Em 2009, James Cameron – o mesmo idealizador dos marcantes Titanic (1997) e O Exterminador do Futuro 2 – O Julgamento Final (1991) – mostrou ao mundo tudo o que uma tecnologia antiga, mas escanteada, tinha a oferecer para o entretenimento e para a cultura pop. Com o seu Avatar, o cinema 3D finalmente ganhou notoriedade e se mostrou um fenômeno que se tornaria uma tendência na década que se seguiu inclusive para aparelhos televisores que apostaram que não haveria mais volta, e a bidimensionalidade padrão estaria superada. Até mesmo o Playstation 3 ganhou seus jogos com o uso desta tecnologia, mas como agora já percebemos, poucos foram os filmes, programas e jogos que souberam se apropriar da experiência vista na bela lua chamada Pandora.
Não foi somente a fotografia e a profundidade de campo que marcaram a produção, contudo. Mesmo que a história contada não seja das mais originais de todos os tempos, a construção de mundo absurdamente detalhada e a elaboração de uma mitologia própria estabeleceram o universo criado por Cameron como um divisor de águas admirado e pouco emulado. Somente ele mesmo, 13 anos depois, conseguiu repetir o feito, revivendo a mesma tecnologia que andava novamente esquecida, e expandindo aquilo que já era colossal. A sequência cinematográfica Avatar: O Caminho da Água não superou seu antecessor como o filme mais rentável da história dos cinemas, mas fez o que nenhum outro produto original havia feito uma vez mais ao fascinar audiências ao redor do mundo. E traz consigo um pouco mais de ousadia técnica e estética.
Praticamente um ano após o sucesso do segundo filme da franquia e dois anos antes da estreia prevista do terceiro, eis que chega até nós Avatar: Frontiers of Pandora, jogo distribuído pela Ubisoft baseado na marca criada por Cameron que, pretensiosamente, se coloca como parte da mitologia canônica deste mundo, nos apresentando personagens originais em uma história totalmente nova que se passa em outras regiões que não as vistas nos filmes, e que aborda uma faceta diferente da relação entre humanos e na’vi (o povo nativo de Pandora), se passando temporalmente logo após os eventos protagonizados por Jake Sully, ou Toruk Makto, liderando uma revolta que expulsou os usurpadores e retomou o controle da lua.
O jogo se inicia, porém, alguns anos antes desta lendária batalha, quando a RDA (Resources Development Administration), principal corporação a explorar o lugar e maior antagonista da história toda, começa a recrutar algumas crianças nativas para atuarem como, segundo eles, embaixadores junto ao seu povo, com a intenção, obviamente, de os tornar mais simpáticos à presença humana. Mais barato do que produzir corpos para abrigar mentes humanas, a iniciativa educava, treinava e doutrinava estes órfãos por anos até eles estarem preparados para o trabalho sujo. Não é surpresa que, com raizes culturais e místicas bastante sólidas, a tarefa não seria fácil e os novas recrutas eram muito mais difíceis de se apaziguar do que se esperava, o que gera conflitos intensos e chocantes entre as duas raças. Quando tudo dá errado, os agora adolescentes na’vi são resgatados e precisam se juntar à resistência para lutar contra os opositores que teimam em permanecer em Pandora. Nosso avatar customizável é um destes jovens, e é aí que a jornada realmente começa.
Assim que adentramos o verdadeiro espaço da lua, é impossível não reviver o estado imediato de maravilhamento apoteótico com a variedade natural ali representada pela vivacidade colorida, formas magníficas e espécimes que conseguem fugir da emulação da vida aqui do nosso planetinha Terra, mas que, ao mesmo tempo, parecem realmente plausíveis e equilibradamente coerentes com os biomas ali representados. Ainda que a biodiversidade vista no game esteja aquém do esperado, mesmo com criaturas e plantas novas sendo apresentadas à medida que avançamos pelo terreno, aquilo que presenciamos é digno da derivação do que há de melhor na franquia Avatar, que é a soma entre criação de mundo e fascínio audiovisual. Não há dúvidas de que temos aqui uma das mais bem feitas obras da geração no que se refere a representação de ambientes naturais.
Os desenvolvedores da competente Massive Entertainment buscaram emular uma ambientação de constante vivacidade daquilo que nos envolve. Abusando da bioluminescência à noite e de uma profusão inebriante de cores durante o dia, por vezes precisamos só parar por alguns segundos para ouvir a vida em um belo trabalho de sonorização, com ruídos que vão do uivar de animais dos mais exóticos ao farfalhar de folhas das mais diferentes formas. A trilha musical é um reforço para a sublimação da natureza e se faz presente sempre que pretende nos emocionar, como na bela passagem que nos leva ao nosso primeiro momento de voo em conexão com o nosso Ikran. Há um trabalho aqui quase hipnótico para nos dizer, sem rodeios, que este é um mundo que definitivamente vale a pena ser preservado.
