadáver, sendo necessário voltar lá, terminar o serviço e aí revistar o seu antigo “eu” para recuperar o que você tinha. Tudo isso, para os colecionistas ou precavidos, significa bastante trabalho para gerenciamento da sua coleção de itens. Se a gente estava mal acostumado e já reclamava dos limites em jogos como The Witcher III e Dragon Age; Inquisition, eles vão parecer bem generosos na comparação com Diablo II: Resurrected.
Outra coisa que me trouxe um olhar diferente pela perspectiva foi todo o resto da interface que trata das habilidades, movimentos especiais e atributos. Se na época tudo parecia bastante denso em termos de quantidade de informação, hoje a coisa muda de figura e o game se prova muito clean, mesmo quando temos equipamentos cheios de características especiais. Consultar o que uma coisa ou outra fazem, contra o que são mais eficientes ou quais são as suas fraquezas é algo bastante confortável. Claro que se você esquecer, como eu esqueci na minha primeira hora, de que abrir o inventário não pausa o jogo, pode se dar mal. Seja jogando sozinho e offline, seja acompanhado, tenha certeza de que está em algum lugar sem inimigos e tenha fé que os esqueletos que você conjurou não vão arrumar confusão ali do lado quando for cuidar do seu inventário.
Dividido em cinco atos, cada qual com suas missões principais bem definidas mas cuja exploração livre é não só possível como altamente recomendável, desde com cautela e bom senso para saber quais batalhas se deve lutar e quais podem ficar para depois, Diablo II: Resurrected está localizado diegeticamente pouco depois dos eventos do primeiro game. O famigerado Cramunhão foi enviado diretamente para as profundezas do sub-mundo, mas retorna agora acompanhado de Mephisto e Baal, seus irmãos. Pela nova aventura, nosso herói deverá percorrer ambientes labirínticos, como cavernas escuras, descampados infestados por criaturas das trevas, construções abandonadas e outros cenários clássicos de universos da fantasia sombria para derrotar tudo aquilo que ousar se mexer e libertar essas terras do mal para sempre – ou pelo menos até Diablo III começar…
A expansão Lord of Destruction, que no original complementava a experiência trazendo duas novas classes e uma quest totalmente nova contra Baal, está integrada aqui desde o princípio, então é bem possível que novatos passem pela experiência completa sem ter que se preocupar em buscar esse extra tão importante. Como conjunto, há uma campanha bastante intensa, que pode variar para algo em torno de 50 a 60 horas em uma primeira investida, mas que facilmente pode ultrapassar essa marca sobretudo para aventuras multiplayer ou para os entusiastas que vão querer saber como é desenvolver uma nova classe, por vezes até em paralelo.
O jogo, contudo, não carrega somente alguns aspectos conceituais do seu tempo. Certas mudanças pequenas em termos de acessibilidade (como auxílio para daltonismo) ou de suporte (como a coleta automática de ouro, ligada por definição mas que pode ser desativada, e o sinal gráfico que avisa quando um ataque errou o alvo) mostram que toda e qualquer rigidez conceitual tem lá seus limites. A janela original, no formato 4×3 dos monitores antigos, agora se adequam bem ao widescreen, ampliando muito o campo de alcance da visão, o que de certa forma evita surpresas e favorece uma abordagem com mais conhecimento de causa, mesmo que na maioria do tempo os cantos da tela estejam meio enevoados ou na penumbra.
Ao mesmo tempo, é um jogo pouco convidativo para iniciantes quando comparado à sua continuação, e é bem punitivo com descuidados. Basta investir mal os suados atributos conquistados ou explorar inadvertidamente lugares mais complicados para que aquela sensação de impotência bata forte na ousadia. Uma abordagem errada nas batalhas contra os chefes, principalmente os que lideram cada ato, e tudo pode parecer ridiculamente inalcançável. Diablo II: Resurrected faz algumas concessões, mas não deixa de ser desafiador.
Como adiantei no início do texto, é virtualmente impossível falar deste jogo sem compará-lo com a versão original e sem revisitar a experiência que tive ainda antes de completar meus 20 anos de idade. Mas não tenho dúvidas em afirmar também que independentemente da minha vivência, o jogo é sim um dos marcos da indústria, um dungeon crawler que definiu o gênero e estabeleceu, ao sedimentar o que o primeiro tinha trazido, todas as bases que são regra na indústria até hoje. Quando você ouvir falar de que um jogo “é tipo um Diablo”, é desse Diablo que se está falando. Sim, gosto muito do que fizeram no terceiro jogo e não sou daqueles que fogem das mudanças conceituais ou estéticas, mas ainda assim espero que o vindouro Diablo IV consiga resgatar tudo o que de melhor a franquia tem a oferecer. E 80% desses elementos estão aqui, em Diablo II, ainda melhores na versão Resurrected.
Jogo analisado no PS5 com código forncedido pela Blizzard Entertainment.
Veredito
Diablo II: Resurrected traz de volta, 21 anos depois, todas as melhores qualidades de um dos maiores clássicos de todos os tempos, aquele que estabeleceu os padrões do gênero. Enquanto atualiza questões artísticas para os padrões atuais, mantém a essência tanto da jogabilidade quanto do design, e mesmo depois desse tempo todo, continua incrível.
Veredict
Diablo II: Resurrected brings back, 21 years later, all the best qualities of one of the greatest classics of all time, the one that set the standards for the genre. While updating artistic issues to today’s standards, it retains the essence of both gameplay and design, and even after all this time, it is still amazing.