Começar uma nova cidade, criando estruturas públicas e espaços para cidadãos, gerindo recursos e investindo em pesquisa, saneamento, educação, saúde, comércio, segurança, além de resolver problemas de moradores e comerciantes… eu poderia estar descrevendo uma série de simuladores que todos nós, no mínimo, já ouvimos falar. Desde o inevitável SimCity até o mais recente Tropico 6, são muitas as semelhanças intrínsecas que fazem deste sub-gênero o que ele é hoje. O texto hoje, contudo, é sobre um game com nome ainda não tão em evidência assim.
Townsmen: A Kingdom Rebuilt tem suas particularidades, a começar pela ambientação medieval clássica, mas é impossível não reconhecer suas principais características e, certamente, qualquer pessoa que tenha alguma experiência prévia com games similares vai se sentir bastante confortável com os menus de criação de diferentes edifícios, só para citar o exemplo mais óbvio. Mas há também uma herança evidente: o jogo foi criado inicialmente para plataformas mobile, e a adaptação para consoles é sempre algo delicado.
Como um todo, o game coloca o jogador na pele, claro, de um gestor público em um período medieval europeu convencional, com todas as atribuições, poderes e responsabilidades em termos de macrogerenciamento e de microgerenciamento esperados. Essa experiência é uma constante nos diferentes modos de jogo – história, missões e modo livre. Saber lidar com os detalhes de o porquê precisar comprar salsichas para soldados e ter tecidos para o inverno, bem como coisas maiores como ter um poço para que as pessoas não morram de sede ou equalizar impostos para não ficar sem investimento, nem deixar seu povo descontente é o que, como se poderia esperar, vai ocupar praticamente todo nosso tempo no game.
No primeiro modo, há uma pequena linha narrativa que garante o encadeamento de ações e sequência de eventos como pano de fundo para esse mundo, mas nada que caracterize, de fato, uma história para se importar de verdade. Ao que tudo indica, o governador deste povoado – personagem que interpretamos como jogadores – foi expulso da corte ao ser acusado de roubo, e cabe a nós cuidarmos para que não sejamos capturados injustamente, ao mesmo tempo que precisamos atender as necessidades deste lugar e do povo que nele habita.
Isso significa que seus conselheiros e outros súditos estarão falando com você o tempo todo sobre demandas para o crescimento e melhoria desse pequeno reino e mostrando quais os próximos passos. Por exemplo, não tarda para que invasores comecem a ameaçar seu povo e se mostra necessário criar estruturas militares para defesa. Uma vez cumprida essa fase, se torna fundamental ter cerveja e salsicha para alimentar as tropas, o que significa construir fazendas de criação de porcos e açougues. Cada nova característica cria mais um nó na cadeia produtiva e social. A dificuldade específica aqui é que não vale muito a pena fazer nada para além do necessário, já que o que você faz por conta própria (isso quando permitido) não é levado adiante. No cenário seguinte, esses extras não estarão lá. A campanha, portanto, limita o jogador a aprender, como o tutorial que é, “o que” e “quando” de forma protocolar, sem valorizar experimentações.
Uma vez compreendida a lógica da cadeia produtiva, há subsídios para que o jogador se aventure em cenários prontos e de dificuldades financeira e estrutural mais elevadas, ou ainda se encoraje para começar algo realmente de um ponto inicial e avançar sem maiores amarras lineares. E isso garante a possibilidade de se trabalhar com uma série bastante consistente de edificações, que vão desde moradias mais rudimentares a construções mais sofisticadas, cada qual com sua demanda de investimento em dinheiro e outras matérias-primas. Certamente, um ecossistema bastante complexo em sua estrutura, mesmo que o escopo do reino possível não seja tão amplo quanto as grandes metrópoles de outros games, oferecendo a liberdade esperada e que não está presente na campanha.
O controle de tudo isso, como não poderia deixar de ser, funciona basicamente via uma estrutura de menus e submenus de muitos níveis, bastante adaptados para o Dual Shock 3, mas inevitavelmente há alguns ruídos no que se refere ao design de interface. Claro que não há muitos segredos em abrir o menu, escolher a construção desejada e posicioná-la no mapa, ou ainda navegar com os analógicos. Mas é evidente que isso foi projetado originalmente para as especificidades do toque em tela dos sistema mobile. Os ambientes, via de regra, são bastante acidentados, e também acabam dificultando um pouco as coisas, complicando algumas ações básicas, como adicionar construções menores, e um pretenso planejamento estético acaba ficando em segundo plano, dando lugar ao velho “coloca onde couber”.