Este mesmo cuidado também pode ser notado na modelagem de personagens, com as mais diversas tribos na’vi bem representadas em textura de pele, vestimentas, construções e costumes. Diversos pontos de referência que vão de acampamentos até vilarejos mais complexos carregam consigo traços marcantes de uma cultura que sim, bebe das óbvias inspirações e metáforas de povos nativos do nosso planeta, mas que ao mesmo tempo trazem uma identidade forte e bem estabelecida. De similaridades estão, claro, o respeito à divindade da natureza e a busca pela harmonia espiritual com aquele lugar, mas cada tribo à sua maneira particular. Tudo reproduzido com muito cuidado na composição de cores, animações acuradas e boas linhas de diálogo, cuja soma estabelece um background que parece ser maior e muito mais interessante que a história em si.
Partindo para um olhar mais objetivo, temos uma jornada sobre pertencimento e autodescoberta. Nosso avatar não é um corpo que recebe a alma de um humano, mas nem por isso, ele se sente menos estrangeiro em meio a seu povo. Não demora até que descubramos de onde ele vem, qual sua trajetória durante a infância e o que se espera dele a partir do momento em que escolhe um lado para defender. Ele não é na’vi o suficiente para seus iguais, muito menos humano para seus inimigos. Por motivos diferentes, ele é como Jake Sully, o herói dos filmes no cinema, e mais do que provar seu valor para Pandora, ele deve compreender a si mesmo, tudo isso enquanto tenta sobreviver aos castigos de uma guerra crescente e infindável. E mesmo que possamos reafirmar os paralelos batidos entre as produções mais recentes da Ubisoft e esta mais recente, é aqui onde Avatar: Frontiers of Pandora se mostra um encontro entre as dinâmicas de Far Cry com a jornada de Aloy em Horizon Zero Dawn.
O caminho para isso não será simples. Esta dicotomia em que o protagonista se encontra está traduzido na construção arquertípica de um personagem como a que vemos, por exemplo, nos jogos de maior escopo da franquia Assassin’s Creed. Além de equipar peças de vestuário cada qual com seus atributos, há também o mapeamento de dispositivos de acesso rápido, que vão de arcos típicos dos nativos até as mais sofisticadas armas de fogo trazidas pelos malditos humanos. Não há tanta variedade assim, mas é o suficiente para termos opções de combate mais próximo, como escopetas e arcos leves, até um arsenal para batalhas campais mais pesadas, como arcos de concussão, fuzis e coisas do tipo. Granadas, explosivos e componentes incendiários completam o pacote que garante um bom preparo para os momentos mais intensos.
A customização não seria completa sem uma árvore de habilidades bastante robusta, com melhorias a serem desbloqueadas conforme cumprimos objetivos dentre missões principais e tarefas secundárias. Estes tópicos não fogem muito daquilo que já vimos no gênero, como melhoria na barra de vida, no dano primário, maior velocidade no modo furtivo e daí por diante. O nível do personagem é uma grande mistura entre o poder dos equipamentos que vamos obtendo, tal como seus modificadores de complemento, e as habilidades desbloqueadas, subvertendo a lógica de RPGs mais tradicionais. Ao invés do nível nos bridar com coisas melhores, são elas que determinam o nível. E esse valor é um indicador preponderante para sabermos se estamos ou não preparados para a próxima missão ou se é necessário garimpar um pouco mais antes de seguir com a história.
Aliás, a organização das missões também é lugar comum para os veteranos de jogos de ação e aventura, sobretudo os que se aproveitam de mundos abertos. Você tem a main line destacada no menu de tarefas, e logo abaixo outras demandas paralelas. Aqui o jogo parece um pouco menos inspirado, já que tanto uma coisa quanto outra parecem desenvolver a trama de forma vagarosa e pouco objetiva, algo que melhora um pouco a partir da segunda metade da campanha quando as peças já estão melhor distribuídas no cenário e você já compreendeu a dinâmica da jogatina. Ainda assim, muitas vezes você estará em ciclos contínuos de “vá até tal lugar e resgate meu marido” ou “esse grupo foi atacado e você precisa rastrear os agressores”, coisas que vão te levando de um lado a outro no mapa, algo que nem sempre se aproveita bem da viagem rápida.
