Um jogo onde, em uma era ancestral no oriente, assumimos o controle de guerreiros mortais no uso de armas brancas e outras técnicas ninjas para eliminar inimigos poderosos, armadilhas perigosas e, enfim, recuperar o país das mãos de malditos opressores. Muito provavelmente, será necessário entrar em mais detalhes para que esta descrição não remeta a dezenas (e não duvido que centenas) de jogos lançados nos últimos 40 anos. Mesmo que eu seja mais preciso em lembrar que é um jogo single player 2D de progressão lateral com elementos de plataforma metroidvania, ainda não faltarão exemplares de um gênero quase tão tradicional quanto a própria história dos videogames. Será então que Chronicles of 2 Heroes: Amaterasu’s Wrath, desenvolvido pelo estúdio independente italiano Infinity Experience, faz sentido em pleno 2023? Logo de partida, posso dizer sem medo de errar que sim.
Em pleno Japão feudal pré invasões mongóis, somos apresentados aos irmãos Ayame e Kensei, dois grandes guerreiros que foram criados secretamente em uma região isolada com o treinamento que os tornaria praticamente imbatíveis e os transformaria na salvação de um povo cansado pelos abusos desvairados de seus líderes políticos. Ambos tiveram seus destinos traçados para livrar seu país das garras de uma imperatriz maligna que, possuída por uma entidade monstruosa, trouxe destruição e miséria para sua população, e agora, com o fim do seu rígido treinamento, eles partem em busca de cumprir sua missão, custe o que custar. O problema é que, preparada para uma inevitável revolta, a sórdida mandatária tem a seu dispor os mais implacáveis guerreiros de todo o reino, e nenhum deles está disposto a colaborar com a nobre jornada destes dois heróis.
Pautado por diálogos pouco inspirados e pouco profundos ao retratar o este rico momento histórico, o game apresenta uma trama arquetípica e pouco original que não esconde suas bases na célebre jornada de amadurecimento, enfrentamento dos maiores desafios e a força pela fraternidade, mas que o faz com bastante segurança e sem tantos sobressaltos, com a narrativa, como é tradição em jogos do gênero, servindo muito mais como pano de fundo do que para realmente assumir um papel de maior destaque. Ao iniciar a jornada, já nos é claro o que deve ser feito, o que vai acontecer com os personagens e como isso tudo vai terminar, e certamente não é pelos eventos que são narrados que jogaremos, mas sim pela forma como isso é conduzido por um sistema de gameplay, no mínimo, instigante.
Ao invés de, como é de se prever, escolhermos entre um e outro e eventualmente jogarmos de forma colaborativa com outra pessoa controlando nosso irmão, a mecânica básica do jogo nos coloca para jogar com ambos quase ao mesmo tempo. Eu uso o “quase” aqui porque, como já vimos em games como Gianas Sisters e Degrees of Separation, a ideia é que alternemos quem está sob nosso controle em tempo real de acordo com as habilidades e especificidades de cada um deles. Enquanto Ayame pode saltar agilmente por plataformas e lançar poderosas kunai em ataques a distância, Kensei tem a capacidade de atacar corpo-a-corpo com sua espada e fazer uma rápida corrida horizontal. A grande questão, aquela que define a forma de se jogar, é que esta alternância não demora a demandar agilidade e, ao mesmo tempo, capacidade de resolução de problemas por parte do jogador.
É notável que o game consegue ser, ao mesmo tempo, exigente e generoso com o aprendizado de suas funções. Exigente porque a curva de dificuldade é constante, mas bastante acentuada, o que faz com que rapidamente o jogo nos ofereça desafios de combate e puzzles bastante complicados de se resolver. Mas também generoso porque faz com que cada novo desafio, cada nova tela seja uma peça muito bem aproveitada para nos ensinar tudo o que precisamos aprender para prosseguir na história. Eu confesso que sou um aluno um tanto quanto teimoso, e acabei deixando para aprender algumas técnicas quando elas fizeram falta nos trechos mais exigentes, então minha teimosia em deixar coisas de lado me custou caro mais adiante. Se o jogo mostra que há duas formas diferentes de superar um obstáculo, melhor do que dominar aquela que mais gostamos e aprender bem ambas, porque nem sempre haverá uma opção.
A árvore de habilidades, aliás, é outro grande trunfo do game, que ao criar um modelo onde podemos equipar medalhões, nos dá não só comandos mais complexos ou movimentos novos, mas sim quase sempre aprimoramentos daquilo que já temos. Estes artefatos estão muito bem distribuídos e não ficam escondidos por tanto tempo, criando uma dinâmica de evolução constante e conferindo ao jogo um ritmo acelerado, mas mais importante do que achá-los pelo ótimo level design é merecê-los. Basicamente, só os alcança quem já estiver pronto para isso, em um sistema muito interessante que exige precisão e resiliência ao máximo do jogador. O mesmo vale para melhorias, como pontos extras – praticamente obrigatórios – na barra de vida, outros apetrechos necessários e, claro, gatos, muitos gatos para serem resgatados. Não me pergunte.
