Demon Gaze

Demon Gaze é um jogo cruel que deixa o jogador numa situação desconfortável o tempo todo. Ele já começa com o protagonista acordando dentro de um labirinto e tendo que escapar de lá. A perspectiva é em primeira pessoa e o cenário é dividido em quadrados: a cada passo dado, avança-se um quadrado. Alguns barulhos são ouvidos, mas nenhuma ameaça concreta se apresenta.

Ao sair do labirinto, entretanto, um demônio se manifesta e ataca. Mesmo sem saber direito o que fazer, o protagonista vence e, com a ajuda de uma estranha, consegue aprisionar a alma do inimigo, que pode ser usada em futuras batalhas, graças a um poder raro de que o personagem dispõe. Toda essa sequência, embora comece de forma a desnortear o jogador, termina de forma que ele tenha uma sensação de segurança. Falsa, é claro.

Daí em diante o protagonista, que não tem memória, perceberá que está num hotel. Este hotel é habitado por mercenários que buscam riquezas, em um reino destruído e assombrado por demônios. A sobrevivência nesse mundo depende de duas coisas: o fim dos demônios e o dinheiro, e um depende muito do outro.

A necessidade de acumular riquezas em Demon Gaze é algo assustador. O jogador precisa sempre ter em vista os inúmeros gastos implicados na sua progressão. O principal elemento em jogo nesse assunto são as dinâmicas do próprio hotel: toda vez que o jogador volta de uma exploração para recuperar seu HP e comprar itens, é descontado automaticamente o valor de um aluguel, que não é barato e que aumenta a cada saída; fora isso, para adicionar um membro a sua party, é preciso alugar mais um quarto, o que, consequentemente, eleva a taxa a pagar a cada retorno. Além das despesas com o hotel, existem também os itens e equipamentos superiores, que são extremamente caros no início.

O acúmulo de riquezas pode não parecer algo extremo, porém, quando o jogador vence o primeiro inimigo e ganha apenas duas unidades de ouro, é inevitável começar a se preocupar com dinheiro. Mesmo equipamentos inúteis são essenciais em Demon Gaze, porque eles podem ser vendidos para acumular o suficiente e obter uma nova arma ou um item de recuperação importante.

Essa escassez de dinheiro influencia diretamente a forma como o jogador explora os labirintos, pois ele vai se obrigar a ficar lá o máximo de tempo possível e avançar o quanto puder, pois a cada retorno precisará ceder uma boa parte do que foi coletado. Por conta disso, o jogo se torna mais desafiador do que seria caso fosse razoável explorar aos poucos e voltar à base quantas vezes quisesse.

Felizmente, há diversos pontos de salvamento dentro dos labirintos. Em cada um deles há um determinado número de demon circles, que é o local onde se pode jogar gemas específicas que invocam inimigos e que também determinam os itens que serão obtidos com a derrota dos monstros. Há, por exemplo, gemas de armas pesadas, de espadas, de escudos, de capacetes, etc.

Quando se derrota o monstro que sai do demon circle, este vira território inofensivo e pode ser usado para salvar. Entretanto, mais ou menos sem aviso, um determinado demon circle conterá o demônio que comanda o labirinto. Geralmente ele aparecerá quando metade dos demon circles tiver sido dominada, mas não há padrão fixo, o que complica o planejamento do jogador.

Seu primeiro encontro com o demônio de um labirinto será brutal, muito mais desafiador do que os inimigos que povoam o lugar. No primeiro labirinto, por exemplo, é abismal a diferença de dificuldade, mostrando como a captura do primeiro demônio foi um tutorial para lá de fácil.

Ao vencer o demônio, o jogador ficará livre para dominar os outros demon circles. Após ter liberado todos, será aberta a possibilidade de enfrentar o chefe de novo, mas agora em uma nova forma, bem mais forte. Se o jogador não tiver a paciência de explorar livremente todos os pontos do labirinto e evoluir sua party, a derrota será imediata. Como um bom jogo de turnos, a habilidade conta apenas até determinado ponto.