Durante estas andanças, você poderá se deparar com instalações inimigas que estão poluindo – ou num paralelo com o já citado Horizon, corrompendo – a região, e você precisa invadir, seja no melhor estilo Rambo, seja na surdina, para desmantelar a operação e recuperar o território perdido para os agressores, exatamente como faz em Far Cry. Estes são alguns dos momentos mais tensos porque nem sempre você está preparado para encarar dezenas de inimigos armados até os dentes e, quando alguma coisa sai errado, só se percebe isso quando já é tarde demais para recuar. Dito isso, por mais tentativas de variar os cenários, a coisa é quase sempre muito similar: invada, utilize um dispositivo específico para rackear os equipamentos alheios, sabote o local e sobreviva para ver a natureza reassumindo seu lugar.
Algo que pode incomodar as pessoas mais diretas é que essa mineração de pontos de experiências e loot de equipamentos e consumíveis melhores derivam daquelas missões “optatórias”, ou seja, aquelas que teoricamente você pode até ignorar por um tempo, mas que logo se verá obrigado a realizar para conseguir progredir o suficiente para as missões principais, o que significa que em algum momento você terá que fazê-las querendo ou não. Eu particularmente prefiro ciclos assim, e geralmente só avanço na história principal quando não há mais nada secundário a ser feito, mas compreendo que este não é o único estilo de progressão e que pode frustrar outros perfis de jogadores que não o meu. Em outras palavras, fãs de jogos do gênero se sentirão confortáveis aqui, mas aqueles que não gostam da dinâmica provavelmente não encontrarão em Avatar algo para mudar de ideia.
Em resumo, como um na’vi, você vai passar por batalhas intensas se apropriando das mecânicas clássicas de movimentação e tiro em primeira pessoa, ciente de que seu corpo é atlético e maleável, mas relativamente frágil e, portanto, não é exatamente uma esponja de balas. Batalhar em campo aberto é uma péssima ideia e a receita óbvia para o fracasso, então saber criar um espaço controlado e protegido é fundamental. Invadir torretas, limpar o perímetro, eliminar as ameaças mais poderosas com o mínimo de exposição, tudo se parece com o que já vimos antes. Escalar com habilidade, dominar o espaço vertical e saber bem se aproveitar de diferentes níveis de impulsão no salto também podem ajudar bastante.
Porém, representando um povo essencialmente pacífico, não é só de quebra-quebra que viveremos. A caça e a pesca já são atividades esperadas, assim como a culinária. Se alimentar bem e aproveitar ao máximo as dádivas da natureza é algo essencial para se dar bem nos momentos de aperto. Plantas e animais fornecem praticamente todas as ferramentas das quais vamos precisar, e o que faltar, dá pra coletar como espólios dos inimigos vencidos. Itens de criação e produtos manufaturas artesanais também podem ser encontrados em abundância com tribos aliadas, mas nem sempre a um custo que vale a pena gastar, e via de regra, vale muito mais a pena gastar um tempinho para incrementar você mesmo seus equipamentos do que pagar por eles.
Isso porque a maioria dos comerciantes não esperam valores financeiros, mas sim afinidade. Quanto mais uma tribo comungar com o seu personagem, mais seu prestígio cresce, o qual pode-se trocar por coisas. Esta é, sobretudo, uma sociedade comunitária onde não é o dinheiro, mas sim a reciprocidade que vale, e é um sistema semi-monetário muito bem representado no jogo. Mesmo assim, por vezes você fará uma série de tarefas para agradar aquela tribo para trocar por, no máximo, um item superior, o qual ainda é possível que você substitua por um próximo loot mais vantajoso. Só se aconselha investir mesmo naquilo com maior necessidade imediata, como um item específico de fabricação que esteja faltando em seu inventário ou uma arma que seja muito mais eficiente que a atual. De resto, é melhor esperar um pouco mais para fabricar ou garimpar.
Como parte das habilidades do nosso protagonista, está um tipo de sensor especial que se aproveita da conexão entre ele e a grande mãe Eywa (uma entidade etérea e espiritual que personifica uma mistura entre a própria lua de Pandora e a natureza), que funciona como qualquer outro artifício de escaneamento de ambiente que já vimos em tantos jogos modernos. A partir dele, localizamos plantas coletáveis ou animais a serem caçados ou com algum outro potencial de interação; catalogamos espécimes da fauna e da flora para nosso glossário; e encontramos pontos de interesse, como missões marcadas, pistas rastreáveis ou bases inimigas. Na maioria do tempo, é um ótimo recurso de condução, mas ainda assim é algo no qual pode se confiar menos do que de costume.
