Apesar de ser um nome relativamente desconhecido para os jogadores mais mainstream, The Legend of Heroes tem, merecidamente, desenvolvido uma das bases de fãs mais apaixonadas dos JRPGs. The Legend of Heroes: Trails of Cold Steel III, mais novo jogo da série a chegar ao Ocidente, é mais uma amostra do porquê, entregando uma das mais completas e incríveis experiências que um jogo do gênero poderia almejar.
Se você leu uma das nossas recentes análises de Trails of Cold Steel e Trails of Cold Steel II, é fácil de entender a existência de tanta paixão por trás da série, já que ela conta com uma das mais bem elaboradas e complexas linhas narrativas de qualquer série do gênero, constantemente recompensando o jogador pela dedicação não só aos jogos em si, mas até mesmo as minúcias do seu lore.
Era de se esperar, então, que Trails of Cold Steel III não fugisse disso e, de fato, ele é muito mais o início do ápice da recompensa a esse engajamento dos fãs, mesmo que consiga não ser completamente impossível para novatos começarem a conhecer a série, algo ainda mais importante por se tratar do primeiro jogo publicado no Ocidente pela NIS America e não pela XSEED Games.
Essa mudança de distribuidora talvez seja a maior fonte de preocupação para os fãs, especialmente sobre como a NISA iria lidar com a tradução do jogo. Para felicidade e tranquilidade da maioria, a localização do jogo foi muito bem feita, mantendo-se consistente com o resto da série, apesar de ainda contar com algumas pequenas inconsistências que os fãs mais dedicados vão encontrar, no geral, tanto o texto quanto a dublagem foram muito bem feitas.
É claro que não importaria muito a qualidade da localização se o roteiro do jogo em si não fosse consistente. Bem, nesse aspecto, Trails of Cold Steel III talvez seja o melhor dentro de uma série que por si só já é recheada de jogos incríveis. Colocando o jogador novamente no controle de Rean Schwarzer, o jovem que nós vimos crescer de só mais um aluno na academia imperial de Thors até se tornar um importante herói em Erebonia, um ano e meio depois dos acontecimentos de TOCS2.
Dessa vez, Rean não é mais um aluno, mas sim o instrutor de uma Class VII completamente nova estabelecida não no campus principal de Thors, mas em um braço da academia estabelecido na cidade de Leeves, próxima a Heimdallr, capital do Império de Erebonia.
Esse novo campus, criado pelo príncipe Olivert após a Guerra Civil Ereboniana tem o objetivo de atender estudantes estrangeiros, especialmente vindos das recém-anexadas províncias de Crossbell e North Ambria, e estudantes que não se deram bem em outras escolas militares do Império. Naturalmente, Rean aceita o posto de instrutor na escola logo após a sua graduação, se dedicando a treinar a nova turma de Operações Especiais ao longo do ano colegial enquanto lida com as crescentes tensões entre Erebonia e outras nações após os acontecimentos dos dois jogos anteriores.
Sendo o terceiro jogo da sub-série Trails of Cold Steel, já era de se esperar que TOCS3 se amparasse nos conhecimentos do jogador com ambos os jogos passados, mas vai mais além disso em dois aspectos importantes. O primeiro deles é que, apesar da estranha insistência da NIS America de que é possível começar a série diretamente com TOCS3, isso tiraria muito da experiência que o jogo se propõe a trazer.
Enquanto o trabalho da NISA em não só localizar esse capítulo da série, mas trazer longas recapitulações sobre a história e os personagens dos dois primeiros jogos, ter jogado-os é parte do que torna Trails of Cold Steel III tão especial, algo ainda mais exacerbado caso o jogador tenha conhecimento ou tenha jogado o arco de Crossbell também, a duologia que nunca foi lançada no ocidente formada por Zero no Kiseki e Ao no Kiseki.
Por mais que esse glossário e o jogo em si trabalhe para apresentar ao jogador os acontecimentos que o Rean teve que encarar ao longo dos últimos anos, a sua história sendo muito mais proveitosa caso você as tenha “vivido”. E é nisso que entra o segundo aspecto importante de se ter jogado Trails of Cold Steel I e II, que é o reflexo que eles têm, em especial o primeiro jogo, na estrutura de TOCS3.
