Não é novidade que o gênero roguelite está entre os mais explorados dos últimos anos. Diante deste cenário, era só uma questão de tempo até que boa parte das desenvolvedoras tentasse emplacar um título do estilo. É o caso de Card-en-Ciel. Desenvolvido pela Inti Creates, o jogo busca inspiração em alguns roguelites de construção de baralhos renomados, como Slay the Spire, mas também explora mecânicas de franquias clássicas como Mega Man Battle Network e Yu-Gi-Oh!, para apresentar uma perspectiva bem interessante para o gênero.
A história acompanha Neon Nanashiki, um detetive especializado em crimes cibernéticos. Quando um e-mail chega a sua caixa de mensagens reportando um problema em um videogame ainda em desenvolvimento, ele decide invadir o sistema para descobrir do que se trata.
Ao entrar no banco de dados do game chamado Rust Tactics, ele encontra o avatar de Ancie, uma jovem que faz parte do time de desenvolvimento do jogo. Ela informa ao detetive sobre um defeito no sistema que ocasionou a invasão de personagens de outros jogos famosos. E como não costuma recusar a oportunidade de investigar um novo caso, ele decide ajudá-la.
A estrutura de Card-en-Ciel é no formato de dungeons, cada qual representando o universo de um videogame de diferentes épocas. Essa é uma boa sacada para manter a narrativa sempre renovada. Embora a trama principal por trás do problema no banco de dados de Rust Tactics não seja das mais complexas, a maneira como cada masmorra apresenta curiosidades sobre o universo dos jogos funciona bem.
Alguns destes cenários foram idealizados especialmente para Card-en-Ciel, mas outros títulos conhecidos da Inti Creates também têm espaço no multiverso das dungeons. Além disso, a desenvolvedora também usa essa proposta para fazer referências a outros jogos e gêneros famosos. Apesar de não ser algo inédito no entretenimento digital, a história usa bem o tema dos games para apresentar uma visão divertida de como os personagens de inteligêcia artifical se comportariam em suas realidades e o que pensariam a respeito dos jogadores.
Cada dungeon conta com seu próprio conjunto de cartas para serem coletadas e adicionadas ao baralho ao longo da corrida. As cartas representam personagens únicos, todos dublados e com interações entre si durante as partidas. A dublagem tanto em inglês quanto em japonês é agradável, porém há um uso exagerado das mesmas vozes para diferentes personagens principalmente na versão em inglês.
A direção de arte e o design das cartas é excelente, mas, diante da repetição dos cenários característica do gênero roguelite, algumas linhas de conversa acabam se tornando cansativas. Até há uma opção para silenciá-las, mas isso também afeta os diálogos da história.
O layout das dungeons será muito familiar para os fãs de Mega Man Battle Network. As salas são interligadas por caminhos, que podem ser percorridos na ordem que você achar mais conveniente até chegar ao chefe final de cada andar. Ao longo dos três andares de cada level, você pode optar por encarar todos os encontros, dessa forma fortalencendo seu baralho com as recompensas, ou escolher o caminho mais curto até o boss.
Há também a opção de fugir dos encontros, já que as arenas possuem níveis diferentes de dificuldade que são influenciados pelas salas vizinhas. Toda vez que resolver ignorar uma batalha, uma barra será preenchida. Quando ela atingir seu nível máximo, não será possível escapar do próximo conflito. Por sinal, Card-en-Ciel está sempre valorizando os que optarem por rotas mais arriscadas. A cada encontro superado há uma opção por fortalecer uma carta, recuperar um pouco de vida ou deixar uma carta no cenário para ganhar uma vantagem nas salas vizinhas.
Ao final de um número preestabelecido de dungeons, uma arena especial surgirá no mundo real como parte do desenvolvimento narrativo. Essas masmorras utilizam uma mecânica diferente ao substituírem os pontos de vida de Neon por todas as cartas que foram coletadas ao longo dos níveis anteriores. Conforme sofre dano durante as batalhas, o número de cartas do baralho é reduzido. Ainda que traga um conceito diferente, esse sistema é um pouco confuso por limitar o controle sobre o deck diante das muitas possibilidades envolvidas.
Os duelos ocorrem em arenas como em um tabuleiro no formato 3×3 de ambos os lados, novamente usando como referência Mega Man Battle Network. No entanto, em se tratando de Card-en-Ciel, a movimentação e as reações serão determinadas pelas ações das cartas. Cada dungeon começa com um baralho fixo, que pode ser melhorado através das recompensas do cenário. Uma habilidade passiva permite que você escolha algumas poucas cartas para levar consigo para as corridas.
Ao início das rodadas, o jogador possui três pontos de ação que podem ser utilizados para acionar as cartas em sua mão. Basicamente, o baralho conta com quatro tipos de cartas. As vermelhas correspondem ao dano direto que pode ser causado ao oponente. As azuis são usadas para quebrar a postura do adversário e reduzir o dano que ele causa. As verdes servem para adicionar artefatos ao cenário, que funcionam como buffs ou ações extras, como, por exemplo, vasculhar o baralho em busca de uma carta específica. Para finalizar, as amarelas, quando acionadas no momento exato do ataque do oponente, possibilitam realizar um contra ataque.
