Se você fechar os olhos e tentar adivinhar a qual gênero um determinado jogo indie pertence, há uma possibilidade considerável do seu “chute” ser um roguelike. E uma chance não insignificante de você estar certo. Afinal, se você já vai se arriscar, pelo menos o jogo precisa ser algo com os quais os potenciais jogadores já estão acostumados.
Com a crescente democratização das lojas digitais e o “boom” de jogos independentes, ele facilmente se consolidou como um dos mais comuns entre os jogos feitos por intrépidos desenvolvedores tentando a sorte para se destacar entre as dezenas de títulos lançados todas as semanas.
É algo que faz bastante sentido, afinal, que torna roguelikes tão fascinantes é a aparente simplicidade de gameplay que se torna muito mais profunda graças ao constante desafio e os elementos de aleatoriedade sob a qual a versão moderna do gênero se pauta. Afinal, dificuldade, erro e aprendizado são alguns dos elementos mais clássicos e importantes dos videogames.
É natural então que o estúdio brasileiro Mad Mimic tenha o escolhido para servir de base ao seu novo jogo, se valendo de uma ambientação um tanto quanto rara nos videogames, mas bastante presente no imaginário popular, o mundo dos mágicos e ilusionistas, para colocar nas mãos dos jogadores o desafiador e estiloso Dandy Ace.
O jogador assume o controle do protagonista, Dandy Ace, um talentoso ilusionista que é aprisionado em um palácio mágico dentro de um espelho por um rival invejoso. Cabe a Ace usar suas cartas mágicas para escapar do palácio, o que ele só poderá fazer ao derrotar seu rival. É claro, para conseguir fazer isso, Ace precisará derrotar centenas de inimigos em seu caminho, incluindo chefes poderosos e todo tipo de armadilha espalhada pelas diferentes regiões ali presentes.
Se você for derrotado, Ace retorna a entrada do palácio e precisará fazer todo o percurso do zero, conservando quase nada da sua jornada anterior. Felizmente, ele não está sozinho no palácio, já que suas duas assistentes, as irmãs Jolly Jolly e Jenny Jenny, também estão por lá, além de um coelho contrabandista chamado Nnif.
É através desses personagens que os elementos de roguelike de Dandy Ace vão se mostrando. Ao invés de começar toda jornada completamente do zero, o jogador vai adquirindo cristais ao derrotar certos inimigos e pode usá-los para desbloquear melhorias permanentes com a Jolly Jolly.
Essas melhorias vão de itens de cura que ficam à sua disposição, passando por novas cartas que aparecem aleatoriamente, a possibilidade de modificar as suas cartas iniciais e novos equipamentos (os quais podem ser equipados com a Jenny Jenny). Esses mesmos cristais podem também ser gastos com o Nnif para ter acesso a upgrades especiais (mas bem mais caros e só disponíveis após batalhas contra chefes). No entanto, caso você morra antes de gastá-los, você perderá todos os cristais atualmente em sua posse.
Dandy Ace é bem leniente com o jogador no que se refere aos cristais, já que você aos poucos pode ir preenchendo as barras, sem a necessidade de ter o exato número necessário para liberar aquela melhoria. Isso faz com que, mesmo em runs mais curtas, você esteja sempre progredindo e mais próximo de liberar algo que pode facilitar a sua vida em runs seguintes.
Isso se torna bastante importante já que, salvo pelas chaves especiais espalhadas pelo mapa, essas melhorias são as únicas coisas que você desbloqueia permanentemente no jogo e, ainda assim, grande parte delas é uma mera chance aleatória de conquistar aquilo. Cartas melhores, em especial, tem um considerável elemento de aleatoriedade, já que você não só precisa ter a sorte de achar o diagrama para elas, mas também ter a sorte delas aparecerem durante uma jornada.
Os diagramas não possuem muita lógica por trás de suas aparições, normalmente surgindo após derrotar novos tipos de inimigos. Eles desbloqueiam a possibilidade de ir desbloqueando aquelas cartas e acessórios com Jolly Jolly e há uma quantidade enorme deles presentes.
Os acessórios, aliás, é importante apontar que também possuem um impacto considerável nas suas runs. Eles costumam dar melhorias como aumento de dano, maior resistência a certos tipos de ataque ou a possibilidade de usar o chá de cura mais de uma vez. Eles são bem úteis, mas há um limite de três equipamentos por jornada.
Um dos elementos de maior sucesso de Dandy Ace é a ambientação e os personagens. O jogo conta com um humor incrível, sendo extremamente bem escrito (tanto em inglês quanto em inglês) e, apesar de não ser o elemento mais importante do jogo, é algo que realmente merece ser elogiado. As interjeições do narrador são sempre capazes de tirar uma gargalhada e cada novo diálogo com os personagens precisa ser lido.
É uma pena, no entanto, que a narrativa seja afetada pela única decisão completamente injustificável adotada por Dandy Ace: o elenco de dublagem brasileiro. O jogo conta com vozes em inglês (com um trabalho primoroso) e em português mas, infelizmente, em nosso idioma nativo, o estúdio optou por trazer vozes famosas ao invés de dubladores experientes.
