Destiny 2: The Final Shape – Review

Lá se vão mais de sete anos desde o lançamento original da versão base de Destiny 2, um dos projetos, no que tange o conceito de longevidade, mais ousados da história desta indústria vital e, agora podemos dizer com tranquilidade, um dos mais bem sucedidos também. Durante todo esse tempo, que nem parece ser tanto assim, muitas coisas aconteceram dentro e fora do game, como a aquisição, por parte da Sony, da Bungie, desenvolvedora da franquia Destiny e berço histórico de Halo;  várias expansões e temporadas; polêmicas sobre monetização e uma série de eventos que deixou para trás muitos entusiastas iniciais, e que carregou no colo outros tantos até o presente momento.

Se nos últimos tempos, A Bruxa-Rainha revitalizou muito do interesse do público – eu incluso – na saga futurista, A Queda da Luz trouxe sensações um pouco mais divididas. Seria então A Forma Final (ou The Final Shape, na versão original gringa), alardeada como a última grande expansão do game, um fechamento digno ou o símbolo do esgotamento do projeto? Esta análise está ainda no começo, mas já posso me adiantar ao dizer que, felizmente, esta é a apoteose de toda a jornada, o clímax merecido para a eterna batalha entre a Luz e a Treva. Destiny 2: A Forma Final é uma das melhores expansões do jogo e, ouso dizer, aquela que mais me envolveu em termos de narrativa, gameplay e ambientação.

Talvez o maior mérito da iteração anterior tenha sido firmar a grande e verdadeira ameaça do universo tal como o conhecemos, uma entidade visualmente incrível conhecido como A Testemunha. Se considerarmos estas três últimas grandes DLCs como uma trilogia, foi o episódio do meio que não pode levar as coisas para muito adiante, mas que aprofunda relações, relacionamentos e os verdadeiros perigos, a noite mais escura antes do amanhecer. Agora, começamos exatamente de onde havíamos parado, com essa figura sombria invadindo o corpo sem vida do Viajante, fonte de todo o poder que configurou a Luz e uma espécie de divindade palpável, por assim dizer.

Seu objetivo deturpado é dar fim a tudo aquilo que considera falível e imperfeito, e acabando com a entropia do mundo, ele chegaria ao que chamou, essencialmente, de a forma final, estabelecido no tempo e no espaço com a beleza imutável que preservaria eternamente a essência de tudo e de todos, em seus medos, orgulhos, agonias e deleites. Passado e futuro se misturam no processo que eleva a dimensão do tempo para o centro de toda a existência, e mesmo se configurando como a mais maniqueísta de todas as narrativas, faz de Destiny 2 uma grande jornada não em busca do poder absoluto, mas de uma verdade inconveniente.

Se não reinventa a roda, toda a estrutura narrativa deste arco final é bastante satisfatória, mas há um efeito Lost (aquela série marcante em todos os aspectos) a se considerar, porque ao trabalhar com metáforas de todas as naturezas, o jogo jamais parece disposto a entregar respostas objetivas, sonegando informações que importam muito para uma parcela significativa dos fãs. Algumas questões, como o destino de certos personagens vivos ou mortos, tem sim um final quase definitivo, ainda que nem sempre satisfaça ao que imaginamos ao longo desses anos todos. Outras indagações, entretanto, sobretudo aquelas que beiram o existencialismo, continuam abertas à interpretação, o que pode irritar muita gente. Como sou daqueles que prefere uma ótima dúvida à uma resposta medíocre, não saber de tudo jamais me incomodou, mas se você espera que esta última parte entregue algo similar a um Velho Testamento desse universo, creio que ficará decepcionado, porque o objetivo parece ser a de nos fazer refletir, não concluir.

Ao contrário, portanto, de se estabelecer como mais um capítulo em uma trajetória linear de ascensão do nosso guardião e das suas relações com toda a organização da qual faz parte, há aqui um movimento de convergência daquilo que foi visto, que foi vivenciado, diminuindo o escopo da ação e a restringindo a um novo e magnífico lugar, mas nem por isso lhe dando menos importância e relevância. Ao contrário, a sensação permanente é que tudo o que foi vivido até ali foi exatamente o que deveria acontecer para que estivéssemos no lugar certo, no momento exato. O destaque, mais uma vez, recai na gravidade da construção de uma campanha muito bem articulada que potencializa seus co-protagonistas escanteados, lhes dando o fechamento digno que eles tanto merecem.