Por conta disso, Demon Gaze é um jogo que exige paciência, e certamente afastará jogadores apressados e interessados numa experiência mais tranquila. É preciso se preocupar com muitas coisas e, ao mesmo tempo, não sucumbir à pressão que elas exercem. Se o jogador souber entrar no ritmo do game e gostar desse estilo, toda essa tensão é recompensadora e nota-se, ao longo do jogo, um grande capricho para que a experiência como um todo seja algo agradável, especialmente nos labirintos.

Os labirintos são vastos e complexos, exigindo planejamento na exploração, porém, nunca são exatamente difíceis de navegar, graças à ajuda de um mapa bastante explicativo. E, mesmo quando é preciso encontrar algum segredo, outros jogadores podem deixar recados com dicas, como acontece em Demon’s Souls. A taxa de encontros aleatórios é bastante razoável, dando espaço para explorar sem medo.

Embora a variedade de inimigos não seja das maiores, as batalhas não enjoam, pois têm sempre um fator cerebral, de planejamento, tendo em vista os diversos elementos que as compõem. O primeiro é a administração da sua party: no jogo, como já dito, é preciso investir grande dinheiro para expandir sua equipe para até cinco guerreiros. Tendo o dinheiro, o jogador tem liberdade total para criar o novo personagem, escolhendo entre várias opções de visual e voz, além de poder determinar a sua raça e classe, o que influencia suas habilidades especiais.

Quando algum membro passa de nível, é possível determinar qual status será evoluído e a escolha de equipamentos para cada um é bastante vasta e livre. Assim, há muita liberdade na criação da party e, consequentemente, é preciso ter consciência das escolhas que se faz, de modo a criar um grupo forte e balanceado.

O segundo elemento importante a se considerar é o sistema de posições em batalha. Durante a luta, os personagens podem se colocar em até quatro níveis de distância, sendo que isso afeta as possibilidades de ação: guerreiros com armas de curto alcance precisam estar na primeira posição, enquanto magos e guerreiros com armas de longo alcance podem ocupar posições mais distantes. O mesmo vale para os inimigos, que podem aparecer em enormes quantidades, mas divididos em posições e frequentemente trocando para pouparem-se.

Por fim, o terceiro elemento a se considerar é como usar seus demônios. Tendo capturado um demônio, o jogador poderá usá-lo em batalha. Além de renderem status únicos na exploração dos labirintos, eles são fundamentais em batalha e agem como um membro da party, mas com maior liberdade de ação, já que você não controla todos os seus movimentos. Para que eles sejam efetivos em batalha, o jogador precisa ficar atento ao seu demon gauge. Cada ação do demônio consome pontos do demon gauge que, ao zerar, faz com que o demônio se liberte e passe a atacar sua party. Por tudo isso, embora haja opções para atacar automaticamente, nenhuma luta deve ser tomada como simples.

Durante as batalhas, e também nos momentos em que se está no hotel, Demon Gaze adota a primeira pessoa e investe em animações mínimas, predominando quadros estáticos, que, por sinal, são de muito boa qualidade visual e têm uma identidade própria. Movimentos nas batalhas são mais ou menos subentendidos ou explicados com texto. O mesmo vale para a interação com os personagens: movimentos bruscos são apenas explicados textualmente.

Ainda sobre os personagens de Demon Gaze, o jogador perceberá que, contrastando com a jogabilidade tensa, o tom do jogo é bastante leve, com personagens bem divertidos e constantes piadas tolas sobre sexualidade e roupas íntimas. É um humor mais típico de anime, e certamente não é para todos os públicos.

Por fim, cabe destacar que a trilha sonora, embora não prime pela variedade, é de alta qualidade e embala com graciosidade e empolgação os diversos momentos do jogo. A dublagem também é de bom nível, tanto sua versão em inglês quanto em japonês.

Jogo analisado com código fornecido pela NIS America.