Isso porque muitas vezes, ao nos direcionar para o ponto de interesse marcado como missão ele mostra o destino, mas jamais considera a geografia do ambiente. Atravessar espaços acidentados e montanhosos, quando à pé, é um pouco mais complicado mesmo com a notória agilidade do povo na’vi, e isso faz parte da experiência de rastreamento, que muda drasticamente quando liberamos montarias. O maior problema da interface é se valer de um mapa bastante confuso e pouco instrutivo, e principalmente ao nos deixar perdidos em ambientes labirínticos, como grandes construções, cavernas bifurcadas, instalações militares ou ambientes com múltiplos níveis verticais. Não espere, portanto, que o jogo crie um caminho mais rápido de onde se está para onde se deve chegar. Tudo é mais instintivo, menos guiado e, assim, dá ao jogador uma liberdade maior, assim como o deixa um pouco menos seguro.
Avatar: Frontiers of Pandora é, definitivamente uma boa surpresa no que se refere ao respeito pela obra original, algo que, como vimos ao longo dos últimos anos, nem sempre é uma verdade, mesmo considerando franquias multimilionárias como O Senhor dos Anéis, Marvel Vingadores, King Kong, The Walking Dead e coisas do tipo, e o resultado é que no ano de 2023, alguns dos piores fracassos em termos de qualidade partiram de marcas amplamente conhecidas. Se o licenciamento de outras mídias historicamente sempre foi um problema para a indústria dos videogames, temos aqui um exemplo que felizmente respeita a obra original e parte dela para uma aventura sólida e bastante divertida, ainda que não traga o impacto tecnológico para o mercado como as produções originais fizeram. Se tradicionalmente os filmes sempre se mostraram esteticamente impecáveis, mas narrativamente medianos, parece que até aqui há uma coesão entre jogo e cinema.
Por tudo isso, temos aqui um jogo que supera a pecha que acabou se instaurando logo em sua revelação de ser um “Far Cry com skin de Avatar”. Mesmo que guarde semelhanças substanciais com seu co-irmão da Ubisoft, há toda uma preocupação em se estabelecer uma identidade que se apropria de características de outros expoentes do gênero, porém sempre com o olhar voltado ao universo encantador criador por James Cameron. A noção de proporção muda por estarmos no controle de um ser significativamente diferente de um humano comum, a relação com o ambiente é muito mais íntima e preponderante para nossas escolhas e para o próprio andamento da narrativa. Com cerca de 20 horas de campanha (um pouco mais para os complecionistas), a experiência, ao nos guiar por tarefas cíclicas tradicionais de um mundo aberto, nos orienta para uma empatia maior e mais intimista para com a causa que estamos defendendo.
Claro que, no final das contas, estamos seguindo por uma direção estruturalmente segura e pouco inventiva, que se apropria de um maniqueísmo raso para estabelecer uma jornada de herói das mais convencionais, mas no final do dia, é exatamente para isso que Avatar se propõe desde sua gênese. O discurso ambientalista é superficial como nos filmes, mas exatamente por isso, inteligível e nada sutil quando estabelece, nos primeiros minutos, a vilania como traço marcante do invasor contra povos originários puros e misticamente equilibrados com o mundo à sua volta. Particularmente, não me incomodo com a forma mais cartesiana com que o tema é tratado aqui, mas compreendo que a fórmula parece cansada e anacrônica para um momento onde as dicotomias óbvias nem sempre respondem a um anseio por pensamentos mais complexos. Avatar: Frontiers of Pandora deixa a sofisticação temática de lado em favor de uma aventura fresca e uma mensagem bonita e positiva que nos enche de otimismo quando sobem os créditos. Às vezes, é tudo o que desejamos depois de dias cansativos das mazelas do mundo real.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Ubisoft.
Veredito
Avatar: Frontiers of Pandora não é, definitivamente, um dos jogos mais ousados e inventivos, mas oferece um ciclo de gameplay honesto e consolidado para que vivamos uma jornada coesa e fascinante por um mundo aberto visualmente magnífico e digno da obra na qual é inspirado.
Avatar: Frontiers of Pandora
Fabricante: Massive Entertainment
Plataforma: PS5
Gênero: Ação / Aventura
Distribuidora: Ubisoft
Lançamento: 07/12/2023
Dublado: Sim
Legendado: Sim
Troféus: Sim (inclusive Platina)
Veredict
Avatar: Frontiers of Pandora is definitely not one of the most daring and inventive games, but it offers an honest and consolidated gameplay cycle so that we can experience a cohesive and fascinating journey through a visually magnificent open world worthy of the work from which it is inspired.