Entre todas as antigas franquias de JRPGs que ficaram perdidas com o avançar das gerações, Langrisser definitivamente não era uma que eu esperava ver retornar tão cedo. Originalmente conhecida no Ocidente como Warsong e geralmente visto como a resposta da Sega a Fire Emblem, ele eventualmente encontrou o seu caminho ao PS1 junto com a sua sequência, Der Langrisser, no Japão, mas nunca no Ocidente.
A franquia acabaria meio que se perdendo no tempo, abrindo espaço para sua “sequência espiritual” Growlanser e ficando relegada a memória dos fãs mais ávidos dos RPGs de Estratégia até que a Extreme trouxesse a franquia de volta à vida, primeiro com Langrisser Mobile e agora com um completo remake dos dois primeiros jogos e que chega ao Ocidente pelas mãos da NIS America.
O que torna Langrisser único fica claro logo nos primeiros momentos de ambos os jogos contidos neste lançamento. Enquanto a maioria dos RPGs com ambientação medieval costumam se valer de elementos medievais mais comumente atrelados com a visão estética advinda das obras renascentistas Italo-Francesas, aqui temos um estilo mais germânico, dando um sabor um pouco mais distinto a identidade adotada por ele.
Ambos os jogos se passam no continente de El Sallia onde dois deuses vivem em eterno conflito através dos seus respectivos avatares. Um deles é Chaos, o deus das trevas, idolatrado pelos demônios daquele mundo e que, através de Böser, um mago sombrio, busca semear a destruição e guerra se valendo da sua espada Allhazard.
Para combater Chaos, a deusa da luz, Lucilis, confiou aos governantes de Elthlead, o reino hoje conhecido como Baldea, uma espada mágica capaz de selar todo o mal do mundo chamada Langrisser, cabendo então ao atual portador dessa espada impedir os avanços de Böser e garantir que o mundo consiga viver em paz eterna.
O primeiro jogo conta a história do jovem príncipe Ledin embarcando em uma jornada para recuperar Langrisser após ver o seu reino invadido pelo Dalsis Empire, o que resulta na morte do seu pai e no roubo da espada mágica pelo reino com o objetivo de obter poder suficiente para dominar todas as demais nações.
Ledin passa então a viajar por até o coração de Dalsis para recuperar a espada e combater todo o mal que vai se espalhando pelo mundo enquanto Langrisser está fora das mãos do Descendente da Luz responsável por empunhá-la, forjando novas alianças e recrutando diferentes comandantes para batalhar ao seu lado em sua missão para restaurar a paz ao continente.
Já Langrisser II se passa duzentos anos após a conclusão da War of the Sacred Sword retratada no primeiro jogo, em um mundo em que a lenda da Langrisser e dos Descendentes da Luz há muito se tornou apenas isso… Uma lenda. Ele segue a história de Elwin, um jovem espadachim em viagem junto com seu amigo, o mago Hein, que, ao se hospedarem em uma estalagem em Salrath, terra natal de Hein, se vêem no meio do conflito entre soldados do Rayguard Empire que buscam sequestrar a Sacerdotisa da Luz, Liana, uma amiga de infância de Hein.
Essa intervenção acaba fazendo com que Elwin e Hein passem a desempenhar papéis importantes na crescente tensão entre o Rayguard Empire que, sob o comando do Kaiser Bernhardt, ameaça acabar com a paz conquistada dois séculos atrás ao tentarem estender sua influência sobre todo o coninente de El Sallia, encontrando forte oposição do Reino de Kalxath, do ducado de Salrath e outras nações independentes da região.
Ambas as histórias possuem premissas relativamente distintas, apesar de ainda contarem histórias com conceitos bem parecidos entre si (e extremamente comuns quando os jogos foram originalmente lançados em 1994 e 1998), focando em um jovem guerreiro amadurecendo e assumindo o seu papel de salvador e levado em frente pela força da amizade formada com seus companheiros em uma batalha da luz contra as trevas pelo destino do mundo.
