Vivemos um momento histórico onde o sistema de produção de jogos parece estar caminhando para a criação de conteúdos cada vez mais seguros, em gêneros mais convencionais e sistemas conhecidos. A criatividade inventiva, muitas vezes, acaba surgindo de produções de menor escopo, sobretudo de produtoras independentes e, vez ou outra, sem muito sobreaviso, encontramos produções como Woven, um jogo em terceira pessoa que propõe uma aventura lúdica, cheia de sensibilidade e sutilezas, onde controlamos um personagem customizável em um mundo feito (quase) inteiramente de tecido.
O conceito não é exatamente algo novo e já vimos em games como Unravel, Kirby’s Epic Yarn ou Little Big Planet personagens criados com linhas e elementos de costura mas, à sua maneira, esta produção da alemã Alterego Games consegue incorporar essa característica na própria dinâmica da jornada de forma original e bastante particular. Em um mundo colorido e cheio de formas e texturas, nosso herói, Stuffy, ao lado de um companheiro inesperado, Glitch, precisa explorar cavernas, vales e riachos, desvendando puzzles e segredos que podem mostrar que nem tudo está exatamente em paz. Tudo acompanhado por uma belíssima narração rimada, algo que confere uma imersão quase de conto de fadas.
Ainda que não seja exatamente ambientado em um mundo aberto, há bastante espaço para exploração de cenários em busca da solução de enigmas que ajudarão a avançar na história e, claro, encontrar segredos que contam mais sobre esse mundo especial. Woven, logo nos primeiros minutos, apresenta tudo o que de mais importante precisamos saber: começamos na forma de um fofo elefantinho de lã, meio perdido e esfarrapado. Bastam alguns passos para encontrarmos nosso companheiro de viagem e descobrirmos os meios para modificar o protagonista, seja com partes de outras formas descobertas de animais, seja com texturas, cores e tecidos que surgirão pelos caminhos dessa jornada. Cada uma das formas apresenta certas características, algumas delas essenciais para resolver quebras-cabeça.
A base do gameplay, aliás, está na exploração e na solução destes pequenos obstáculos, por vezes mais simples e até óbvios, mas em outras nem tanto. Ainda assim, com uma narrativa leve e uma solução estética que remete a brinquedos da primeira infância, o game foca em um público mais jovem e, deste modo, o nível de desafio é bastante adequado para essa faixa etária, algo bastante incomum nos dias atuais. A não-presença de um sistema de combate e enfrentamento convencional consegue fugir da regra e mesmo quando há inimigos a se vencer, as soluções são muito mais pacíficas e inventivas do que qualquer outra coisa.
Deste modo, não há um game over, ou mesmo uma forma evidente de derrota. Em alguns momentos, é possível ficar estagnado diante um puzzle, ou mesmo na busca por todos os colecionáveis – que vão de texturas para customização a partículas da história daquele mundo – que ficam bem escondidos pelo cenário. Woven consegue levar a sério a máxima de que ser simples não significa necessariamente ser simplório, oferecendo níveis sofisticados de profundidade, exploração e até, em um nível mais profundo, de tratar de sentimentos como a solidão, a amizade, o medo, a insegurança e a coragem.
A composição sonora é especialmente interessante. O jogo é permeado por uma música incidental suave, com uma cadência quase que de canções de ninar instrumentais. Os efeitos sonoros acompanham uma certa infantilização da mixagem e lembra, por vezes, animações infanto-juvenis e jogos mobile para bebês e o conjunto da obra é uma ambientação de puro relaxamento e, ainda que possa funcionar muito bem para o público-alvo desejado, também ajuda a criar uma sensação de esgotamento e repetição. A narração, que funciona como um grande trunfo na maioria do tempo, pode acabar caindo na monotonia quando no contexto da obra e, confesso, a repetição de informações e a redundância com a imagem podem cair no exagero.
Se a estética abusa do tecido-base representado no jogo e até de elementos mecânicos, parte dos mistérios a serem desvendados, ela guarda encantos, mas também esbarra em algumas limitações. O sistema de colisão é bastante rígido e na maioria das vezes não acompanha a maciez que se espera de algo que deveria ser feito de um tecido tão sensível. É comum ficar preso, ou esbarrar em plantas e outros objetos sem qualquer tipo de movimento e de fluidez, algo de certa forma frustrante pelo que se espera desse mundo todo costurado. A movimentação também pede um pouco mais de leveza, ao contrário da cadência quase poética da narrativa e da luminosidade, que fazem desta aventura quase um elemento de sonho e imaginação.
