Nos últimos anos, poucos jogos despertaram tanta expectativa quanto Black Myth: Wukong. Desde que foi revelado oficialmente, o jogo desenvolvido pela Game Science chamou a atenção por apresentar não apenas gráficos acima do padrão para a época, mas também por mostrar semelhanças com o subgênero soulslike — algo que ainda não havia sido tão explorado por outras desenvolvedoras até então.
Após passar anos sem muitas novidades, o game reapareceu com uma data de lançamento planejada para 2024. Lançado oficialmente no último dia 20 de agosto, as expectativas criadas rapidamente foram convertidas em números, com o jogo alcançando a marca impressionante de 10 milhões de cópias vendidas já em seus primeiros dias.
E por mais que ainda houvesse alguma desconfiança acerca de seu comportamento no PlayStation 5, posso dizer que minha jornada por Black Myth: Wukong foi até tranquila no que diz respeito à parte técnica. Claro que o game não está livre de problemas, mas eles não chegam nem perto de ofuscar suas qualidades.
A história de Black Myth: Wukong é baseada em “A Jornada ao Oeste”, uma das obras literárias mais tradicionais da cultura chinesa. No jogo, assumimos o papel do Predestinado, um macaco que muitos acreditam portar a essência do lendário guerreiro Sun Wukong. Para restabelecer seu poder, ele é enviado em uma missão para recuperar seis relíquias espalhadas pelo mundo.
Embora o tema do jogo seja uma lenda que já foi contada várias vezes através de outras adaptações, a desenvolvedora utilizou bem o material literário para narrar sua própria versão da história. No entanto, a forma como ela é contada pode ser um pouco confusa para quem não tem conhecimento do romance original, sendo necessário buscar algumas referências através dos arquivos de apoio disponibilizados no diário sobre os personagens, o mundo e suas origens. O que atrapalha é que muitos textos são longos, e consultá-los demanda pausas constantes na ação.
A influência do folclore chinês sem dúvidas é um dos principais atrativos. A direção de arte e os detalhes de iluminação chamam a atenção com cenários belíssimos e fazem do jogo uma das melhores representações da cultura do país nos videogames. Se considerarmos que este é o primeiro trabalho da Game Science, o que conseguiram alcançar pode ser visto não somente como um dos títulos de estreia mais impressionantes de um estúdio lançado recentemente, mas também um marco capaz de alavancar novos projetos oriundos da região.
Outro destaque é a trilha sonora, que varia entre músicas de estilos característicos de jogos de ação para tornar as muitas batalhas contra os chefes ainda mais épicas, mas sem abrir mão de também introduzir faixas compostas por instrumentos tradicionais de períodos históricos da China, como o sanxian, a pipa, o erhu, o xiao, entre outros.
Além de excelentes cenas que acontecem in-game, momentos de transição entre os capítulos vêm acompanhados por animações inspiradas pela arte chinesa. Esses detalhes podem até passar despercebidos diante da beleza gráfica que é apresentada ao longo do jogo, mas achei isso uma ideia interessante, principalmente por valorizar ainda mais a cultura do país.
Claro que toda essa qualidade visual acaba sendo um pouco afetada no console quando comparada à versão de PC. Ainda que o jogo ofereça três modos diferentes de exibição, a exigência por movimentos precisos imposta pelas mecânicas de jogabilidade torna o modo performance a opção mais viável. E mesmo quem decidir priorizar o desempenho, ainda não estará totalmente livre de oscilações na taxa de quadros por segundo durante algumas lutas e de pequenos engasgos em transições de cenários.
O sacrifício visual para alcançar a estabilidade é percebido ao transitar pelos mapas e encontrar objetos com baixa resolução. Em outros casos, a textura de algumas superfícies demora ou sequer chega a carregar. Outro problema frequente está na presença de borrões e rastros durante a movimentação do personagem. Isso fica ainda mais perceptível nos capítulos em mapas cujo campo visual é aberto.
Mesmo com esses detalhes — que podem inclusive ser aprimorados através de atualizações — ainda conclui a campanha sem ter aquela sensação de que minha experiência foi prejudicada. Como gosto sempre de enfatizar, considero que uma análise também deve ser baseada nas impressões pessoais de quem a está escrevendo. Nesse caso, em se tratando de RPGs de ação, a diversão ainda é o fator mais importante para mim. Caso você pense de forma parecida, posso garantir que Black Myth: Wukong compensa esses percalços com uma ambientação primorosa e uma jogabilidade que é, ao mesmo tempo, empolgante e recompensadora.
