O termo metroidvania surgiu na alvorada do século — há registro de uso a partir de 2001. Inicialmente, o sentido dele era estabelecer uma diferença entre os Castlevania clássicos e aqueles que seguiram na vertente pós-Symphony of the Night, caracterizados por um modelo de estrutura muito semelhante ao dos jogos Metroid, da Nintendo. Ao longo dos anos, porém, esse esquema foi tão bem implementado na série dos caçadores de vampiros, que o nome passou a descrever todo um subgênero de plataforma de ação.
Assim como o clássico de Alucard de 1997, os títulos produzidos na década seguinte para portáteis da Nintendo chegaram ao PlayStation. Em 2021 foi a vez de Castlevania Advance Collection, que trouxe o trio do Game Boy Advance para o PS4. Por bastante tempo ficou no ar (e na internet) a pergunta: cadê o trio de aventuras do Nintendo DS?! Sorrateiramente, sem qualquer aviso prévio, a Konami anunciou com um trailer um novo pacote de jogos — disponível no mesmo dia! É dele que vamos falar agora.
Castlevania Dominus Collection reúne cinco jogos. Os principais são os três do Nintendo DS: Dawn of Sorrow, Portrait of Ruin e Order of Ecclesia. De brinde, vem um título obscuro de arcade que muita gente (ou pelo menos eu) não conhecia: Haunted Castle, assim como seu remake feito especialmente para esta ocasião, Haunted Castle Revisited.
Tanto a coletânea quanto o remake de Haunted Castle ficaram a cargo da japonesa M2, desenvolvedora especializada em port, emulação e renovação de jogos para empresas como a SEGA e a Square Enix (Legend of Mana Remastered, por exemplo). Para a Konami os trabalhos foram muitos, incluindo as coletâneas anteriores de Castlevania.
Dá para ver que é muita coisa, então vamos por partes. Primeiro, vamos esclarecer dois pontos importantes que ficaram de fora: não temos tradução para português brasileiro e versão para PS4. Uma pena, mas temos que seguir em frente. Julgando pelo aspecto de coletânea retrô, Dominus faz um ótimo trabalho. Além de acrescentar os dois joguinhos como extras, há mais alguns mimos que enriquecem o produto.
Começando pela apresentação em geral, ela é toda de muito boa qualidade, tanto na elegância quanto na praticidade dos menus. Na seleção dos jogos de DS, basta manter o cursor sobre qualquer um deles para iniciar automaticamente sua animação de abertura em ótima qualidade, o que me deixou surpreso ao considerar que, originalmente, esses vídeos foram feitos para um portátil com tela de menos de 8cm e 256 × 192 pixels. Você pode conferir as três animações logo no início do nosso vídeo de gameplay.
Prosseguindo, cada título de DS tem sua própria galeria com mais de 100 imagens, incluindo versões em diferentes idiomas do manual de jogo original, todas em alta qualidade, com direito a uma boa dose de zoom, o que também pode ser conferido no vídeo. Também temos um player com 163 músicas dos cinco jogos e a possibilidade de criar uma playlist para ouvir como quiser.
Ainda sobre o trio, dentro de cada jogo tem um menu moderno com alguns recursos interessantes. Um deles é proporcionar cinco posições de tela diferentes, já que os jogos são exatamente as mesmas versões feitas para a tela dupla do DS. Tem configuração vertical e horizontal com duas ou até três telas, mostrando o jogo, o mapa e as estatísticas de personagem em um só panorama.
Outros pontos, muito comuns nesses revivals emulados, são as opções de salvamento rápido e de retroceder alguns segundos de jogo para corrigir erros, utilidades muito práticas e, falando sério, muitíssimo bem-vindas.
Mas espere aí, o DS tinha tela de toque, não tinha? E o PS5 não tem, não é? Então, podemos usar o touch pad do Dualsense para essa finalidade? Podemos. É bom? Não. Mas não criemos pânico, há uma opção melhorzinha: o analógico direito serve como um ponteiro de mouse, com direito a três níveis de velocidade. Resolve? Sim, mas ainda não é lá grande coisa.
