Análises

Destino Indomable – Review

A dramaturgia da telenovela é um dos maiores patrimônios culturais da américa latina. Se não é exatamente o gênero televisivo mais adorado por todos, é fato que uma parcela significativa de nós cresceu e foi formado audiovisualmente pelo formato.

Seja com o conteúdo genuinamente brasileiro, digno de exportação para o mundo há décadas, seja o de origem na parte que habla espanhol do nosso continente, principalmente do México, a tradição do folhetim diário foi (e ainda permanece) parte do cotidiano de milhões de pessoas neste nosso país.

Traduzir e distribuir algo do tipo para outra mídia moderna é um verdadeiro desafio, e mesmo os modelos de distribuição por streaming ainda estão tateando os melhores modos de fazer isso. Para os meios interativos, pouco se explorou do poder de engajamento que a novela propõe, e Destino Indomable, produzida pelas Megalixir Games e RCK Games e distribuído pela JanduSoft, é uma das primeiras experiências em formato visual novel a se aventurar por estes caminhos.

O próprio título do projeto já é muito feliz em emular a essência melodramática de uma ótima novela, algo que é acompanhado pela estrutura narrativa baseada nos mais tradicionais arquétipos que se encontram em uma boa produção do tipo, a começar pela protagonista customizável, uma jovem sonhadora, simples, mas espirituosa e ousada.

A base da história está, porém, no elenco de apoio, que nos apresenta elementos altamente reconhecíveis em um amontoado de clichês esperados e necessários. Há o bonitão rico, o galã bruto, a megera requintada, a empregada boazinha, o núcleo familiar acolhedor e, claro, o pet adorável, todos envoltos em uma situação cotidiana que transforma a vida sem graça da heroína de uma forma irreversível.

A jovem atriz que assumimos interpreta uma personagem comum – a minha se chama Giovanna Manoella, um ótimo nome composto, diga-se de passagem – que encontra trabalho na fazenda de uma família rica e poderosa e acaba se envolvendo em confusões inesperadas enquanto tenta entender seu coração dividido entre o dever com a família e seus novos amores.

Misteriosos assassinatos, fofocas para todos os lados e um irresistível triângulo amoroso são só os primeiros elementos com os quais jogadores terão que se defrontar, e não há dúvidas de que os produtores não só conhecem o formato como o apreciam em todos os seus meandros deliciosamente exagerados.

Mas não é só na diegese que Destino Indomable emula toda a aura das telenovelas. Entre um episódio e outro – o jogo é dividido em capítulos, como é de se esperar – também acompanhamos os bastidores da produção, com direito a diretor dando piti atrás de piti, e uma relação complicada entre membros do elenco onde realidade e ficção se misturam.

Estes entreveros de bastidores acabam nos retirando da imersão no plot ficcional, mas nos oferecem em troca toda a satisfação voyeurística dos babados do mundo das sub-celebridades que tanto povoam os programas vespertinos da TV aberta aqui no mundo real. É como ser um pouco de Léo Dias entre um bloco e outro da trama.  

Por limitações várias, uma das falhas de Destino Indomable é a falta de núcleos dramáticos distintos e de uma montagem paralela mais complexa. Uma boa novela tem várias situações ocorrendo ao mesmo tempo, mas aqui tudo o que acontece gira em torno da presença da personagem principal em poucos locais. Nada parece estar acontecendo se ela não estiver por perto.

Ainda assim, tudo isso nos é apresentado em um formato narrativo bastante reconhecível para os veteranos de produções interativas como os visual novels orientais, mas com um certo tempero latino. E é aqui onde a produção tem seus momentos de destaque, mas também algumas de suas fragilidades mais evidentes.

O texto é fiel ao que se espera de uma produção do tipo, com diálogos superlativos, muitos pensamentos intrusivos da nossa protagonista e um belo dramalhão, mas por vezes se arrasta para além do necessário em certas conversas que agregam pouco ao geral. Em grande parte das oportunidades, há um bom desenvolvimento de personagens, mas em outras, a repetição de expressões torna o desenvolvimento da história algo enfadonho.