A falta de diversidade no gameplay, contudo, pode ser um fator bastante desafiador para o jogo em termos de manutenção da atenção, seja qual for a idade do jogador. Em certos momentos, a busca pela completude pode se tornar repetitiva. O jogo pede, antes de mais nada, sessões mais curtas, um avanço mais cadenciado. A campanha é relativamente curta, mas bastante adequada para esse formato de jogo, então maratonas e longas sessões podem ser mais cansativas. Claro, nada impede que se termine o game em uma ou duas jogatinas, mas a narrativa rimada e o ambiente de exploração pedem momentos mais concentrados e imersivos.
Nesse sentido, o maior desafio para o jogador é saber mixar as diferentes partes das criaturas que vão sendo liberadas para superar obstáculos, resolver os puzzles e encontrar elementos escondidos. O inseparável amigo de viagem será fundamental para uma interlocução com as diferentes e destoantes máquinas que vamos encontrando pelo caminho e que fazem parte dos mistérios que cercam a narrativa, que felizmente consegue manter questões e dúvidas até os momentos finais. Afinal, porque essas máquinas estão aqui? O que está mexendo com a tranquilidade deste mundo? E porque o protagonista é tão diferente de qualquer um dos seres que habitam esse universo?
Escolhas estranhas são os de mapeamento dos comandos. Ainda que sejam pouquíssimas as possibilidades de interação com o mundo, nada é direto e tudo passa por uma espécie de menu de ação tanto para as ações de Stuffy quanto para os (poucos) comandos possíveis para Glitch. É tudo pouco prático e, de certa forma, inexplicável. Em algum momento, acabamos por nos acostumar, mas não sem continuar se questionando porque usamos dois ou três botões em sistemas confusos (segurar R2 e usar o direcional direito para escolher entre salto, soco ou voz, por exemplo). Não que o jogo necessite de qualquer tipo de ação rápida, precisão síncrona ou nada disso, já que mesmo eventos que contam com o tempo são bem tranquilos, mas a dinâmica seria outra não fossem essas escolhas, no mínimo, questionáveis.
Para nós, brasileiros, há um outro porém: por ser um jogo infantil, seria perfeito para crianças, público carente diante de tantos games mais maduros presentes no mercado, não fosse um detalhe: nem narração, nem mesmo legendas estão no nosso bom e velho português. Ou seja, o aproveitamento de toda a ambientação do jogo fica limitado e, neste caso, é fundamental que se tenha um adulto que consiga ao menos se virar com o inglês (ou um dos idiomas disponíveis) para uma mediação, uma interlocução que permita a vivência plena dessa experiência. Em outras palavras, é um jogo para pais e filhos jogarem juntos, o que não deixa de ser uma qualidade, mas que limita a independência da molecada.
Dito isso, Woven é um produto raro, mesmo que de alguma forma já tenhamos visto coisas parecidas – seja em termos audiovisuais, seja no andamento narrativo, ou mesmo nos sistemas de interação. Tem suas limitações e poderia se aproveitar melhor das texturas, cores e formas para transmitir um grau ainda mais elaborado de sensibilidade, mas não há dúvidas de que se aproveitou bem da simplicidade para atingir seus objetivos. Se não é um jogo para nos prender por horas e horas, nem para nos desafiar ao extremo, é bem-vindo como um ótimo respiro para uma indústria cada vez menos ousada e para nos lembrar de algo que as vezes nos esquecemos: nos games, há espaço para todo mundo. Inclusive para elefantes vermelhos com cauda de gato e patas estampadas de tamanduá.
Veredito
Woven é um game, obviamente, voltado para um público infantil, algo raro nos dias atuais. Analisando-o por este prisma, suas características visuais e narrativas são muito adequadas, ainda que possam se tornar repetitivas e até sonolentas para outros públicos. Tem ótimas ideias criativas, mas comete alguns deslizes técnicos que o distanciam da excelência. Mas tem muitos méritos e certamente merece atenção.
Jogo analisado no PS4 padrão com código fornecido pela Alterego Games.
Veredito
Veredict
Woven is obviously a game aimed at children, something rare nowadays. Analyzing it from this perspective, its visual and narrative characteristics are very appropriate, although it may become repetitive and even sleepy for other audiences. It has great creative ideas, but makes some technical slips away from excellence. But it has many merits and certainly deserves attention.