Limpar terrenos para construções é uma tarefa especificamente chata. Você tem a chance de limpar pedras, árvores e outros detritos para fazer uma construção, mas de uma forma exageradamente burocrática, abrindo um menu específico, selecionando a área a ser limpa (com uma certa imprecisão, deve-se acrescentar) e aí sim executar o serviço. Só aí é possível construir algo no lugar. Mas há um detalhe ainda mais irritante: se faltou uma pedrinha em um cantinho (algo só detectável quando se vai construir), é necessário voltar e fazer tudo de novo. Seria muito mais eficiente, por exemplo, a possibilidade de sobrescrever, ou seja, que o jogo deixasse construir algo por cima (desde que não fossem outras edificações, obviamente). Todavia, é um detalhe que acaba ganhando um pouco mais de importância do que deveria por ser um elemento tão frequente na dinâmica do jogo.
A dinâmica das construções também tem seus altos e baixos. Há o elemento base do jogo no leva-e-traz, o que significa que para continuar, os construtores precisam buscar os materiais necessários: madeira, pedra, e assim por diante. Deste modo, a barra de progresso não tem uma crescente constante, Ela só avança quando os responsáveis estão lá com o material. Isso aumenta não só o tempo de uma construção (principalmente se o material necessário está sendo coletado ou produzido do outro lado da cidade), como também a chance de que algo acabe no meio da obra. Afinal, você começa a construir sem precisar ter tudo o que precisa em mãos, mas se não tiver durante, a coisa toda se interrompe, parecendo aquelas obras governamentais abandonadas na vida real.
A dimensão do planejamento estratégico é ainda mais essencial, portanto. Não adianta mandar começar 5 edificações diferentes ao mesmo tempo, mesmo tendo recursos para isso. Se por um acaso tudo se acabar, ou se for necessário utilizá-los em alguma outra ação emergencial, as obras param todas no meio, e o progresso pode ir por água abaixo porque tudo está quase terminado. Por exemplo, se é necessário ter uma fazenda de trigo e um moinho para produzir farinha, a medida automática seria colocar ambas para construir em paralelo. Mas, considerando o que foi dito no parágrafo anterior, melhor construir um depois do outro para não correr o risco de ter metade das duas coisas (e ambas, obviamente improdutivas). Isso não é exclusividade de Townsmen, mas aqui ganha contornos mais significativos.
Tudo isso se torna ainda mais evidente pelo fato de que é impossível pausar o andamento do jogo, ao contrário de vários outros jogos do mesmo gênero. Há duas velocidades disponíveis, sendo a principal uma espécie de “tempo real” enquanto a segunda acelera um pouco as coisas. Ou seja, não há aquele momento onde se pode parar tudo, respirar, organizar o ambiente, e se programar antes dos problemas começarem a pipocar na tela. E isso fica ainda mais latente na medida que os seus moradores guardam uma personalidade bastante latente, reclamam, olham para você, e se comportam de forma muito mais intimista do que estávamos acostumados. Dá pra sentir o ódio no olhar do padeiro sem farinha ou a dor de um carregador contaminado pela peste. E isso torna tudo mais urgente, mais pessoal.
De certa forma, essa emulação de que as coisas não param enquanto se gerencia uma cidade inteira faz sentido em termos de simulação, mas acaba abrindo brecha para que as coisas fujam do controle mais rápido do que se é capaz de atendê-las ou preveni-las. Não foram poucas as vezes onde eu estava limpando um terreno pequeno para fazer um poço pela falta d’água e antes de qualquer coisa, invasores aparecerem e tocarem o terror. É a honra, e principalmente o peso, da responsabilidade de um líder.
Por isso, a gestão preventiva é sempre a melhor opção, em detrimento a um crescimento acelerado. É melhor usar o sistema de comércio para lucrar, vendendo as coisas na alta e comprando na baixa, ao invés de comprar e vender pela necessidade imediata e pagando caro por isso. Isso até parece uma aula sobre economia básica, mas são princípios muito bem utilizados em Townsmen: A Kingdom Rebuilt, mesmo que em alguns níveis de dificuldade dos cenários estejamos sempre buscando tapar buracos e socorrer incêndios do que realmente planejando os próximos passos e estocando comida para o inverno onde as fazendas se tornam improdutivas.