Há ainda que se acostumar com a troca de personagens e o timing de ações mais dedicadas como o parry, inclusive contra projéteis, que é um verdadeiro inferno para os menos pacientes. Entretanto, uma vez que estas capacidades estejam sob controle, tudo parece mais fluído, ainda que nem por isso, mais fácil. E quando tudo parece mais complicado do que deveria, é porque é pra ser assim mesmo. A primeira hora do jogo é suficiente para nos mostrar que sem sofrer, não há chance alguma de ver os créditos finais subindo. Destaque para o primeiro grande chefe de fase, cujo padrão de ataque é reconhecível e tranquilo para se memorizar, mas que mesmo assim nos mostra que sem dominar a técnica, de nada serve a teoria.
No mais, a condução do jogo é bastante orgânica, nos apresentando caminhos alternativos e passagens secretas com uma naturalidade que não nos exige esforço para encontrar por onde seguir, o que as vezes nos leva a lugares que, ao que parece, ainda não estávamos preparados para superar, algo ótimo em premiar os ousados. Tanto sessões de plataforma como as de combate são bem dosados e precisos, mas o deslocamento ágil de Kensei se esforça muito para não nos dar tempo para pensar sobre onde vamos parar, o que prejudica o acerto fino que muitas vezes precisa do bom e velho descobrimento empírico da tentativa e erro para funcionar. Vale destacar ainda que o game demanda um certo ritual de passagem principalmente para quem espera leveza nos movimentos de queda, porque no final, ambos os personagens parecem tijolos densos, algo que influencia bastante no ajuste de ataques e na esquiva de armadilhas verticais. Se acostumar demora um pouco, mas faz parte do processo.
Ainda que não seja necessariamente dividido cartesianamente em fases ou níveis com começo, meio e fim, o jogo adota uma progressão linear que permite o retorno a áreas já superadas para terminar tarefas e exploração de ambientes antes inacessíveis. Os diversos templos espalhados ao longo do jogo servem com hubs para descanso, fazer uma balanço do que já se conquistou e ainda como ponto de viagem rápida por meio de portais, facilitando o retorno a locais já visitados. Particularmente, estes são os locais visualmente mais ousados de todo o jogo, abusando das cores e das formas, se destacando dos demais ambientes interna e externamente.
Quando se considera o aspecto estético, aliás, o game é um grande acerto, mas com seus deslizes. Se utilizar do visual pixel art para jogos com apelo nostálgico já parece uma escolha batida no mercado independente atual, e sinceramente começa a cair no clichê pelo clichê, aqui há todo um trabalho de movimentação que faz com que os gráficos funcionem bem e sirvam à experiência, incluindo até a contagem de pixels para os mais dedicados. Mas enquanto personagens e elementos cênicos se destacam, os cenários internos deixam bastante a desejar. Alguns deles são basicamente telas com uma cor predominante e padrões simples repetitivos que preenchem a tela toda só para ter algo ocupando o espaço que não é o corredor por onde passaremos. Sem muitos elementos marcantes e pontos de interesse, acaba complicando até mesmo a memorização de leiautes e de caminhos a serem explorados mais tarde.
A interface e o suporte ao jogador são outros elementos que apresentam uma certa instabilidade. Enquanto textos e o HUD são minimalistas tal como é necessário para o gênero – no caso do mapa, tão mínimo que se torna absolutamente inútil – o sistema de salvamento e a distribuição dos checkpoints são bastante punitivos e, por vezes, desvalorizam as pequenas conquistas e avanços. Não foram raras as vezes onde me vi repetindo o mesmo trecho complicado algumas vezes simplesmente porque o ponto de salvamento anterior estava entre passagens rápidas e fáceis, mas o seguinte estava bem mais longe, o que pode parecer uma camada extra de desafio, mas que acaba só frustrando por nos fazer perder tempo depois da satisfação de superar um quadro desfavorável.
O conjunto da obra de Chronicles of 2 Heroes: Amaterasu’s Wrath oferece, de modo inquestionável, muito mais pontos positivos que negativos. Se a história que está sendo contada, mesmo com um pé nas referências históricas pouco conhecidas misturada com uma fantasia típica do oriente, não é das mais diferentes do que se vê no mercado nos dias atuais, é na mecânica de troca dinâmica de personagens onde a coisa se torna realmente especial. Enquanto metroidvania, não há grandes avanços ou inovações consideráveis, mas o jogo mostra paixão por aquilo que está retratando e o faz muito bem feito.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Catness Game Studios.
Veredito
Chronicles of 2 Heroes: Amaterasu’s Wrath é desafiador e sabe se apoiar nos bons parâmetros tanto da estética adotada como no modelo metroidvania de progresso, mas é na dinâmica de troca de personagens em tempo real onde está seu verdadeiro diferencial.
Chronicles of 2 Heroes: Amaterasu's Wrath
Fabricante: Infinity Experience
Plataforma: PS4 / PS5
Gênero: Ação / Metroidvania
Distribuidora: Catness Game Studios
Lançamento: 26/05/2023
Dublado: Não
Legendado: Sim
Troféus: Sim (inclusive Platina)
Veredict
Chronicles of 2 Heroes: Amaterasu’s Wrath is challenging and knows how to rely on the aesthetics adopted and the metroidvania model of progress, but it is in the dynamics of changing characters in real time where its true differential lies.