Primeiro, vamos colocar as coisas em contexto. Ashina: The Red Witch faz parte de uma trilogia e está bem no meio dela. Primeiro foi lançado My Big Sister, em 2018. Em seguida, veio Red Bow, em janeiro de 2020. Em 2022 foi a vez de Ashina ser lançado no PC e, há uma semana, ao PS4 e PS5, que também dispõem dos outros dois jogos.
Essa é a ordem de lançamento, mas a cronologia da história é outra, começando por Red Bow e encerrando com My Big Sister. Ou seja: Ashina é uma história central que conecta os pontos, dá forma ao todo e faz os jogadores soltarem interjeições quando o entendimento “clica” de repente: “aaah, então foi isso que aconteceu antes!”
Não se preocupe se não jogou os outros dois, pois eu também não conhecia nada da série e peguei este como porta de entrada. Cada título tem sua própria protagonista e este mostra como elas estão ligadas entre si. A conclusão é que sim, Ashina: The Red Witch funciona tanto sozinho como em conjunto, mas provavelmente quem vem acompanhando a história nos outros jogos apreciará mais a fundo. O final do jogo também será mais curtido se não for encarado como um final em si, mas uma transição para outra história.
E, honestamente, história é tudo o que o título tem a oferecer. Você joga com Ash, uma jovem que vai parar em um mundo espiritual inspirado no folclore japonês. Lá, ela passará por perigos para cumprir o mais clássico objetivo de video games: salvar uma pessoa raptada, que, nesse caso, é sua irmã mais nova, Tena.
Não se deixe enganar pelo visual chibi, elas são jovens adultas, trabalham, moram cada uma em seu canto e pagam aluguel. O início tem um longo diálogo que apresenta a relação das duas, até que Ash se vê subitamente em uma vila mística com espíritos dos mortos, yokais e uma casa de banho gerenciada por uma bruxa, o que faz pensar que qualquer semelhança com A Viagem de Chihiro, o filme de Hayao Miyazaki, não é mera coincidência.
Envolta em um segredo familiar, a jornada da moça a levará por mais locais do outro mundo, que, na verdade, é fortemente inspirado no real: tem apartamentos, restaurantes de sushi, mercadinhos, carros e seres esquisitos que jogam video game.
O visual em pixel art não é rebuscado e nem sempre funciona muito bem, mas, no geral, consegue passar a atmosfera de estranhamento pretendida. Só atrapalha mesmo quando o cenário não comunica direito por onde o jogador pode passar em certos lugares, demandando uma precisão que me pareceu desnecessária e até um pouco incômoda.
Como a maior parte do tempo é gasta em diálogos, acredito que o jogo deveria ter investido mais na apresentação visual, mesmo que em coisas simples, como retratos desenhados para ilustrar quem fala. Apenas Ash tem um rosto mais detalhado na tela e, mesmo assim, é apenas mais um chibi com cara de criança que não combina com a protagonista que vemos na capa. Teve NPC que não consegui nem distinguir que tipo de criatura é, o que não ajuda o clima de suspense.
Pode ser que você veja por aí que este é um jogo de horror, mas não é. Tanto o enredo quanto a apresentação se aproximam mais do mistério sobrenatural e do conto estranho (weird fiction), deixando-nos mais intrigados do que com medo. As história de Ash, Tena e os muitos habitantes do mundo espiritual que elas conhecerão são criativas e capazes de captar o interesse, mas não ficam acima da média. Nesse caso, é um benefício que o jogo seja curto, chegando ao fim em cerca de quatro a cinco horas, enquanto ainda tem efeito.
O tom em geral é brincalhão, especialmente devido a Tanto, o companheiro de aventura de Ash. As piadinhas vêm com frequência, lado a lado com causos cotidianos, trágicos ou horríveis.
Assim, não espere muito mais que um conto estranho de mistério com personagens excêntricos que gostam de conversar e de pedir favores. Sim, essa é a base da gameplay: fetch quests. Nós controlamos Ash em um mundo visto de cima com gráficos no estilo 16 bits, falamos com NPCs e repassamos os itens recebidos enquanto vamos para lá e para cá. Até há um ou outro puzzle propriamente dito, mas nada digno de nota.
O problema é que boa parte da dinâmica de encontrar itens para entregar à pessoa certa parece deslocada da trama principal. Às vezes isso parece acontecer apenas para criar obstáculos que justifiquem o vai e vem, atrasando o progresso do enredo. Outros casos têm maior relevância como parte de interação com os NPCs, gerando pequenas narrativas que dão mais sabor ao mundo em geral.
Para fechar, é preciso tratar da tradução. A localização para português brasileiro acertou no coloquialismo das conversas soltas, mas a revisão pecou bastante, principalmente no gênero das palavras, que podem causar confusão. Um pequeno exemplo:
“Você me lembra dela.”
“Dela quem?”
“Um amigo.”
Não raro, o jogador terá que primeiro consertar a frase mentalmente para depois tentar entender quem está falando de quem. No fim das contas, os erros não impedem a compreensão, mas são uma mancha em uma experiência que coloca na leitura a maior parte de sua essência e não investe em outros atrativos.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Ratalaika Games.