Dentre as várias “modas” que foram surgindo ao longo dos últimos anos, a popularidade dos isekai no mundo da cultura popular japonesa tem trazido os seus altos e baixos, seus êxitos estrondosos e suas esquisitices que não poderiam ter saído de outro lugar. Um das principais variantes desse tipo de narrativa são os animes e mangás nos quais as pessoas vivem vidas distintas dentro de MMORPGs, misturando o popular gênero de jogos online com os dramas típicos dos shonen mais populares.
Muito do crédito para a popularização dos isekai fica sobre os ombros da conhecida série de light novels Sword Art Online, a qual se passa justamente dentro de um MMORPG que dá ao título e que seria emulada a exaustão posteriormente. E, mesmo que SAO ainda esteja firme e forte por aí (com um novo jogo saindo na próxima semana), é interessante ver todas as mídias que pegam as suas ideias e as reinventam.
Um dessas mídias é o jogo de estréia da Radical Fish Games, CrossCode. Originalmente lançado para PC através do Steam Early Access em 2015 e tendo o seu lançamento “completo” em 2018, o título finalmente chega a consoles agora em 2020, finalmente dando a oportunidade aos jogadores de console de experimentarem o título que há muito tempo é mencionado como um dos melhores RPGs de Ação desenvolvidos por um estúdio independente na última década.
Algo que chama a atenção logo de cara é que CrossCode tem uma ambientação um pouco complexa. No mundo do jogo, um dos seus MMOs mais populares, chamado CrossWorlds (que é dentro do qual os eventos de CC ocorrem), é uma experiência que envolve “todos os cinco sentidos” dos jogadores, elevando até mesmo o conceito de VRMMOs à enésima potência, usando avatares que permitem aos jogadores experimentar aquele mundo como se estivessem fisicamente presentes nele.
A principal diferença, na realidade, é que CrossWorlds se passa na Lua daquele universo, onde tanto avatares quanto pessoas reais que trabalham na manutenção do jogo acabam coexistindo e, é claro, acabam entrando em conflito também. Essa ambientação, mesmo que seja parecida e vá trazer comparações com outras franquias como Sword Art Online e .hack//, faz o suficiente para diferenciá-lo, graças a um mundo esteticamente bem distinto e que cria uma identidade distinta para CC.
Um clichê que ele não evita, entretanto, é a protagonista com amnésia. O jogador assume o controle de uma avatar chamada Lea, uma avatar especial que parece incapaz de deslogar de CrossWorlds (sim, ele realmente convida certas comparações), mas que não tem qualquer lembrança do que ela fez no jogo anteriormente, além de ter sofrido graves danos nos seus sistemas que acabam a impedindo de utilizar suas habilidades completamente ou até mesmo de falar.
No entanto, não é porque Lea não se lembra do que aconteceu que os outros jogadores não se lembram dela e o plot gira em torno dela tentando descobrir o que aconteceu no passado, inclusive os mistérios por trás de dois personagens vistos na introdução do jogo, através dessas conexões com outros jogadores, buscando entender o porquê ela é conhecida ali, tudo acontecendo enquanto avança e explora o mundo de CrossWorlds e faz novos amigos em sua jornada.
No geral, o plot de CrossCode em momento algum realmente foge do que você pode imaginar ou prever que irá acontecer com base nas primeiras horas dele. Mas, mesmo sem se arriscar muito ou tentar fazer algo mirabolante, ele consegue entregar uma experiência muito boa simplesmente pelo quão bem escrito o roteiro é.
Costuma-se dizer que uma história é clichê quando ela segue os mesmos passos de várias outras que vieram antes, sem desviar muito do que é a “norma” para determinados gêneros ou estilos narrativos. Isso, por si só, não é um problema, já que há muito mérito em contar uma boa história dentro de um arco narrativo previsível.
E é exatamente isso que CrossCode entrega. Se você está procurando algo que vá revolucionar a mídia e causar um grande clamor (positivo e negativo), não é aqui que você vai encontrar. No entanto, CC consegue fazer tudo com imensa competência, com um estilo bem único e divertido na forma como os diálogos e a história é escrita e contada, se valendo bastante de metalinguagem e bom humor para se destacar.
Ajuda bastante que a ambientação é muito bem construída através não só do roteiro, mas com a ajuda de uma excelente trilha sonora e um estilo visual muito bonito. Óbvio, as influências são perceptíveis e o jogo não reinventa a pixel art, mas o esmero com que todos os sprites e cenários foram feitos é de cair o queixo ao apresentar alguns dos cenários mais belos e estilosos já vistos por jogos com estilo “retrô”.
