Meu apreço por jogos de RPG vai além dos videogames. Ele vem das lembranças que tenho de uma época da minha adolescência onde me reunia com amigos para jogarmos RPGs de mesa. Esse saudosismo contribuiu para que minha empolgação em jogar Baldur’s Gate 3 fosse parar nas alturas. E como eu já tinha conhecimento da excelente recepção que o game teve no PC, era óbvio que estava diante de algo especial. Só que o resultado final, sinceramente, ainda foi muito além do que eu havia imaginado.
Baldur’s Gate 3 é o novo título desenvolvido e publicado pela Larian Studios. Ele é baseado nas regras da quinta edição de Dungeons & Dragons e se caracteriza por talvez ser a melhor representação eletrônica do clássico RPG de mesa. Mas Baldur’s Gate 3 não se resume a isso. Além de um ótimo combate estratégico por turnos, ele também possui uma das melhores ambientações e construções de mundo que já tive a oportunidade de jogar. O nível de liberdade e de imersão que a história proporciona é tão impressionante, que até mesmo algo que aparenta ser um simples detalhe pode ter um resultado surpreendente.
A história começa com seu personagem sendo abduzido e levado para uma nave Nautiloide, onde é infectado por um parasita Ilitide. Após uma batalha aérea resultar na queda da nave alienígena, o protagonista, assim como outros personagens capturados, consegue escapar. A partir desse ponto, começa uma jornada desesperada em busca por uma cura para a infecção, antes que o processo de ceremorfose seja concluído e você se transforme em mais um dos Devoradores de Mentes.
Conforme avança na história, você começa a perceber que a infecção está demorando mais que o estimado para atingir seu estágio final. Não apenas isso, você passa a notar que possui um vínculo com os outros personagens que também foram infectados e que pode usar esses poderes telepáticos para exercer influências em outros habitantes do mundo. Isso faz com que você questione se a cura para a infecção realmente seria a melhor opção ou se esse poder é tão bom ao ponto de arriscar explorá-lo.
O jogo conta com um excelente sistema de criação de personagens. São tantas opções de customização de aparência, escolha de raça, classes, subclasses e histórico, que você pode passar mais de hora até se decidir. Essas escolhas iniciais são importantes, pois terão impacto não apenas em suas habilidades e atributos, mas em como o mundo vai reagir em relação ao seu personagem e como você poderá interagir com as situações do jogo. Há também a possibilidade de jogar com um dos personagens originais, que nada mais são que os principais companheiros que você poderá recrutar durante sua jornada. Essa opção permite que você veja a história do ponto de vista de um personagem específico, mas também dá menos liberdade para escolher como montá-lo. Por isso, acredito ser uma alternativa mais indicada para um segundo playthrough.
Por todo o tempo você será colocado em situações de tomada de decisões. Cada decisão terá consequências para o decorrer de sua jornada, portanto é importante prestar atenção nos detalhes se não quiser se arrepender por algo que saiu fora do curso que tinha intenção de seguir. E mesmo que você faça isso, ainda será surpreendido quando uma ação que parecia ser a mais correta resultar no oposto do que imaginava. Isso porque, em Baldur’s Gate 3, não existe muito esse conceito do certo e do errado. A ideia é que você siga seu próprio caminho, mesmo que para isso tenha que tomar medidas consideradas drásticas.
O fator replay em Baldur’s Gate 3 é imensurável. São tantas possibilidades para viver suas histórias que dificilmente você vai querer deixá-lo de lado após assistir aos créditos pela primeira vez. Qualquer diálogo que você participe poderá resultar em algo interessante ou até numa repentina sidequest. Você pode estar andando e, por curiosidade, iniciar um diálogo com um NPC dos mais simples e ele poderá ter uma história para te contar. Até mesmo em ocasiões onde tiver que repetir um diálogo ao voltar um save por conta de um mau resultado no combate, mesmo optando pelas mesmas respostas, é possível obter reações diferentes nos comentários de seus companheiros.
Tudo isso torna muito difícil estimar um tempo de campanha para Baldur’s Gate 3. Focando somente nos objetivos principais, é possível concluir a história em cerca de 50 horas. Mas é improvável que você faça isso, e até seria um desperdício, tamanha a quantidade de conteúdo que o game tem para oferecer. A exploração é um dos pontos mais importantes, pois não há indicações de onde iniciar as missões secundárias nos mapas. Por muitas vezes essas missões são liberadas após um diálogo bem sucedido ou através de um item explorado. Então é primordial interagir com o mundo, participar de diálogos, ler os livros e examinar os cenários.