O modo com que cada um deles é incorporado à trama funciona muito bem pelo design de roteiro e de ambiente, completamente coesos em si. A sensação de que tudo sempre parecia uma marmita requentada com as sobras do que tinha vindo antes se quebra quando encontramos uma série de novos inimigos que finalmente fogem do sentimento de serem skins para os mesmos arquétipos originais lá do primeiro game, cada qual com comportamento e dinâmica originais, um respiro de novidade que há tempos eu não sentia, mesmo nos melhores momentos dos últimos cinco anos. Soma-se a isso o bom desenho de enigmas e quebra-cabeças, o uso interessante de mecanismos e interruptores e a estrutura menos óbvia de cada fase, e tudo carrega o frescor que muitos estavam esperando como desculpa para voltar a esse mundo incrível.

Aliás, a estratégia de atração para esse final glorioso foi muito bem traçada pela própria Sony aos seus jogadores, ao oferecer as duas grandes expansões anteriores na PSN Plus Essentials nestes meses que antecederam A Forma Final, possibilitando que todos os seus assinantes pudessem se atualizar e chegar empolgados ao ponto onde estamos. Porém, se parte do público não tem a paciência ou o desejo de mexer com esse vespeiro anterior, também não há problemas, porque ao adentrar esta parte final, toda a luz de nosso guardião é elevada automaticamente para os 1900 pontos, deixando todo mundo partindo novamente do mesmo patamar. Claro que o investimento de tempo para melhorar armamentos e armadura tem suas vantagens, com adições de modificações ainda valendo bastante, mas esse nivelamento ajuda novatos e veteranos sem distinção.

Soma-se este alinhamento à adoção de uma nova sub-classe chamada de Prismática, que une Luz e Treva em uma potente mistura com suas vantagens diante novas formas inimigas, sendo necessária inclusive para quebrar escudos especiais ou abrir portões, e em menos de uma hora, nosso modo de jogar pode estar completamente diferente do que estava sedimentado nas missões que antecederam tudo isso. Eu mesmo até aproveitei do poder do Filamento que é central em A Queda da Luz, mas continuei fiel ao meu poder solar, a qual uso por anos. Desta vez, me rendi aos benefícios, ora obrigatórios, ora convenientes, desta novidade. Tal como feito no aspecto de história, a convergência também atinge o uso de poderes e habilidades para um ponto de equilíbrio, onde o novo ressignifica o velho, onde o que vem no final transforma o início em uma outra coisa, algo que deveria ser o princípio básico do conceito de expansão, mas nem sempre o é.

Ao nos levar para um ambiente totalmente novo e desconexo de um pretenso – ainda que relativo – realismo, há também uma liberdade maior em ousar com formas, cores e sentimentos. Diferente do urbanismo futurista de A Queda da Luz ou da aridez industrial dos planetas e corpos celestes do sistema solar visitados anteriormente, tudo aqui trabalha muito bem com o contraste, com a antítese entre o claro e o escuro, entre a luz e a escuridão. Se os limites da realidade estão colocados em perspectiva logo no final da introdução desta nova campanha, o impalpável se torna tátil, se liberta da sisudez do mundo tal como o conhecemos, aquele sujo permeado por metal retorcido e estruturas decadentes, e nos entrega paisagens dignas de algumas visões do paraíso.

Montanhas, campos verdejantes e cidades reluzentes se contrapõem a cavernas assustadoras, masmorras corrompidas e cenários desolados, sem qualquer economia na saturação ou na intensidade das texturas grudentas. Efeitos de iluminação, partículas e outros artifícios pirotécnicos ganham um novo alcance, uma nova vida, mesmo quando a morte é o tema. Desconsiderando uma ou outra parede em definição questionável, o design das construções é inegavelmente belo, tão detalhado quanto o visual dos novos adversários que estão ainda mais violentos, alguns até mais inteligentes. Ainda não faltarão aqueles chefes e sub-chefes meio burros que se comportam como esponjas de balas, algo que não foge do padrão conhecido, mas outros se apoderam de estratégias um pouco mais sofisticadas para nos emboscar.