O mais importante em relação a todo o aspecto técnico é que tudo foi feito com um imenso carinho e cuidado (e é sensível ao jogador a cada momento isso), pontuado especialmente por uma constante sensação de personalidade que tanto falta a jogos que se inspiram em outras obras ou tentam recapturar a glória de tempos passados.
Estes elementos, por si só, já seriam suficientes para colocar CrossCode na lista de jogos independentes que merecem receber um lançamento físico e fazer parte da coleção de qualquer amante de RPGs (e o jogo vai receber uma edição física em breve pela ININ Games, com direito a steelbook e edição de colecionador, como você pode ver clicando aqui). Mas onde ele brilha ainda mais é no seu combate.
Muitos jogos inspirados por clássicos de gerações passadas pecam ao tentar copiar o que funcionava antes e tentar transpor para os consoles atuais. Aqui, o que temos é um jogo que reinventa o sistema de combate de um RPG de Ação se valendo de ferramentas que só plataformas atuais poderiam prover com o mesmo grau de sucesso e precisão que o jogo entrega.
As batalhas giram em torno de ataques físicos e à distância, com a Lea podendo facilmente alternar entre um e outro, com ambos sendo controlados com R1 e os ataques de longa distância apenas exigindo que você segure o analógico direito. Essa simplicidade faz com que seja bem fácil e intuitivo alternar entre ambos os modos de combate a medida que a necessidade vai se apresentando.
E a necessidade vai se apresentar, pois os combates em CrossCode constantemente se tornam bastante intensos e desafiadores, com o jogador constantemente enfrentando grandes hordas de inimigos. Para poder lidar melhor com essas situações, além dos ataques comuns. O jogador vai destravando habilidades especiais e, principalmente, botões de defesa e de esquiva, sendo fundamental aprender a usá-los para sobreviver às batalhas ao longo das dezenas de horas do jogo.
Para te levar ao longo da aventura, CrossCode conta com um sistema surpreendentemente robusto de evolução de personagem chamado de Circuit. Esse sistema vai destravando uma série de melhorias que vão de aumentos em suas estatísticas de ataque e defesa aos já mencionados ataques especiais (chamados de Combat Arts) que atendem a toda variedade de técnica que se pode esperar de um RPG.
Talvez uma das coisas mais surpreendentes e interessantes sobre esse sistema de evolução de personagem é que, apesar dele ser baseado em um sistema de “rotas” dentro do Circuit, você pode, a qualquer momento, mudar para uma rota distinta sem qualquer tipo de penalidade. Isso acaba incentivando o jogador a brincar e testar várias opções para lidar com as situações que o jogo vai te apresentando e faz com que nenhum chefe ou desafio seja impossível de solucionar.
Por fim, um último ponto que precisa ser mencionado é que CrossCode conta com uma quantidade surpreendente de exploração, tudo movido por uma série de quebra-cabeças envolvendo os ambientes, quase sempre forçando o jogador a atirar em determinados pontos ou ativar certas partes do cenário no tempo certo.
Infelizmente é aqui que o jogo acaba tropeçando, com alguns desafios interessantes mas que logo se tornam repetitivos e não tão interessantes. Por mais que o jogo faça um bom trabalho em se valer de desafios anteriores para criar os próximos, eles em momento nenhum são realmente desafiadores, parecendo muito mais um empecilho para se alcançar o que o jogador quer do que uma parte positiva da experiência.
Curiosamente, onde eles funcionam é quando eles aparecem em conjunto com o combate, em especial em batalhas contra chefes que te exigem entender o funcionamento do cenário ou das suas fraquezas e padrões de combate para vencê-los, incluindo saber como utilizar o cenário para atacá-lo da forma mais efetiva possível.
Mesmo essas reclamações são bem pequenas no grande escopo do jogo. A verdade é que CrossCode é uma experiência incrível, de alguma forma valendo as expectativas de anos ao redor dele e que mais do que recompensa o jogador pelo tempo investido nele. Os combates são sempre divertidos e recompensadores, a história é muito bem escrita, a parte técnica do jogo é primorosa e os quebra-cabeças, mesmo que se tornem repetitivos, adicionam um outro elemento ao ritmo do jogo.
Jogo analisado no PS4 padrão com código fornecido pela ININ Games. Pré-venda disponível em https://crosscode.inin.games/.
Veredito
Com um combate muito divertido, um estilo artístico incrível e uma história igualmente agradável, CrossCode entrega uma das melhores experiências de um RPG de Ação nessa geração, e mesmo os seus pequenos problemas não conseguem fazer com que ele seja algo menos do que obrigatório para fãs do gênero.
Veredict
With a very fun combat, an incredible artistic sense and an equally enjoyable story, CrossCode delivers one of the best experiences of an Action RPG in this generation, and even its minor issues don’t manage to make it anything less than obligatory for fans of the genre.