A bem da verdade, o uso original das mecânicas de toque também não era lá grande coisa e parece o tipo de artifício implementado sem muita pretensão, apenas pela obrigação de usar a funcionalidade que, junto com a dupla de telas, era a alma do console. Dessa maneira, os momentos de mecânicas de toque são basicamente irrelevantes.
Em Dawn of Sorrow, o primeiro deles a ser lançado, há os Magic Seals, obrigatoriamente usados para finalizar os chefões. No original, era preciso unir os pontos para desenhar um símbolo na tela, mas isso foi descartado e, agora, o desenho é feito apertando botões na sequência correta. Esse jogo também usa o toque para quebrar certos blocos e abrir passagem, o que pode ser feito com o analógico sem grande prejuízo. As mecânicas de toque eram tão desnecessárias que simplesmente foram deixadas de lado nos dois jogos seguintes. No fim das contas, adaptar esses jogos do DS para o PS5 não deve ter sido um desafio.
Por outro lado, devo mencionar o character design. Admito que vai muito de uma questão de gosto, mas acho que o visual de Dawn of Sorrow e Portrait of Ruin foi empobrecido por não usar o trabalho da artista Ayami Kojima e seu traço característico, visto antes em Symphony of the Night e Aria of Sorrow, por exemplo. A mudança deu um ar geral de “anime genérico dos anos 2000” e alguns personagens ficaram com cara de fanart juvenil.
Order of Ecclesia deu uma melhorada nesse quesito e tem artes de personagens muito mais elaboradas. Ao olhar as galerias de imagens, a diferença é gritante. No entanto, a contagem de pixels do DS não foi generosa com essas pinturas mais complexas, que parecem bastante borradas quando vemos numa TV grande.
Também é possível ver essa diferença nas animações de introdução de cada jogo: a simplicidade dos traços permite que as dos dois primeiros sejam bem movimentadas, lembrando muito o estilo de aberturas de anime, enquanto a de Ecclesia é composta de ilustrações belas, mas estáticas.
Eu entendo que a proposta da coleção não é refazer os gráficos in-game, mas ainda senti falta de alterações visuais, especialmente de ter os textos, menus e retratos de personagens refeitos em alta definição. Sinceramente, o investimento no remake de Haunted Castle seria melhor aplicado em algo que melhorasse esses pontos-chave da estética do trio principal do pacote, mesmo sendo jogos emulados.
Com isso, vamos para Haunted Castle, que não entra no elenco principal da coletânea e está devidamente localizado na aba Extra. Esse é um jogo de arcade de 1988 que foi lançado apenas no Japão e, hoje em dia, não passa de curiosidade histórica, com sua gameplay dura e level design simplista.
É surpreendente que algo tão fora do radar tenha até ganhado um remake, Haunted Castle Revisited. A aparência ainda é a de um jogo antigo, mas com belos cenários no estilo 16-bits e em widescreen, aprofundando a atmosfera do original. Ainda que os estágios sejam essencialmente os mesmos, seus formatos amplamente reimaginados, a vida reduzida dos inimigos para uma mobilidade mais ágil, as mecânicas de coletar itens e os controles melhores são mudanças relevantes o bastante para considerá-los como dois jogos diferentes.
Estranhamente, Revisited é o único da coleção que apresenta filtros de tela e que não tem o salvamento rápido e o recurso de retroceder, mostrando certa inconsistência no conjunto. Para compensar, o game tem seleção de segmentos de fases.
Pronto, esse foi o panorama geral da coletânea. Quem já conhece os jogos sabe o que esperar, mas, antes do fim, vamos comentar sobre os jogos de DS em si. Em primeiro lugar: os três são bons jogos que, em momentos, chegam a ser ótimos. Em geral, são melhores que o competente trio de Game Boy Advance.
Hoje em dia, o gênero metroidvania avançou bastante e não é difícil encontrar exemplares muito melhores que esses clássicos, especialmente quando consideramos a movimentação um tanto lerda, o dano por encostar em inimigos e as narrativas basiconas. Mesmo assim, esses títulos mantiveram um padrão de qualidade firme com o passar dos anos e são recomendáveis a qualquer apreciador de metroidvanias. Se for fã de Castlevania, especificamente, não tem nem o que duvidar, é diversão certa.