Em contrapartida, essa falta de informações pode tornar algumas missões um tanto confusas. Isso acontece porque nem sempre o mapa e o diário vão apontar de forma clara quais serão os próximos passos de uma missão. Por algumas vezes fiquei procurando por um objetivo que o mapa apontava estar naquela região, mas que na verdade só era possível concluir mais adiante. Isso até incentiva que você descubra as informações por contra própria, mas também pode levar a algumas situações frustrantes.
Dentre essas missões secundárias, destaque especial para as histórias dos companheiros. Eles são parte importantíssima do game, pois além de constituírem sua party para explorar o mundo e participar das batalhas, possuem características únicas e suas próprias linhas de história. Há momentos em que as missões dos companheiros acontecem como parte complementar de algumas missões principais, fazendo com que suas decisões tenham ainda mais importância. Cada personagem vai reagir de forma diferente de acordo com as atitudes que você tomar durante o jogo. Interagir com eles durante as aventuras e no acampamento é fundamental para se aprofundar em suas histórias. Essas missões também podem elevar ou diminuir seu nível de aprovação com os companheiros, podendo resultar em alguns romances, ou até fazer com que eles deixem o grupo.
Vale destacar a alta qualidade da animação dos personagens durante os diálogos, mesmo para aqueles que possuem um papel de menor expressão. Em se tratando dos companheiros e demais personagens principais isso é ainda mais perceptível, bem como também é elogiável o ótimo trabalho que foi feito pelos intérpretes. Em contrapartida, também chama a atenção os frequentes atrasos na renderização das texturas dos rostos dos personagens, suas vestimentas e elementos de cenário.
Uma parte importante dos diálogos tem a ver com as maneiras que você pode abordar cada situação. Em muitas ocasiões haverá opções de respostas mais diretas, que podem resultar no fim daquele diálogo ou até iniciar uma batalha inesperada, mas também ações alternativas com base nos atributos de seu personagem. Por exemplo, você pode fazer uso da percepção para tentar desconfiar de uma atitude suspeita de seu interlocutor, ou da persuasão para convencê-lo a algo que parecia improvável.
Para cada uma dessas ações será obrigado a rolar um dado D20, onde a meta a ser batida é influenciada pelos seus atributos. Dependendo do perfil e classe do seu personagem, opções exclusivas também poderão parecer. Atributos melhores concedem benefícios para ajudá-lo a bater o limite, mas uma escolha mal feita pode ter uma penalidade no resultado dos dados. Então você deverá entender as vantagens que seu personagem possui, para fazer as escolhas com as quais terá mais chance de superar a meta.
Situações assim remetem aos jogos de RPG de mesa, se tornando um grande atrativo não apenas para todos que já jogaram Dungeons & Dragons, mas também para os que sempre tiveram curiosidade de experimentar o que o jogo proporciona, mas que por algum motivo não conseguiram. Bater aquela pontuação exigida para alguma ação ou falhar miseravelmente por conta de um dado mal rolado quando o limite era insignificante, e arcar com as consequências, estão entre as melhores sensações em Baldur’s Gate 3. Algo que vale ser comentado é que, mesmo que você não tenha jogado outro título da série ou se não tiver muita familiaridade com o universo D&D, ainda poderá jogar Baldur’s Gate 3 tranquilamente.
O combate é outro ponto importante em Baldur’s Gate 3. Você poderá montar sua party com até 4 personagens, sendo um deles seu principal e mais três companheiros. Cada companheiro possui uma classe específica, o que resulta em diferentes opções para você montar seu grupo de maneira que melhor combine com seu personagem principal ou com a situação de combate pretendida. Também é possível recrutar mercenários para se juntarem à sua party. Esses mercenários estão divididos dentre algumas das principais classes do jogo e podem adicionar mais opções ao combate.
As características dos personagens e seus equipamentos vão determinar muito do curso de cada ação. Isso pode influenciar na distância que cada um pode percorrer por turno, no número de ações e até na rolagens por iniciativa do combate, de defesa e de ataque. Durante cada rodada, você poderá posicionar seus personagens da maneira que achar melhor para tirar vantagens da condição dos inimigos. Você também tem a opção de separar o seu grupo para montar uma estratégia específica ou atuar em duas atividades em paralelo. Elementos de cenário também são úteis para surpreender seus inimigos. Isso pode ser feito escondendo um de seus companheiros em um lugar estratégico, interagindo com objetos, dentre tantas outras alternativas.
O sistema de progressão do personagem é um pouco mais lento que na maioria dos jogos. São apenas 12 níveis disponíveis, sendo que cada nível liberado concede melhorias, como aumento substancial nos pontos de vida, novas habilidades, atributos, entre outros. Também é possível combinar mais de uma classe por personagem, o que resulta em uma enorme variedade de builds.