A lista de youtubers chamados para emprestar suas vozes para o elenco de personagens de Dandy Ace é impressionante, mas a fama deles não é suficiente para esconder o fato de que poucos (se algum deles) possui experiência com a arte da dublagem. Junte a isso a péssima qualidade do áudio de algumas das vozes e o que parece ter sido feito com boas intenções, acaba saindo pela culatra.
Esse é o único elemento de Dandy Ace que precisa ser criticado já que, no ponto que deixamos por último, é onde o jogo mais se destaca. O combate e exploração do jogo, elementos tão importantes para um roguelike, são feitos com primor. Tudo é feito com uma simplicidade que impressiona pelo quão bem funciona e pelo quão profundo consegue ser.
Cada nova área é gerada aleatoriamente, com as saídas, inimigos e localização de lojas espalhadas pelo mapa dessa forma. Alguns locais ficam bloqueados por chaves coloridas e dão acesso a diferentes biomas dentro do espelho/palácio, sendo necessário primeiro achar essas chaves para depois poder abrir esses locais quando quiser (se você achar em uma jornada, ela fica eternamente contigo).
O mais importante é que, ao longo da exploração, você encontrará novas cartas que podem ser equipadas e usadas em combate. Existem três tipos distintos, codificados pelas suas cores. Cartas rosas são as habilidades normais de ataque; cartas azuis são habilidades de movimentação; e cartas amarelas são habilidades de controle de multidão.
Você poderá ter sempre equipados até 4 cartas ao mesmo tempo, com cada habilidade ficando mapeada para um dos botões de face (X, quadrado, triângulo e círculo). Além disso, é possível equipar uma carta a uma das cartas ativas, dando um “efeito” especial àquela habilidade e mudando um pouco o seu funcionamento.
Isso significa que enquanto a habilidade padrão de ataque é arremessar cinco cartas que causam um pouco de dano mas tem um cooldown bem curto, você pode equipar cartas secundárias que aumentam o dano ou causam dano de veneno ou fogo, por exemplo. Sua habilidade de movimentação pode, além de te teletransportar, deixar uma área que causa dano prolongado aos inimigos.
Cada carta possui ainda um nível e, à medida que você vai avançando, é necessário ir substituindo-as por cartas melhores. Isso acaba te forçando a testar novas cartas que você ainda não conhece e dão um elemento bem divertido de rotatividade ao seu arsenal. Cartas vão aparecendo quando você derrota inimigos, em baús espalhados pelo mapa ou em lojas que existem em cada área e podem ser compradas com ouro adquirido derrotando adversários (e que é zerado ao morrer).
Claro, como todo bom roguelike, a cada nova jornada o seu arsenal é zerado e você começará apenas com 3 cartas. À medida que você avança pelas melhorias da Jolly Jolly você poderá tornar a seleção de cartas aleatórias e aumentar a força delas, o que torna ainda mais única cada nova jornada pelo jogo.
Um último ponto que precisa ser dito sobre o combate é que ele não é difícil por combates contra inimigos únicos, mas porque quase sempre você enfrentará hordas volumosas, capazes de encurralar e vencer desta forma. Isso te força a aprender a usar sabiamente suas habilidades de controle de área e esquiva, já que você muito raramente será capaz de atravessar essas horas simplesmente spammando ataques simples.
Por fim, é necessário apontar que Dandy Ace tem um outro ponto fortíssimo à seu favor: o seu preço. Em um período em que jogos ficam cada vez mais caros e o acesso a eles no lançamento é cada vez mais seletivo, a Mad Mimic lançou o jogo na PS Store brasileira por R$48,50, preço muito inferior ao que estamos acostumados a ver para jogos independentes na mesma faixa de preço lá fora (US$19,99, que costumam chegar aqui por mais de R$100,00).
Assim, é fácil tirar dezenas de horas de diversão do jogo, apoiar uma desenvolvedora nacional e ainda assim não ter um gasto financeiro tão grande, visto que até mesmo em promoção tem sido relativamente raro ver bons jogos nessa faixa de preço. Isso só mostra como a Mad Mimic realmente pensou no público brasileiro na hora de lançar seu jogo.
Tudo isso se combina para tornar Dandy Ace um título incrivelmente divertido. Fora o problema com a dublagem em PT-BR, o título é irretocável, sendo desafiador na medida certa e te entregando diversos elementos que mantêm cada nova jornada pelo jogo única e cativante o suficiente para te manter sempre querendo mais uma run.
Mesmo optando por seguir o rumo de um gênero tão povoado hoje em dia, Dandy Ace é um dos mais únicos e recomendáveis roguelikes de 2021. Não só sua ambientação é bastante diferente daquilo que estamos acostumados a ver, mas o cuidado e polimento visto no título mostra que a Mad Mimic merece ser posta na prateleira mais alta entre o talentoso grupo de desenvolvedores brasileiros na ativa.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela NEOWIZ.
Veredito
Construído sobre uma ambientação rica, combate desafiador e elementos de progressão muito bem desenvolvidos, Dandy Ace entrega um palácio de cartas bastante firme, se mostrando como um dos melhores roguelikes do ano e facilmente um dos melhores jogos independentes desse último trimestre.
Veredict
Built on a rich setting, challenging combat, and very well-developed progression elements, Dandy Ace delivers a pretty steadfast palace of cards, proving to be one of the best roguelikes of the year and easily one of the best indie games this past quarter.