Lógico que é impossível olhar para as imagens de combate e não fazer comparações com jogos soulslike. Isso porque, ainda que Black Myth: Wukong tenha a proposta de ser menos punitivo, muitas de suas mecânicas foram baseadas na fórmula da FromSoftware. O sistema de travamento no alvo, a funcionalidade dos checkpoints, a limitação no uso de itens de cura e até os famigerados problemas com a câmera estão presentes, no entanto, as semelhanças acabam por aqui.
Para evidenciar isso um pouco mais, a economia do jogo e a forma como se ganha os pontos de experiência funciona de forma separada. A volição é a moeda usada para comprar itens dos vendedores, fabricar e melhorar armas, armaduras e outros acessórios. Ela é conseguida ao eliminar inimigos, encontrada em baús e vendendo itens para os mercadores. Já o sistema de level funciona como na maioria dos jogos, com pontos chamados faíscas sendo conquistados conforme a barra de nível é preenchida. Em caso de morte, nada de perder seu XP e a volição acumulada. Black Myth: Wukong quer que você parta para a porrada de forma direta, sem ter que se importar em recuperar o que foi conquistado.
Para isso, o combate se beneficia de uma movimentação ágil e bastante fluida. Ainda que haja consumo de estamina para desviar, correr e pular, essas ações podem ser realizadas com maior frequência. Os ataques são desferidos com velocidade, e a ausência de um sistema de defesa que possa ser usado sequencialmente torna a esquiva ainda mais importante. Cada desvio realizado no momento perfeito resulta em um ganho de energia de foco, uma reserva que pode ser consumida para carregar um ataque pesado capaz de causar dano elevado e também de quebrar a postura dos inimigos.
Os ataques corpo a corpo possuem variações além do básico e do pesado. A arma utilizada durante todo o jogo é o bastão, com algumas opções de diferentes níveis e bônus ficando disponíveis conforme progride na história. Para adicionar mais fluidez aos ataques, posturas de combate podem ser adquiridas da árvore de habilidades. Essas posturas são acionadas através do direcional e mudam a forma como os combos são realizados. Uma das minhas favoritas é a postura do pilar, na qual o Predestinado sobe no bastão para, lá do alto, desferir um golpe poderoso, mas que também é útil para evitar ataques inimigos.
Só que além do bastão, há muitas outras alternativas de combate. O jogo conta com um sistema de magia que, mesmo não sendo muito amplo, é bem interessante. Quatro opções podem ser equipadas ao mesmo tempo. Embora as magias possuam restrição do espaço que podem ocupar, é possível criar diferentes estilos de jogo — ou até optar por não usá-las para ganhar um bônus de ataque corpo a corpo. O único porém, é que a recuperação de mana escassa e o tempo de recarga das magias fazem com que seu uso fique bem limitado.
Dentre essas magias estão um poder imobilizador, a capacidade de transformar seu corpo em pedra para repelir ataques inimigos, invocar um mini exército de clones para distrair e atacar os adversários, desaparecer em uma névoa, entre algumas outras. Além disso, um outro grupo de magia são as transformações. Elas permitem que o Predestinado assuma a forma de alguns inimigos derrotados para utilizar seus ataques durante um tempo. Essas transformações são úteis para causar dano, mas também para se proteger, já que possuem um barra de vida exclusiva e também ataques especiais elementais.
Uma outra mecânica de combate são os espíritos. Eles são recolhidos de inimigos especiais e podem ser equipados para que o Predestinado use um ataque especial de transfiguração durante os combos. As opções desses espíritos são muito variadas e eles podem ser melhorados para adicionar também benefícios passivos de acordo com a característica de cada um. Muitos deles são capazes de mudar o curso de uma batalha quando usados de forma correta.