Trails of Cold Steel III é basicamente um espelho do primeiro jogo da série, desde a sua introdução e o primeiro vislumbre que o jogador tem do elenco de personagens, até a forma como a história vai crescendo e evoluindo com o avançar de cada capítulo, o jogo a todo momento brinca com a mudança de perspectiva do Rean, dessa vez vendo coisas que aconteceram com ele se repetindo com os seus alunos, mas tomando rumos distintos por serem personalidades diferentes.
Isso é especialmente notável nos alunos da nova Class VII. O relacionamento entre Kurt Vander, o nobre espadachim de cabelo azul, e Juna Crawford, a nervosa porém amável Crossbellan forçada a se mudar para o centro do império logo após a anexação de Crossbell por Erebonia, tem fortes ecos da relação do próprio Rean com a Alisa Reinford, com várias cenas entre os dois lembrando o início da amizade do Rean com a Alisa, mas se passando de forma distinta por serem personagens diferentes, com personalidades diferentes.
O resto da Class VII também tem muito disso, com a decisão de trazer a Altina Orion de volta de TOCS2 sendo um grande acerto, já que ela já era uma ótima lá e ver o seu desenvolvimento enquanto pessoa dentro de Thors sendo um dos pontos altos do jogo, e os membros que entram para a equipe posteriormente, Ash Carbide e Musse Egret, são bastante únicos e trazem uma variedade interessante ao mix do jogo.
O resultado é bastante positivo, fazendo com que os novos personagens consigam se sustentar frente aos membros da Class VII original que fazem diversas aparições ao longo do jogo, ressaltando o quão únicos e distintos os novos personagens são, já que, felizmente, eles tem tempo suficiente para se desenvolverem, já que com o elenco menor TOCS3 tem uma abordagem mais similar a Trails in the Sky com motivações e personalidade de cada membro da equipe sendo bem estabelecidas.
Com o melhor desenvolvimento dos cinco membros da nova Class VII, temos também um melhor desenvolvimento do próprio Rean enquanto personagem. Se por muitas vezes o vimos nos primeiros jogos inseguro de si e sem querer tomar as ações ou fazer as perguntas necessárias para desenvolver o plot, aqui temos um Rean muito mais confiante e seguro de si, realmente se sentindo confortável e sendo efetivamente a força-motriz por trás do plot.
Assim, temos um grupo central de personagens que, ao contrário dos jogos anteriores, têm maior consciência das forças contra as quais estão lutando, fazendo com que suas ações e decisões tenham um peso ainda maior, trazendo muito mais da lore e de grupos importantes na mitologia do continente de Zemuria para a frente da história, tornando as “forças malignas nas sombras” dessa vez o verdadeiro inimigo, dando maior impacto a cada movimento da história.
Algo que precisa ser levantado é que esse jogo é o meio do arco principal e o começo do grande fechamento da série, com vários pontos da história sendo estabelecidos com Trails of Cold Steel IV em mente.Mesmo com o jogo terminando com um cliffhanger e com várias respostas para pontos desenvolvidos ao longo da série só sendo respondidos no próximo jogo, o que temos aqui ainda é uma narrativa absolutamente fenomenal e engajante, com uma das melhores histórias que o gênero já viu e que estabelece uma barra ainda mais alta que exigirá muito da sua sequência.
Outros pontos em que a familiaridade do jogador com os antecessores se refletem no seu gameplay. A exploração em TOCS3 ainda é feita através de mapas relativamente pequenos, na sua maioria consistindo de pequenos corredores com algumas poucas bifurcações nas dungeons e as áreas urbanas e dentro da escola sendo relativamente expansivas, mas passando muito longe de lembrar um mundo aberto. Não que isso seja um problema, já que salvo por alguns problemas com engasgos e raras quedas de framerate, todos os carregamentos são bem rápidos e o jogo roda bem, mesmo no PS4 padrão.
Algo que mostra o orçamento relativamente baixo à disposição da Falcom e o quanto isso se reflete nos seus aspectos técnicos é que, apesar dos modelos e das artes do jogo serem mais bonitos e mais detalhados que nos jogos anteriores, eles ainda parecem apenas versões melhor trabalhadas do que a gente viu antes, sem tirar muita vantagem do poder do PS4 em relação aos anteriores que foram desenvolvidos com o Vita como plataforma principal. Isso é minimizado porque a arte é muito bonita, em especial as artes 2D, mas não deixa de ser um raro “ponto negativo”.