Por outro lado, a jogabilidade continua a mesma, à exceção, claro, de algumas passagens onde poderes e habilidades novas se fazem presentes. Nada mais justo, já que não tenho qualquer receio em afirmar ser este o jogo com as melhores e mais divertidas mecânicas de tiro em primeira pessoa desde… bom, desde sempre. Eu ainda mantenho as minhas armas mais poderosas comigo, graças ao sistema de aperfeiçoamento constante, mas esta foi a campanha onde mais me permiti estudar equipamentos distintos dos que eu gosto, como arcos, espadas e equipamentos elementais. O modelo de progressão e melhoria é excepcional desde sempre, montado sobre uma base quase perfeita para o que o jogo se propõe, e mesmo o gerenciamento mais burocrático funciona bem. Equipar itens, acionar mods, ganhar pontinhos a mais, trabalhar com estatísticas continua sendo algo muito eficiente.

Destiny 2: A Forma Final, em resumo, consegue resgatar o que de mais sedutor há neste universo construído sobre grandes promessas. Experiências com esta mesma ganância surgem quase todos os dias, e não é raro ouvir anúncios alardeando “um novo Destiny”, mas são poucos que chegaram perto dos mesmos resultados. Por mais que algumas destas obras alcancem o relativo sucesso que merecem, a comparação é quase injusta com qualquer um que se meta a competir com um dos maiores fenômenos do nosso tempo. Mesmo assim, é fato que muita gente abandonou o barco desde o princípio por uma infinidades de motivos, e sejamos sinceros que o modelo de monetização do jogo não é dos mais populares, e os tropeços pouco inspirados no meio do caminho também ajudaram pouco a manter o hype gigantesco que a qualidade essencial do jogo levantou.

Olhando em retrospectiva, a construção modular do jogo, com acertos e erros, nos trouxe até um ponto até então inigualável seja qual o perfil do jogador a ser atingido. Para os adeptos do jogo solo, do single player raiz, exceto pelo fato de que é necessário estar conectado 100% do tempo (o que tem falhado mais do que de costume desde o lançamento desta expansão, diga-se de passagem), toda a campanha linear é um verdadeiro espetáculo de eventos e ações. Não sei se conseguiria contabilizar agora, mas na soma das partes, temos um jogo que supera, do início ao fim, as 60 horas só seguindo as missões principais, sem contar incursões, assaltos, patrulhas e tarefas recomendadas ao jogo multiplayer. Jogando parte sozinho e parte acompanhado, não senti perder tempo em nenhum dos dois casos, e eu realmente estava me divertindo dos dois jeitos.

Para quem se dedica ao Crisol e aos outros espaços realmente compartilhados, incluindo o inferno que é encarar as incursões mesmo com uma equipe realmente preparada, o balanceamento do jogo nem sempre esteve no auge, mas transitou no espectro de excelência na maior parte do tempo. Aqui, parece ter atingido o ápice, o que significa que se este parece ser o ponto final no que se refere à história, a vida útil do jogo deve se estender por muito tempo ainda, e certamente novidades de temporada, como novas armas exóticas e missões especiais vão esquentar as coisas, papel que o espaço chamado de The Pale Heart se presta, com deleite. Jogar com mais gente, sejam amigos ou desconhecidos, é parte inerente de um MMO de respeito, mas Destiny sempre se destacou por fazer isso com mais naturalidade do que a média do mercado antes e depois dele.

Com uma campanha sólida, bem amarrada e coerente com tudo o que foi contado antes, esta expansão fecha a saga com uma bela chave lendária de ouro. Ao mesmo tempo, ousa visualmente para além de tudo o que tinha feito antes, e aproveita das melhores potencialidades da nova geração para apresentar cenários maravilhosos, efeitos visuais incríveis e batalhas campais absurdamente lotadas com pouca ou nenhuma queda perceptível de desempenho. Mantendo uma base próxima da perfeição no que se refere ao gameplay, o estágio atual do jogo é de puro êxtase, e não há dúvidas em dizer que agora, com A Forma Final, Destiny 2 se torna, enquanto produto unificado, aquilo que era destinado a ser desde o princípio.

Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Bungie.