Essa sensação de urgência (e também de intimidade) é bastante potencializada pelas características estéticas do game, que em um formato de visão superior (quase isométrica), não deixa a câmera tão livre para circular pelos diferentes ângulos da cidade (é possível somente aumentar ou diminuir o zoom para verificar detalhes de mais perto ou o conjunto de mais longe). Se por um lado restringe a liberdade de circulação do jogador, por outro evidencia opções visuais, pautadas na arte 2D e uma paleta de cores bastante intensa, que valorizam uma leveza animada, quase caricatural, do período histórico ali retratado. Os arquétipos são muito bem delineados – o padeiro, o caçador, o nobre, o lenhador, o invasor bárbaro, etc. – e facilitam identificar não só a insatisfação pela expressão de ódio, como também onde o problema pode estar acontecendo. O mesmo pode ser visto também na passagem do tempo e na marcação quase didática das estações do ano.
Algumas especificidades, porém, acabam evidenciadas quando se olha com um pouco mais de atenção aos detalhes. Elementos gráficos (nem todos), como personagens, sprites, texturas e ícones, por exemplo, ao se aproximar demais a câmera, podem perder definição e ficarem um tanto quanto embaçados, provavelmente pelas características mais explícitas da construção audiovisual para telas maiores que as de smartphones. Por outro lado, as animações tem seu charme, remetendo a grandes clássicos RTS de outrora, como Commandos e Warcraft II.
Por sua vez, a trilha musical, se não é exatamente um marco de originalidade, cumpre seu papel em remeter a instrumentos e toadas bardas, na maioria do tempo calmas e bucólicas, com as quais já estamos acostumados em obras de época. Os efeitos de som, ruídos e diálogos, contudo, acabam fora de tom e volume em vários momentos, talvez novamente pelo desenho para um outro sistema de reprodução sonora mais simplificado. De qualquer forma, a mixagem é bastante simplória e limitada. Se não prejudica o andamento, acaba arranhando a imersão.
Outro elemento que acaba incomodando um pouco mais do que se espera é a inteligência artificial de seus súditos. Ainda que tenhamos algumas dicas de logística e de como facilitar e melhorar a produtividade – não construir um campo de lúpulo longe do monastério para que os monges sejam mais rápidos em buscar a matéria-prima para a produção de cerveja, por exemplo – algumas vezes essa distribuição acaba falhando e até atravancando o avanço.
Por exemplo, um centro médico precisa ser construído em algum momento para tratar dos enfermos e, assim que pronto, descobrimos que precisamos de um campo de ervas para tratamentos e medicamentos. O problema é que se você encaixou sua clínica em uma região que não permite uma construção ao lado (como dito, o terreno é bastante acidentado e complica esse planejamento urbano mais eficiente) e teve que fazer seu campo de ervas um pouco mais distante, a coisa pára e mesmo com as duas obras concluídas, os efeitos não acontecem.
Mesmo carregadores saudáveis disponíveis acabam ignorando missões principais e tudo se enrosca. Priorizar algumas ações em detrimento a outras automáticas que já acontecem é quase impossível e, para tal, é necessário parar manualmente todo o resto, o que, claro, pode colapsar um sistema inteiro e mesmo assim demorar para fazer efeito (ou não fazer). Seria muito mais proveitoso poder dar comandos aos carregadores diretamente. Mas ao contrário, nossas opções estão sempre vinculadas à edificação e suas funções, não às pessoas em si.
Tudo isso, uma mistura de tantos outros simuladores de gestão que já vimos por aí nas últimas três décadas nos consoles e nas redes sociais, nos PCs e nos smartphones, funciona de forma muito adequada, com camadas de simplicidade mescladas com uma surpreendente complexidade para um jogo oriundo dos dispositivos móveis. Se o modo campanha / tutorial acaba limitando a liberdade do jogador, os demais apresentam desafio intenso e uma sensação de controle realmente maior, mesmo com alguns problemas em conseguir gerir pessoas.
Jogo analisado no PS4 padrão com código fornecido pela HandyGames.
Veredito
Townsmen: A Kingdom Rebuilt é um bom simulador de construção e gerenciamento de cidades e sabe lidar muito bem com o período histórico onde está localizado. Há uma gama muito diversa para edificações distintas e um sistema profundo de cadeia de produção e de sistematização da economia, ainda que não traga nada de muito original. Carrega em si deslizes audiovisuais e de interface, a grande maioria pela herança de suas origens mobile, mas pode ser uma boa opção para adeptos do gênero.
Veredict
Townsmen: Kingdom Rebuilt is a good city building and management simulator and knows how to deal with the historical period in which it is located. There is a very diverse range for different buildings and a deep system of production chain and systematization of the economy, although it does not bring anything very original. It carries audiovisual and interface glitches, the vast majority due to the heritage of its mobile origins, but it can be a good option for fans of the genre.