Crypt Custodian – Review

Pluto era um gato como outro qualquer: nasceu na rua, foi adotado por uma família humana e viveu feliz até que, atravessando a rua… bem, ele morreu e foi para o além dos bichos.

Quem decide as coisas por ali é a rã Kendra, que fala manso e julga quem poderá entrar no Palácio, o lugar bom, e quem será condenado a ficar para sempre Fora do Palácio. Na audiência, tudo vai bem para Pluto e a porta do Palácio até é destrancada para ele, mas Kendra percebe que ele foi supostamente mau ao chegar no além: o gato quebrou estátuas dela.

Em um julgamento arbitrário, a anfíbia o condena a varrer o além para sempre. Algo aqui não cheira bem, pois Pluto só quebrou as tais estátuas com sua vassoura recém adquirida porque o mandaram falar com Kendra e as estátuas bloqueavam o caminho. Afinal, ele é o protagonista de um metroidvania e abrir caminhos é a essência desses jogos!

Crypt Custodian (zelador da cripta, em inglês) é um jogo desenvolvido solo por Kyle Thompson, um dev já conhecido no meio metroidvania por criar sozinho obras carismáticas, de qualidade e com ciclo de produção eficiente. O primeiro foi Sheepo, de 2020, um “minivania” muito competente que tem boas promoções na PS Store e eu recomendo. O segundo foi Islets, que foi muito elogiado em 2022, mas infelizmente não chegou ao PlayStation (assuma essa causa, Top Hat!).

Agora, mantendo o ritmo de dois anos entre lançamentos, ele faz de Crypt Custodian seu maior título e aplica uma mudança de perspectiva para diferenciar a gameplay: a visão é de cima, fugindo ao lugar comum da rolagem lateral. Com o foco na horizontalidade, a exploração se alastra por um mapa vasto, interconectado e mais aberto que os games anteriores de Kyle, aproveitando-a para implementar habilidades menos comuns e um combate ágil que valoriza movimento, posição e esquiva.

Apesar disso, ainda há elementos de plataforma e o pulo é uma ação importante e frequente. Por outro lado, a quase total ausência de verticalidade passa uma sensação de monotonia ao mundo enorme, realçada pela homogeneidade da forma dos cenários, que são majoritariamente baseados em retângulos.

Mesmo assim, é um mundo desenhado bonito, tranquilo e agradável, com áreas bem distintas entre si. A música segue a mesma vibe sossegada e relaxante de ouvir, aprofundando a atmosfera aconchegante do jogo. A propósito, a música é a parte de Crypt Custodian que não foi feita por Kyle, ficando a cargo de seu irmão, Eric Thompson.

E sim, aconchegante é uma boa palavra para a jornada pós-morte de Pluto. Simpatia, leveza e humor são traços autorais nas obras do desenvolvedor, presentes na estética visual e na narrativa. Pluto foi banido para Fora do Palácio, mas ele começa a fazer amigos. Um deles tem um plano e… é melhor não entrar em detalhes. Não é uma historia complexa e surpreendente, mas é bem bolada e cativante, guiada por personagens peculiares e apresentada no nosso bom português brasileiro.

A ironia ingênua faz parte do charme, com humor leve que tem, ao mesmo tempo, a franca ludicidade infantil e a representação simples e madura de algumas angústias humanas.

As dez amizades que Pluto deve encontrar para pôr o plano em prática são diferentes animais que tiveram vidas comuns de bichos, mas, no além, usam roupas e se comportam como pessoas. Cada um deles tem uma breve história de vida e morte contada por três fotografias, gerando algumas dezenas de colecionáveis para encontrar na aventura.

Os outros colecionáveis que darão muito a fazer também estão espalhados às dezenas: são as melhorias e os muitos pontos de melhorias necessários para equipá-las, muitas vezes obtidos ao vencer pequenos puzzles e desafios de tempo ou de luta. Obtê-los e gerenciá-los é importante, pois até as melhorias de vida e de dano, que costumam ser incorporadas automaticamente nesse tipo de jogo, precisam ser equipadas e ocupar espaço dos pontos de melhorias.

Bem escondidos, há vinte gatos espectrais a resgatar e vinte discos para ouvir na jukebox do bar. Há ainda técnicas especiais de combate que devem ser encontradas, mas o fato de só podermos equipar uma delas por vez diminui a versatilidade que elas poderiam trazer ao combate. Por isso Pluto usa sua vassoura para varrer o lixo e os monstros de Fora do Palácio de uma forma um tanto repetitiva em sua simplicidade.

Mesmo assim, o game evita estagnar na mesmice ao lançar situações mais exigentes aqui e ali, em bom ritmo. O dinamismo dos doze chefes é empolgante e requer aprendizado, enquanto as maldições podem ser bem complicadas de vencer. Há ainda lutas de arena um tanto corriqueiras, mas também outras opcionais que exigem passar sem receber qualquer dano.

Os de luta apimentam as coisas ao propor um desafio de derrotar 15 inimigos sob determinada condição. Por exemplo, em uma dessas maldições, espinhos brotam continuamente do chão no rastro de Pluto até que ele conclua a tarefa ou morra. Outra manda vencer esse número sem ser atingido nenhuma vez.

Sem burocracias, Crypt Custodian tem opção de ajuste ao zoom do campo de visão, revela o mapa à medida que avançamos, tem minimapa, provê o uso de marcadores personalizados e permite viajar rapidamente a qualquer momento e para qualquer ponto de salvamento já descoberto.

Além disso, cada chefe derrotado é imediatamente adicionado ao modo Ataque ao Chefe, disponível no menu principal, para lutar quantas vezes quiser em qualquer dos três níveis de dificuldades do jogo. A dificuldade ainda pode ser refinada com parâmetros específicos.

Há ajustes mínimos que foram implementados a partir do feedback que Kyle recebeu da demo para PC, como diminuir ou desligar o marcador de posição de Pluto no cenário, que auxilia na eficiência dos pulos. Ou seja, é uma aventura que valoriza o tempo e a experiência da pessoa que joga, sem rigidez ou enrolação, sendo um metroidvania exemplar na aplicação de qualidade de vida.

Cheguei ao final em 10 horas, com 84% de completude, e depois passei a comprar os marcadores que indicam no mapa onde ainda há itens escondidos. Com isso, em 11 horas eu cheguei aos 97%. Em tempo absoluto pode até parecer curto, mas não senti assim porque a progressão é contínua, dinâmica e tem seu grau de abertura.

Com um mapa expansivo, backtracking rápido, 12 chefões e mais de uma centena de itens a encontrar, Crypt Custodian me divertiu, desafiou e encantou com sua simplicidade genuína e bem feita. O tema da morte e da saudade é tratado de forma leve, mas nunca trivial. No todo, é um belo e eficiente metroidvania com identidade própria.

Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Top Hat Studios.