Carrion – Review

Você acorda confinado em um lugar apertado. Preso. Com algum esforço, liberta-se da cela, mas ainda está dentro de uma enorme instituição que o trancafiou como se fosse algo ínfimo. Os guardas estão em toda parte e as mensagens nas paredes são de atirar à primeira vista. Na atual condição, você não tem forças para forçar seu caminho para a liberdade. Pequeno e faminto, você só sabe que precisa se alimentar, crescer, evoluir, proliferar e estender seus tentáculos em cada fresta daquele lugar enquanto suas muitas bocas devoram todo ser vivo que encontrar pela frente.

Esse é Carrion, título lançado para PS4 e outras plataformas em 2020 e que recebeu em abril um port nativo para o PS5. A princípio, a premissa não parece nova: uma criatura indefinida se solta em uma base de alta segurança e avança implacavelmente enquanto os humanos lutam para contê-la. A proposta, porém, é inusitadamente reversa: você é o monstro inumano.

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A definição de monstro é uma questão de ponto de vista amparada na diferença que está além da compreensão de quem vê. Em outras palavras, o monstro é sempre o outro. É essa noção que Carrion inverte em sua subversão da ficção científica de horror ao colocar você, cara jogadora ou caro jogador, na pele da aberração aterrorizante. Para você, quem será o monstro?

O trio de poloneses do estúdio Phobia Game Studio deixa a questão aberta para o jogador decidir, mas certamente se esforçaram em induzir à percepção de quão monstruosa a criatura protagonista realmente é. Contaminada pelas profundezas inefáveis do horror cósmico lovecraftiano e inspirada no filme The Thing, de John Carpenter (O Enigma de Outro Mundo, 1982), a coisa é uma massa disforme que se retorce em inúmeros tentáculos enormes e gosmentos ao redor de núcleos de carne providos apenas de bocas abissais com seus enormes dentes que não deixam dúvida do objetivo maior dessa forma de vida: consumir.

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Carrion faz um ótimo trabalho na animação procedural dos tentáculos para parecer que a coisa se move por esses membros, mas, na verdade, eles estão ali para intensificar a estética monstruosa,uma vez que a movimentação pelo cenário é livre em todas as direções. Alguns tentáculos são parte da gameplay para agarrar coisas e pessoas e podem ser avistados e feridos pelos guardas.

Ao se alimentar, a coisa recupera pontos de vida e aumenta de massa, atingindo três tamanhos que modificam habilidades únicas a cada um. Para solucionar os puzzles será comum ter que alternar entre as diferentes formas segundo a necessidade. Por exemplo: a forma menor lança uma espécie de teia grudenta, enquanto a segunda forte o bastante para dar uma investida capaz de quebrar alguns obstáculos; o tamanho maior e mais violento consegue puxar os objetos de volta, desbloqueando passagens. Essas três habilidades também são usadas como ataques contra as forças de segurança da instalação militar.

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O combate tem opções, mas, no fim das contas, a maior parte dos casos permite usar a força bruta do poderoso monstro vermelho para devastar tudo que surgir pela frente. Isso nem sempre é possível porque a força bestial é balanceada com baixa resistência e você poderá perder vida rapidamente sob o alvo de fuzis e, pior ainda, de lança-chamas.

Para deixar essa dinâmica mais interessante, não faltam opções de abordagens sorrateiras pelos caminhos tortuosos que cercam os salões e corredores, pelos quais você poderá subjugar as presas como preferir.

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A atmosfera é bem construída, principalmente no rastejar estranho da criatura, nos tentáculos sempre em movimento, nos efeitos de luz e sombra lançados sobre a pixel art,  nos cenário que ficam cobertos de sangue misturado ao muco vermelho do monstro (Carrion significa carniça) e nos sons bizarros que saem pelo alto falante do DualSense. O design de som só peca nos gritos humanos de desespero, que logo soam repetitivos e caricatos.

Carrion tem bases de metroidvania com seus labirintos tortuosos de vai e vem, mas é uma experiência essencialmente linear em que, mesmo sem mapa, o jogo te conduz pelo caminho que deve seguir. Mais de uma vez senti-me perdido, pensando que daria várias voltas até encontrar aquela parte à qual deveria retornar, então perambulei a esmo até que logo me vi exatamente onde tinha que estar. Não era a esmo coisa nenhuma: o design de mundo é intrincadamente feito para que o jogador ache o caminho sem dificuldade, sendo repleto de tubulações de mão única e alavancas de trancar e destrancar portas.

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Essa lógica cria a ilusão de não-linearidade e mantém o ritmo da campanha sempre fluindo. A exploração consiste em solucionar quebra-cabeças para avançar rumo à contaminação total e à liberdade. Fora isso, há apenas um colecionável por área, em locais secretos. Como se traram apenas de melhorias opcionais de pouca relevância (mais energia, maior resistência a fogo, etc.) e exigem backtracking, o que pode levar você a ficar um tanto perdido, acho que só vale a pena para quem quer vasculhar tudo sem medo de ficar perdido e aos caçadores de troféus.

Boa parte do que vai fazer você usar a cabeça para avançar se resume a gerenciar qual forma da criatura tem as características corretas  para aquela situação, o que muitas vezes envolve um passo a passo que requer mais de uma forma. Nunca achei que estava fácil demais, mas também não fiquei travado em um trecho por tempo excessivo.

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A campanha dura cerca de seis horas e, sinceramente, para mim pareceu mais longo do que o necessário. Os cenários não têm muita variedade, a narrativa é mantida ao mínimo e o ciclo de gameplay é o mesmo: invada uma área, encontre todas as fissuras onde pode criar seus ninhos (leia-se: locais de salvamento) para conseguir arrombar a porta de saída do lugar que te leva de volta à área principal. Invada a área seguinte e repita.

Para os que quiserem jogar mais, Carrion já traz o DLC contendo uma área extra com o inusitado tema de “especial de natal”. O jantar vai ser bom! Na prática, é um mais do mesmo em outra instalação de pesquisa decorada com luzes natalinas, mas é um conteúdo gratuito que pode ser acessado diretamente do menu inicial, então obrigado ao Phobia Game Studios por isso.

Keep calm and “carri on”.

Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Devolver Digital.

Veredito

Carrion é uma experiência inusitada que busca fazer o máximo com apenas o essencial, o que o torna um tanto repetitivo a partir da metade, quando quase todas as cartas já estão na mesa. Mesmo parecendo um metroidvania labiríntico, o design tende a guiar o jogador linearmente para não se perder, mantendo o fluxo do gameplay entre puzzles e massacres, sem muitos motivos para explorar por conta própria. O sucesso maior do jogo está no cumprimento de sua promessa de horror ao colocar o jogador na pele de um monstro tentacular para devorar, crescer e evoluir como o ser perfeito.

75

Carrion

Fabricante: Phobia Game Studio

Plataforma: PS4 / PS5

Gênero: Ação

Distribuidora: Devolver Digital

Lançamento: 27/04/2023

Dublado: Não

Legendado: Sim

Troféus: Sim (inclusive Platina)

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Veredict

Carrion is an unusual experience that seeks to do the most with just the essentials, which makes it somewhat repetitive after a while, when almost all the cards are already on the table. Even though it looks like a labyrinthine metroidvania, the design tends to guide the player linearly so as not to get lost, keeping the gameplay flowing between puzzles and massacres, without much reason to explore on your own. The game’s greatest success is in fulfilling its promise of horror by putting the player under the skin of a tentacular monster to devour, grow and evolve into the perfect predator.