Animal Well – Review

A bolinha – chamarei nossa protagonista assim – desperta dentro de um botão de flor nas profundezas de uma caverna. Abaixo, há a constante presença da água, refletindo o cenário de ruínas antigas, imerso em uma escuridão rasgada por luminescências coloridas. Logo a bolinha vê que não está sozinha: há um esquilo que se afasta sempre que ela se aproxima. Talvez esteja fugindo dela, ou apenas queira mostrar um caminho.

Por toda a parte, vultos de animais se erguem nos recônditos dos vastos salões escondidos sob a terra. As silhuetas são ambíguas e algumas revelam-se apenas estátuas, mas muitas outras são animais vivos, que ocupam algum degrau da cadeia alimentar. São gatos, cachorros, ratos, ouriços, corvos, cangurus, capivaras, garças e muitos outros. Enquanto uns só querem levar suas vidas tranquilos, outros estão assustados. Os demais, por sua vez, parecem achar a bolinha um tanto apetitosa e não hesitarão em atacá-la.

Vulnerável, mas esperta e criativa, ela segue sem rumo aparente. O mundo não diz as direções, não impõe um caminho, não explica qualquer coisa. É a própria vida que deve seguir seu caminho. E a bolinha faz como a vida: vai sempre em frente, até onde puder, em busca de algo que não sabemos. Será que a bolinha sabe o que procura? 

Oh, mas, espere! Antes do despertar, vimos quatro chamas surgirem. Mais tarde, quando obtemos o mapa, lá estão quatro chamas marcadas nos vazios distantes. Serão elas nossos objetivos? Seja o que isso signifique, é a única pista que temos, então enfrentaremos todos os perigos e usaremos todos os recursos para atravessarmos esse deslumbrante e misterioso poço de animais — Animal Well.

Vamos ficar com essas duas palavras-chave: deslumbrante e misterioso. Elas resumem muito bem o jogo que analiso agora.

O jogo foi feito pela Shared Memory que, na verdade, é composta pelo desenvolvedor solo Billy Basso. Ele já trabalhou antes em outras empresas de jogos, como a NetherRealm, mas fez de Animal Well seu próprio projeto criativo em que produziu tudo do início ao fim. Até o motor gráfico foi criado por Billy para possibilitar o visual que pretendia.

E que visual! É uma pixel art diferente do que costumamos ver, muito fluida e etérea. São especialmente bonitos os efeitos líquidos que estão por toda parte e produzem também os reflexos distorcidos na água corrente. As luzes lançam belas cores e sombras dinâmicas, os cipós balançam com nosso toque e o ar é permeado por partículas esvoaçantes e frágeis rastros de névoa, poeira e fumaça. Toda essa combinação é vista melhor quando jogamos fogos de artifício para atordoar criaturas perigosas: o brilho explode para todos os lados em feixes de luz e caos (há opção de amenizar luzes piscantes).

O alto contraste de cores com fundos escuros e detalhes brilhantes como neon realçam a atmosfera espectral, hachurada por scanlines, como nos televisores de tubo. Esse efeito pode ser desligado nas opções, mas até eu, que nunca o aplico nos jogos que o têm, preferi mantê-lo ativado, uma vez que é o toque final da excelente ambientação que produz a estética única de Animal Well e seu mundo misterioso.

Para sobreviver e explorar o poço, a bolinha descobrirá vários brinquedos de criança, como um frisbee e um ioiô, que usará como ferramentas em sua aventura. Com elas, poderemos solucionar puzzles e alcançar lugares antes inacessíveis, no bom e velho estilo metroidvania, mas com mais abertura e liberdade não-linear que o costumamos ver nesse meio. É importante ressaltar que não há combate propriamente dito. A bolinha até vai enfrentar uma ou outra criatura de forma indireta, mas na maior parte do tempo terá que descobrir como contornar os perigos (o sinistro gato espectral é pura tensão!).

Não tenho como apurar se eu poderia ter pego as chamas em qualquer ordem, dependente apenas de minha capacidade e diligência, mas posso dizer que não houve momento em que sentisse que só havia um único caminho diante de mim. O avanço foi sempre medido pela minha própria exploração, atenção e empenho. Felizmente, o recurso do mapa é bastante detalhado e, além de marcar com precisão as linhas das paredes e suas brechas que representam passagens escondidas, nos permite aplicar uma boa quantidade de marcadores para ajudar com lembretes de possibilidades para retornos futuros e novas descobertas.

O arsenal para a missão é bem interessante e todas as ferramentas possuem usos diferentes. Veja o frisbee, por exemplo: serve para acertar botões em locais estreitos e distrair os cachorros que nos perseguem, mas seu emprego mais útil é que podemos… oh, foi pedido que deixássemos essa em segredo, para quem jogar descobrir por si só.

A descoberta é realmente um dos grandes méritos de Animal Well e funciona em diversos níveis para satisfazer a curiosidades diferentes. O design de segredos serve tanto para aqueles que querem apenas curtir como um metroidvania que nos desafia a chegar aos créditos finais, como para quem quer vasculhar criteriosamente em busca de todos os colecionáveis (há muitas dezenas). Além dessas pessoas, atende também ao nicho que almeja decifrar códigos, testar combinações inusitadas e quebrar enigmas em várias camadas obscuras, tão escondidos que a maioria de nós, provavelmente, nem vai saber que estavam ali.

Posso dizer, como exemplo, que tenho certeza que há puzzles musicais por ali. Como não tenho ouvido bom para notas, não me preocupei em investigar por essa abordagem, mas em momento algum o jogo me obrigou a isso ou podou minha sensação de progresso. Eu desvendei Animal Well até onde fui capaz e finalizei a campanha com muita satisfação, mesmo sabendo que há bastante conteúdo que permanece velado aos meus olhos.

Faz parte da própria descrição oficial do jogo que o final é só o começo, e que há ali segredos que a comunidade levará anos para descobrir e decifrar. Futuramente, terei prazer em retornar ao jogo para experimentar algumas dessas descobertas ou, pelo menos, assistir a comentários sobre elas para apreciar o quão fundo vai o iceberg do poço dos animais.

Para finalizar, preciso apontar um problema de tradução. Mesmo havendo apenas pouquíssimas palavras soltas, o trabalho deixou a desejar. Podemos ver isso em um erro simples e de pouca consequência, como chamar o “pião” de “topo” (em inglês, ambos são “top”). O que realmente me atrapalhou foi em um ponto crucial no final de minha campanha. Um certo item deveria ser usado em determinado lugar, onde uma legenda deixa a dica da primeira letra do nome desse item. Isto é, em inglês funciona assim, mas o nome do item foi traduzido e a letra da dica foi mantida a mesma, quebrando a relação que havia entre uma coisa e outra.

Levei 11 horas para chegar ao final de Animal Well, mas passei umas duas horas explorando mais pontas soltas em busca do tal item. Já tinha uma teoria sobre como usá-lo, mas só pude confirmar a hipótese ao mudar o idioma do jogo para inglês. O tempo real que cada um vai passar é variável, como acontece em jogos de puzzle e exploração não-linear. A campanha principal já confere um desafio estimulante, mas talvez não agrade a quem prefere que o jogo forneça explicações e direções claras. Os que estão dispostos a mergulhar nas águas escuras, porém, terão ainda mais horas de mistérios e deslumbramento até chegar ao fundo desse poço gratificante.

Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela BIGMODE Games.