Todas essas habilidades contribuem para formar um dos melhores sistemas de combate que experimentei recentemente. E isso ainda não é tudo: há muitas outras formas de melhorar as estatísticas do personagem através de tônicos, poções, pílulas, amuletos e uma extensa árvore de habilidades. Para se ter noção, as opções para aprimorar e adquirir novas habilidades são tantas, que encontrei dificuldade para escolher o caminho que gostaria de priorizar. Felizmente, subir de level não é tão complicado, bem como também é possível redefinir a árvore de habilidades quantas vezes quiser sem nenhum custo.
Esse é um fator importante, pois mesmo que Black Myth: Wukong pareça ser menos punitivo, o jogo ainda possui um bom nível de dificuldade. Há uma ótima variação de inimigos ao longo da campanha. De início, confesso que estava achando as batalhas até um pouco monótonas por não oferecerem muitos desafios, mas isso foi progredindo naturalmente a cada novo capítulo.
Onde o jogo brilha mesmo é nas lutas contra os chefes. Aliás, Black Myth: Wukong provavelmente possui um dos maiores elencos de bosses em um RPG de ação. Há casos em que batalhas contra chefes acontecem em sequência ou em um intervalo muito curto. Isso pode parecer desbalanceado ou cansativo, mas o game equilibra bem isso ao oferecer lutas mais fáceis e intercalá-las com outras mais desafiadoras. Os encontros finais de cada capítulo se provaram desafiantes, ao ponto de proporcionar uma excelente sensação de vitória.
A movimentação de boa parte dos chefes condiz com o padrão de velocidade do combate, exigindo uma boa leitura de seus golpes para perceber o momento ideal para atacar ou desviar. Só que essas características de jogabilidade acelerada também resultam em problemas com a câmera. Em casos de chefes que se movimentam voando ou que saltam frequentemente, é comum perder a noção de seu posicionamento.
Claro que muitas dessas batalhas são opcionais, e a exploração dos cenários é que vai determinar como você vai encarar a campanha. Concluir a jornada focando apenas nos objetivos principais deve levar por volta de 30 horas, mas com a qualidade do combate e a enorme variedade de adversários, dificilmente você vai se concentrar apenas nisso.
Além de encontrar lutas secretas e missões secundárias, verificar todos os cantos do mapa também resultará em mais itens para seu arsenal de combate, além de materiais e pontos de experiência, que serão fundamentais para aumentar suas chances de superar os encontros mais difíceis.
Em se tratando do level design, é onde posso dizer que me decepcionei um pouco com o game. Embora a exploração ainda seja recompensadora na maioria dos mapas, a forma como o layout é disposto causa bastante confusão em sua navegação. Isso acontece principalmente durante os capítulos dois e três, mapas mais abertos e com caminhos opcionais, nos quais a presença de diversas barreiras invisíveis dificultam para distinguir o que é explorável do que não é.
Outro problema que o jogo enfrenta é que há uma quebra de ritmo, especialmente durante o capítulo três, que é extremamente longo e possui grandes áreas exploráveis que resultam em itens de pouco valor. Teve um momento na porção final deste capítulo que evitei explorar algumas áreas por já estar cansado dos mesmos inimigos e frustrado com as recompensas que obtive. Nos capítulos quatro e cinco, percebi que os mapas com layout linear funcionam melhor, por estarem mais condizentes com a proposta do game de ser direto ao ponto. Só que no capítulo final, a orientação voltou a ficar confusa.
Mas ainda que as decisões no level design sejam contestáveis, a impressão final que Black Myth: Wukong deixou é de ser um dos melhores RPGs de ação lançados nos últimos anos. Os problemas técnicos encontrados podem ser vistos como adversidades dependendo do nível de exigência do jogador, mas a excelente ambientação, as lutas contra os chefes e um sistema de combate envolvente compensam isso muito bem.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Game Science.
Veredito
Black Myth: Wukong faz uso de uma grande obra literária para criar uma das melhores ambientações inspiradas pela cultura chinesa. Embora ainda haja problemas técnicos na versão de PlayStation 5, quem conseguir superá-los estará diante de um jogo repleto de alternativas de combate e com ótimas lutas contra chefes. Para os fãs de RPGs de ação, Black Myth: Wukong é obrigatório.
Veredict
Black Myth: Wukong uses a great literary work to create one of the best settings inspired by Chinese culture. Although there are still technical issues in the PlayStation 5 version, those who can overcome them will be faced with a game full of combat options and great boss fights. For fans of action RPGs, Black Myth: Wukong is a must-play.