Baldur’s Gate 3 oferece um modo multiplayer cooperativo para até 4 jogadores. Há opção de se juntar à campanha de um jogador aleatório, ou através de convite de um amigo, para assumir o papel de um de seus companheiros. Se quiser, também pode deixar seu jogo aberto para alguém participar de sua campanha. A maneira mais indicada para jogar Baldur’s Gate 3 de forma cooperativa, no entanto, é reunir amigos para uma campanha desde o início. Dessa forma, é possível se comunicar para planejar as melhores estratégias de combate e de abordagem dos diálogos, algo que se assemelha muito a uma campanha tradicional de mesa de Dungeon’s & Dragons. Isso também pode ser feito no sistema de tela dividida, inclusive permitindo que duas pessoas em modo local joguem com outras no modo online.
Quando falamos de um jogo com sistema de combate por turnos, é comum que muitos fiquem reticentes por acharem esse gênero complicado demais ou muito monótono. Em Baldur’s Gate 3 isso não acontece. O sistema de combate é bem explicado por tutoriais e não é difícil de ser compreendido. Claro que pela enorme quantidade de informações e de possibilidades para abordar cada confronto, leva um tempo maior para se adaptar a alguns conceitos. Mas com um pouco de prática e paciência é possível aproveitar o modo de combate sem maiores problemas.
O combate, aliás, é bastante envolvente. Qualquer suspeita de um jogo monótono é descartada logo nos primeiros embates, pois montar a estratégia adequada para enfrentar uma batalha e superá-la após algumas tentativas mal sucedidas é bastante satisfatório. O único porém é que algumas das batalhas principais podem demandar um pouco mais de tempo. Por muitas vezes é melhor recarregar o save quando perceber que as coisas estão caminhando para o lado do inimigo, do que insistir em um confronto que parece perdido. Para isso, é importante sempre fazer um save manual antes, ou até durante uma batalha, já que o sistema de salvamento automático do jogo não é confiável.
Quando Baldur’s Gate 3 foi anunciado para o PlayStation 5, uma preocupação que tive foi como ele seria adaptado para o controle. Para minha surpresa, ele funciona muito bem. As ações de combate são comandadas por um menu radial. Esse menu pode ser customizado com as habilidades e itens de sua preferência. Mais menus podem ser adicionados se quiser expandir o número de ações, mas você também tem a liberdade para limitar o número de menus caso queira simplificar as coisas. Algo que pode confundir um pouco é que, por padrão, o jogo possui uma configuração de adicionar os itens que você coleta ao seu menu radial automaticamente. Isso pode resultar em um bocado de menus em sua interface, atrapalhando bastante na hora de escolher algo específico. Caso veja necessidade, essa função pode ser desabilitada nas opções.
Além das ações de combate, é comum que durante as batalhas, ou mesmo quando estiver explorando, você queira uma visão mais aberta do campo ou mudar o ângulo da câmera. Essa também é uma função que ficou bastante intuitiva no controle, sendo possível transitar com a câmera de forma livre. Para ajudar na exploração, também podemos ativar a função de cursor para simular o movimento de um mouse. Essa função é muito útil para escolher no cenário um item específico que queira interagir.
Porém, o game não está livre de pequenos problemas técnicos. Além do já abordado atraso na renderização de texturas, há ocorrência de pop in de elementos durante a exploração dos mapas. Em áreas com maior densidade de eventos e de NPCs é comum uma queda considerável na taxa de quadros por segundo. Felizmente, essas quedas são menos frequentes durante as batalhas. Esses detalhes técnicos devem ser resolvidos com o tempo e não chegam nem perto de prejudicar a experiência do jogador.
Eu costumo brincar com alguns amigos que minha lista de jogos favoritos é como um clube fechado. Para eu colocar um novo jogo nessa lista ele tem que ser muito especial. Baldur’s Gate 3 conseguiu isso. Ele é daqueles jogos que a gente se envolve profundamente com sua narrativa, seu mundo e seus os personagens. Baldur’s Gate 3 não é apenas um sério candidato ao prêmio de jogo do ano, ele é uma obra-prima que recomendo para todos os amantes de RPGs eletrônicos.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Larian Studios.
Veredito
Baldur’s Gate 3 alcançou o ápice dos jogos de RPG. Com um envolvente sistema de combate por turnos, exploração recompensadora e um dos melhores desenvolvimentos de narrativa e personagens, Baldur’s Gate 3 é um daqueles jogos dos quais nos lembraremos por muitos e muitos anos.
Veredict
Baldur’s Gate 3 has reached the pinnacle of RPG games. With an engaging turn-based combat system, rewarding exploration, and some of the best narrative and character development, Baldur’s Gate 3 is one of those games that we’ll remember for many years to come.