Essa história é contada de forma surpreendentemente direta, com diálogos curtos, pouquíssima exposição fora das batalhas e com cada jogo tendo pouco mais de 20 capítulos “principais”, contando uma história bem engajante, mas que, ao contrário da esmagadora maioria dos JRPGs, nunca se estende mais do que deveria simplesmente para alcançar algum número mágico de horas. No geral, a primeira campanha dificilmente demorará mais do 10 a 12 horas ao jogador para ser completada.
O ponto chave, aliás, está no “primeira campanha”. O que Langrisser faz para estender o jogo não é enchê-lo de missões secundárias, mas sim de rotas distintas na campanha, as quais são determinadas por ações realizadas em determinados capítulos-chave, quase sempre envolvendo derrotar (ou não) um inimigo específico àquela altura da história.
Isso acaba levando a experiência do jogador que queira ter contato com todas as rotas (e são muitas, totalizando 08 em Langrisser I e 13 em Langrisser II) para cerca de 40-50 horas cada jogo. Explorar essas diferentes rotas é o que acaba elevando ambos os jogos de divertidos para ótimos SRPGs, recomendando-se muito que o jogador o faça, havendo, inclusive, diferentes maneiras de se abordar a árvore de rotas que o jogo apresenta, uma vez que existem duas diferenças principais nisso.
Uma delas é simplesmente terminar uma rota e começar um New Game+ para dar prosseguimento ao jogo do começo e realizar as demais rotas. Se você optar por fazer isso, é possível tanto carregar todos os seus itens, dinheiro e EXP para a próxima jogatina e, caso o jogador opte por ativar o Challenge Mode, os níveis iniciais do jogo vão ter seu nível de dificuldade equiparado ao nível em que o jogador está e, quanto mais vezes terminar, mais difícil cada nova campanha se torna.
A outra é opção é simplesmente carregar um save anterior e retornar a um dos pontos de inflexão da história usando a Story Tree para retornar ao capítulo onde ela se divide e fazer o inverso do que foi feito anteriormente. As estatísticas, itens, EXP e dinheiro também são carregados dessa maneira. Independente de qual for a escolha, após o jogador optar por ela, não é possível avançar os capítulos através da Story Tree, sendo necessário jogar todos novamente.
Felizmente, jogá-los é um dos pontos mais divertidos que essa coletânea traz. Enquanto SRPG, ambos os jogos são bastante simples, ecoando uma época em que o gênero como um todo não tinha tanta complexidade quanto eles passariam a ter nas mais de duas décadas desde o lançamento original desses jogos (eles são especialmente contrastantes em relação aos outros SRPGs da NIS America, a série Disgaea).
O que temos aqui é o típico sistema de movimentação por um grid, similar a um jogo de damas ou xadrez, com cada unidade possuindo um raio de ação diferente. A grande diferença em relação a isso é que o tipo do terreno em que o combate acontece influencia os bônus das unidades, com marines tendo vantagem em mares e lagos, sky knights vantagem em montanhas e não sofrendo penalidades em outros terrenos e por aí vai.
Além disso, o combate gira em torno de comandantes, unidades importantes para a história (em geral, seus aliados em batalha ou generais inimigos) que podem contratar um determinado número de mercenários para auxiliá-los em guerra. Derrotar mercenários inimigos resulta em um pouco de EXP e ouro, enquanto derrotar os comandantes em si fazem com que todos os mercenários vinculados àquele comandante sejam imediatamente derrotados. A mesma logística serve ao contrário, com a diferença que quanto mais mercenários aliados sobreviverem, mais ouro o jogador recupera ao final da fase.
O rol de mercenários a disposição para o jogador contratar é influenciado pelas classes desbloqueadas por aquele comandante. Ao subir de nível, o jogador ganha CP (que também pode ser obtido de outras formas, como sendo o personagem com mais eliminações na missão) e pode utilizá-lo para desbloquear novas classes na árvore disponível para cada personagem.