É preciso, ainda, destacar que esses jogos retém uma ambivalente mesmice. Por um lado, isso é apenas parte da essência de séries que sempre reciclam seus mesmos temas e cenários de formas interessantes, como The Legend of Zelda faz há décadas. O familiar é confortável e agrada aos fãs.
Portanto, as histórias seguem o mesmo gancho de “Drácula vai voltar, vamos ao castelo impedir que ele ressurja!” e passam por áreas icônicas, como galerias subterrâneas, salões luxuosos e, claro, torres de relógio. Tudo isso repleto de esqueletos, armaduras que arremessam machados e outros monstrengos que já vimos antes. Ao menos os Belmont tiveram um pouco de folga e outros personagens assumiram o protagonismo desses jogos.
Dessa forma, jogá-los um após o outro pode dar uma sensação de redundância e saturação. No entanto, não dá para simplesmente considerá-los clones uns dos outros. Assim como trigêmeos têm traços e personalidades diferentes, cada jogo tem sua própria identidade de gameplay. Vejamos a seguir.
Quem jogou Aria of Sorrow não sentirá uma grande novidade na sequência direta Dawn of Sorrow. O mesmo sistema de absorver almas de inimigos para equipar seus ataques, ganhar habilidades ou melhorias de personagem está aqui, levemente melhorado (as almas sobressalentes podem ser usadas para melhorar armas) e é uma aventura bem redondinha em um mapa padrão de metroidvania.
Portrait of Ruin trouxe duas novidades que fazem dele o mais diferentão dos três. A primeira é que há uma dupla de protagonistas, um guerreiro e uma maga, que ficam juntos na ação o tempo todo e podem ser alternados a qualquer momento para variar o combate e superar obstáculos em cooperação. Eles têm equipamentos próprios e podem realizar ataques especiais em conjunto.
A outra é que, em vez de um único mapa gigante do Castelo de Vânia Drácula, os heróis entram em pinturas que os levam a mapas menores e fechados em si mesmos, em cenários que fogem da repetição da série, o que é muito bem-vindo para conter o déjà vu.
Order of Ecclesia faz um misto das duas estruturas: começa com mapas pequenos e lineares por localidades diversas, como se fossem fases clássicas e, na metade do jogo, finalmente chega de fato ao grande castelo, tudo acessível por um grande mapa da região.
É uma boa ideia para fugir ao clichê de confinar a aventura ao interior do castelo e mostrar outros locais, mas a execução é cheia de altos e baixos, com algumas áreas realmente boas e outras que claramente estão ali apenas para esticar o percurso. Há uma montanha que até dá um copia e cola com umas quatro cavernas de mesmíssimo formato.
Ademais, os três jogos têm modos extras que são desbloqueados após concluir suas campanhas para podermos acompanhar outros personagens jogáveis que participaram da trama, o que aumenta a duração da experiência.
O saldo final é que Castlevania Dominus Collection é uma coletânea muito aguardada e conseguiu se manter à altura da expectativa ao reunir três dos melhores títulos de toda a série e se rechear de belos extras artísticos, além de alguns importantes recursos de qualidade de vida. É uma pena que os visuais dos menus, textos e retratos não tenham recebido melhorias, mas a experiência como um todo está muito confortável no PS5 e o pacote cumpre seu papel de preservação, de apresentação para um novo público e, é claro, de diversão.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Konami.
Veredito
Reunindo três dos melhores metroidvanias do passado, com muitos extras e alguns recursos de qualidade de vida, Castlevania Dominus Collection cumpre seu papel de preservação, de elegante apresentação para um novo público e, é claro, de diversão.
Veredict
Bringing together three of the best metroidvanias of the past, with plenty of extras and some quality of life features, Castlevania Dominus Collection fulfills its role of preservation, of elegant presentation for a new audience and, of course, of fun.