Destaque positivo para grande parte das escolhas de resposta que influenciam tanto nos relacionamentos de nossa protagonista, que vez ou outra ainda nos dá a chance de usar o bom e velho tapa na cara como recurso de comunicação, quanto na avaliação externa do show, e basicamente quanto mais barraco, melhor seu público responde.

A se lamentar neste aspecto narrativo está a imperdoável inexistência da localização para o nosso português brasileiro. Com o espanhol e o inglês como idiomas disponíveis, é realmente uma pena não termos o Brasil, um dos maiores consumidores mundiais do formato, como foco na tradução do texto, que aqui é fundamental para um mínimo aproveitamento do produto. Sem compreender um dos idiomas disponíveis, este jogo é imprestável.

Até porque os demais aspectos não trazem grandes inovações técnicas, tampouco estéticas. As ilustrações se apropriam de uma aparência do mangá oriental na composição de personagens, e há um bom trabalho de caracterização e expressividade, mas pouco esmero em animações ou elementos gráficos mais sofisticados.

A Fazenda Montenegro de la Vega, principal palco da história, tem uma boa variedade de cenários, mas poucos deles interessantes de verdade, exceto por um ou outro ambiente externo. Mas o que mais fica evidente é uma composição entre fundo e personagens pouco coesa não só em traço, como também em pertencimento. Visualmente é esquisito e, na maioria das vezes, desconfortável.

Ainda que não fuja do que já conhecemos do formato dos romances visuais, grande parte das atuações superlativas e da construção da dramédia de uma boa novela está na sua direção, com enquadramentos cafonas, movimentos escandalosos e efeitos grosseiros, algo que Destino Indomable não consegue emular.

A interface do jogo também é bastante pobre, com poucas ferramentas de ganho de qualidade de vida e uso primário de cores. Design e diagramação parecem desconexos e feitos independentemente das outras partes do projeto. Trocando em miúdos, artisticamente o jogo parece aquele trabalho feito por várias pessoas boas independentes umas das outras e juntado no último dia para entrega.

Pelo aspecto sonoro, o jogo não é falado em seus diálogos, restringindo-se a algumas poucas e repetitivas expressões em um espanhol desajeitado e afetado, o que funciona para a ambientação nas primeiras horas, mas cansa da metade pra frente.

 Efeitos e ruídos são escassos, e a mixagem é salva por uma trilha que se não é brilhante, é ao menos competente em cumprir o que se espera dela. Mas não espere que aqueles temas arrebatadores de novelas, que sobem o volume em pontos dramáticos ou cenas românticas, estejam presentes como estamos acostumados. 

Destino Indomable é uma grande homenagem ao dramalhão mexicano raiz, com todos os clichês deliciosos que uma produção dessas necessita, evidenciando todo o envolvimento passional de seus autores. Contudo, acaba falhando em alguns quesitos essenciais para que funcione para o público que se interessaria pelo jogo.

Com uma interação adequada ao gênero, a trama cansativa se sustenta pouco pelo tempo que propõe em sua campanha – uma dezena de horas ou pouco menos – e as escolhas, por mais divertidas que possam ser quando tem dentre elas um tapa, também se provam espaçadas, banais e quase protocolares na maioria das oportunidades.

Sem todos os recursos tradicionais da linguagem audiovisual, o que sobra são estereótipos cômicos, fofocas e alguns pontos mais dramáticos, algo que funciona para um visual novel de escopo mais tímido mais do que para uma telenovela, que por natureza, mesmo quando há pouco investimento, precisa ser extravagante e expansiva.

Como um fã confesso da farofice de uma boa telenovela e de experiências narrativas interativas, confesso que me frustrei mais do que esperava, mesmo compreendendo a dimensão mais tímida desta produção. Ela parece bem intencionada, mas lhe falta mais ousadia para assumir de vez a breguice escandalosa inerente ao que se propõe a fazer.

Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela JanduSoft.

Veredito

Com a louvável ousadia em misturar o formato das visual novels com a linguagem da telenovela latina, Destino Indomable tem uma ideia apaixonada limitada por todas as travas do gênero e da falta de recursos diegéticos que poderiam explorar tudo o que de melhor e mais cafona há neste gênero tão reconhecível sobretudo para nós que crescemos vendo estas produções na TV diariamente.

60

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