Cada um dos diferentes comandantes possui uma árvore de classes relativamente única e, apesar de alguns terem classes intermediárias similares (são 10 classes básicas que vão se especializando cada vez mais em três diferentes sub-grupos de classes), quase todos possuem uma Master Class única. É interessante ressaltar que o grupo de mercenários “contratáveis” não está restrito a sua classe atual, mas engloba todos os tipos desbloqueados à medida que o jogador avança por essa árvore (todas as habilidades, magias e mercenários são desbloqueados automaticamente ao se comprar uma nova classe).
O combate em si é bem simples, com cada unidades (comandantes e mercenários) podendo se mover e atacar no turno do jogador, na ordem que ele preferir. É possível também usar magias para atacar, curar, conceder bônus de estatística ao jogador ou reduzir os stats do adversário, mas isso só pode ser feito caso o jogador não mova o personagem antes.
Cada comandante possui um raio de influência no qual os mercenários recebem bônus de ataque e defesa. É possível aumentar esses bônus equipando determinados itens ou atuar fora desse raio de influência, o que costuma não ser uma boa decisão. As unidades também possuem vantagens em relação umas às outras, com cavaleiros sendo fortes contra soldados mas fracos contra lanceiros e outras variações disso, algo que o jogo apresenta muito bem visualmente.
Uma pequena curiosidade é que os mercenários não possuem “HP”, mas um número de unidades que compõem o pelotão, algo mais comum a jogos Turn-Based Tactics e não a um SRPG, enquanto os comandantes em geral possuem HP, apesar de serem acompanhados também de diferentes unidades representando a sua classe atual. No geral, todos esses pequenos sistemas rendem um sistema de combate bastante divertido e sólido, que, mesmo sendo bem simples, consegue entregar um desafio satisfatório.
A última coisa que precisa ser dita sobre esse remake foram as várias melhorias gráficas feitas nele e, nisso, a Chara-ani Corporation fez um trabalho muito bom. Todos os personagens e unidades tiveram seu visual refeito, modernizando o estilo gráfico típico dos animes dos anos 90 e as unidades em 16 bits para retratos animados mais em linha o estilo adotado hoje em dia e unidades representadas no campo de batalha com um estilo “chibi”. Além disso, toda a Interface de Usuário foi refeita para tornar a experiência melhor e mais intuitiva e o jogo foi totalmente dublado em japonês.
Ainda assim, caso o jogador queira reviver o estilo do jogo original ou tenha curiosidade em ver como os modelos de personagem atuais ficariam em um estilo clássico, é possível alternar entre a versão modernizada deles e o estilo antigo no menu, não ficando o jogador preso a nenhum dos dois em qualquer momento da experiência.
Isso tudo acaba resultando em uma experiência surpreendentemente boa e por mais que se esperasse um jogo sólido, considerando o material sobre o qual é baseado, foi feito mais do que o suficiente para entregar uma experiência moderna e mais em linha com os jogos do gênero atualmente, por mais simples que ainda seja, e que precisa estar no radar de qualquer fã do gênero que queira conhecer mais da sua história e, principalmente, que esteja atrás de um ótimo jogo.
Jogo analisado no PS4 padrão com código fornecido pela NIS America.
Veredito
Langrisser I & II é uma bem-vinda modernização de um clássico esquecido da era dos 16-bits. Com uma ótima história e sistema de rotas e um combate divertido e desafiador, ainda que simples, tudo resulta em um ótimo SRPG que agradará muito aos fãs do gênero.
Veredict
Langrisser I & II is a welcomed modernization of a forgotten classic from the 16-bits era. With a great story and route tree system, and a fun and challenging combat, even in its simplicity, everything results in an awesome SRPG that should please fans of the genre.