O que não tem nada de negativo é o sistema de combate do jogo. Evoluindo ainda mais o tradicional combate por turnos da série, Trails of Cold Steel III traz menus mais baseados nos comandos do jogador, substituindo a antiga estrutura de escolher os comandos em um menu estático por simplesmente apertar um botão dedicado aquela ação. Isso exige mais atenção, mas tem como reflexo deixar o combate mais fluido, sendo um pequeno mas bem-vindo ajuste.
Essa não é a única novidade que o jogo traz. Além da transição entre os combates e a exploração agora ser mais direta, TOCS3 traz um Break System, uma barra que, quando completamente esvaziada durante o combate faz com que o inimigo entre em um estado de “quebra” até o seu próximo turno (durante o qual ele não poderá agir). Nesse estado, o dano sofrido, boosts são perdidos, itens são dropados e mais uma série de benefícios.
Para conseguir causar esse tipo de dano, as armas agora tem um de quatro tipos distintos de dano, Slash, Thrust, Pierce e Strike, sendo fundamental observar as vulnerabilidades dos inimigos também ao tipo de dano, além das questões elementais para que se tenha o máximo de vantagens possíveis em combate. Além disso, alguns personagens podem usar um Style Change, mudando a forma como segura a arma e, com isso, alterando o tipo de dano e a forma como a arma funciona.
Por fim, a outra grande novidade para o combate é a inclusão das Brave Orders, sistema através do qual o Rean pode gastar Brave Points, o mesmo sistema através do qual os link attacks tradicionais da série são ativados, para dar ordens para a equipe inteira, resultando em buffs distintos, mudanças de formação entre outras importantes vantagens em combate.
Como era de se esperar, o combate em Trails of Cold Steel III pode parecer simples à primeira vista, mas é recheado de sistemas bastante desafiadores e que resultam em um jogo incrível que faz um dos melhores e mais inovadores usos do tradicional sistema de batalhas por turnos. Algumas das batalhas com chefes são difíceis até mesmo no normal e em dificuldades mais elevadas vão exigir o máximo até dos jogadores mais acostumados a esse tipo de combate.
No geral, é difícil achar qualquer reclamação a se fazer em relação a The Legend of Heroes: Trails of Cold Steel III. Mesmo os menores problemas técnicos, que podem ser facilmente ajustados, e as limitações vinda do fato do jogo vir de uma desenvolvedora menor, TOCS 3 é uma longa experiência (que, na melhor das hipóteses, lhe exigirá entre 60 e 70 horas, mas que facilmente superará a casa das 100 horas) que mais do que recompensa o jogador, em especial os fãs de longa data.
Por maiores que as limitações que a Falcom tenha, é incrível ver o quanto a série continua a recompensar os fãs sem depender de fan-service fácil, fazendo valer todo o investimento intelectual nos jogos com plots sendo resolvidos e explorados ao longo de múltiplos jogos, sendo uma verdadeira aula a desenvolvedoras maiores de como se lidar com lore complicado e expansivo, sem deixar de contar boas histórias a cada jogo.
Trails of Cold Steel talvez seja um dos melhores exemplos de como contar uma incrível história complexa e cheia de intriga política, personagens bem desenvolvidos e com vários mistérios sem subestimar o jogador, fazendo com que a série The Legend of Heroes mereça ser considerada como uma das melhores do gênero na atualidade, infinitamente superior aos exemplos de estúdios muito maiores, e fazem de Trails of Cold Steel III a jóia da coroa da série até aqui.
Veredito
Apesar dos desafios de ter que dar continuidade à história de dois dos melhores JRPGs da última década, The Legend of Heroes: Trails of Cold Steel III mais do que faz jus ao seu legado, entregando uma experiência ancorada em uma narrativa que, apesar de demorar para engatar, consegue ser uma das mais surpreendentes do gênero e com um gameplay ainda mais desafiador e divertido do que seus antecessores.
Jogo analisado no PS4 padrão com cópia digital fornecida pela NIS America.
Veredito
Veredict
Despite the challenges of having to carry the story behind two of the best JRPGs of the last decade, The Legend of Heroes: Trails of Cold Steel III more than lives up to its legacy, delivering an experience anchored in a narrative that, despite taking a little bit to truly develop, manages to be one of the most surprising ones of its genre, and a gameplay even more challenging and fun than its predecessors.