Além disso, as cartas também possuem direferentes níveis de raridade. Quanto mais rara ela for, maior será seu efeito de bônus. Esse é um ponto bem importante, pois o jogo é repleto de possibilidades de ativação de funções extras. Por mais que as rodadas pareçam limitadas aos três pontos de ação iniciais, as diversas habilidades das cartas permitem modificar seu custo, aumentar o dano, invocar cópias, ganhar pontos de ação extras e muito mais.
As possibilidades são praticamente infinitas e a dinâmica das batalhas muda a cada confronto. O único porém disso é que leva bastante tempo até que você esteja familiarizado com todas as mecânicas do jogo. Algo que se torna ainda mais alarmante com a ausência de legendas em português brasileiro.
As cartas também são usadas para o jogador se movimentar pela arena de batalha. Cada uma delas possui um marcador com a direção para qual ela permite ir. Os ataques futuros dos oponentes são indicados na arena. Um outro alerta aponta quantas rodadas faltam para que eles executem essas ações. Dessa forma, cabe ao jogador interpretar cada situação para determinar seus próximos movimentos visando também evitar os golpes inimigos. Muitas vezes, o ritmo do jogo pode se tornar frenético, mas ainda é importante prestar atenção para antever as jogadas e evitar refazer uma dungeon inteira por um simples descuido.
Um dos maiores diferenciais de Card-en-Ciel são as cartas especiais chamadas de Muses. Elas podem ser recrutadas em salas encontradas ao longo das dungeons. Tão logo tenha adquirido alguma dessas cartas, completar determinados requisitos invocará o personagem para entoar uma canção exclusiva que também resultará em buffs capazes de mudar o curso das batalhas. Além das melhorias condicionadas, cada Muse invocada também concederá um ponto de ataque especial que serve para aumentar consideralvemente o poder de uma carta selecionada durante aquela rodada.
As cartas das Muses se encaixam perfeitamente na história das dungeons as quais elas pertencem. Além disso, todas as canções são vocalizadas e contribuem para fazer da trilha sonora de Card-en-Ciel uma das melhores qualidades do jogo. O único detalhe que não gostei dessa mecânica é que, em andares mais profundos das masmorras, é comum possuir diversas cartas de Muses no deck. Quando elas são acionadas em sequência, as canções se sobrepõe muito rapidamente, quebrando um pouco a imersão que proporcionam.
Como de praxe em roguelites, ao completar cada dungeon o jogador receberá pontos de experiência para adquirir melhorias permanentes. Esses upgrades podem variar desde uma maior probabilidade para conseguir cartas raras, mais pontos de vida, mais modificadores para o baralho e até upgrades para cartas específicas. Nos primeiros níveis alcançados, as habilidades passivas se mostraram bem interessantes. No entanto, após o nível três, tive a impressão que as melhorias ficaram mais direcionadas para as cartas do que para habilidades que usava com maior frequência.
O fator replay de Card-en-Ciel é excelente. A dificuldade normal oferece uma boa experiência roguelite, mas sem que se torne exaustiva para aqueles que não estão familiarizados com o gênero e só querem curtir a campanha. Além disso, todas as dungeons contam com diversos níveis de dificuldade, que vão acrescentando mais modificadores a cada desafio superado, garantindo que haja conteúdo para todos os tipos de jogadores.
Outra maneira de estender a vida útil do game é um modo online que permite que dois jogadores se enfrentem em regras especiais para determinar a distribuição de cartas. Ainda neste modo, outra opção interessante são as dungeons especiais que são disponibilizadas em um rotação diária ou semanal e que contam com um ranking global.
Por fim, todo meu tempo para superar a campanha e me aventurar por atividades extras teria sido ainda melhor, não fossem os erros que ocasionaram o fechamento do aplicativo ao final de algumas batalhas. Concluir cada masmorra em Card-en-Ciel pode demandar mais de uma hora, dependendo da maneira que você optar por avançar pelos andares. O jogo conta com uma função de salvamento manual durante as dungeons, mas ela não serve para retomar a atividade em caso de crashes. Por isso, esse é um problema que precisa ser reparado o mais rápido possível.
Contudo, ainda que esse detalhe tenha causado um pouco de frustração, Card-en-Ciel pode ser tido como uma ótima opção para os fãs de roguelites de construção de baralhos e também de JRPGs. A impressionante variedade de cartas e as diversas mecânicas envolvidas fazem com que o jogo jamais se torne repetitivo. Além disso, a forma como a história principal atua em conjunto com a temática inspirada pelo mundo dos games e a trilha sonora são outros excelentes atrativos.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Inti Creates.
Veredito
As muitas variedades de cartas, as mecânicas de movimentação e de exploração das dungeons e as divertidas referências ao mundo dos games fazem de Card-en-Ciel uma excelente combinação de JRPG com o gênero roguelite de construção de baralhos.
Card-en-Ciel
Fabricante: Inti Creates
Plataforma: PS4 / PS5
Gênero: JRPG / Roguelite / Deckbuilder
Distribuidora: Inti Creates
Lançamento: 24/10/2024
Dublado: Não
Legendado: Não
Troféus: Sim (inclusive Platina)
Veredict
The many varieties of cards, the movement and dungeon exploration mechanics, and the fun references to the gaming world make Card-en-Ciel an excellent combination of JRPG and the roguelite deck-building genre.