De todas as franquias nascidas no PlayStation Portable, God Eater é uma das mais curiosas e com mais potencial. Enquanto suas influências sempre foram claras como o dia, ela sempre teve suas próprias diferenças que fizeram com que a série desenvolvesse um grupo de fãs apaixonados e dedicados a ela, por mais que não fosse tão grande quanto a de outros jogos similares.
God Eater 3, a mais nova entrada da franquia da Bandai Namco, leva a série a um novo patamar, sendo o primeiro jogo dela desenvolvido especificamente para um console da atual geração (God Eater e God Eater 2 eram jogos de PSP e God Eater Resurrection era basicamente um port HD para PS Vita/PS4). Com as reinvenções que Monster Hunter World trouxe ao gênero de caçar monstros, coletar ingredientes e construir novos equipamentos para caçar monstros mais poderosos, a expectativa para o que GE3 faria era alta.
Como é tradição, GE3 coloca o jogador na pele de um recruta de um novo tipo de Caça-Deuses, os God Eaters Adaptáveis ou GEA, guerreiros recrutados ainda crianças, cuja sobrevivência ao teste de aptidão permite que eles tenham um número maior e mais dominante das suas Oracle Cells. Consequentemente, são capazes de desenvolver uma maior ressonância, ampliando assim suas habilidades e seus poderes ao custo de uma fatia ainda maior da sua humanidade.
Esse novo de tipo de God Eaters é necessário para combater um novo fenômeno chamado de Tempestade de Cinzas, cuja alta concentração de oracle cells permite que eles suportem e ofereçam alguma resistência a um novo tipo de aragami, os aragami das cinzas ou cinéreos. Trata-se de uma variação dos monstros com poderes semelhantes ao dos Caça-Deuses, com direito a ataques devoradores e modo de explosão próprios, oferecendo um desafio bem distinto e maior do que os outros monstros presentes no jogo.
Para combater essas criaturas, os AGEs têm ao seu dispor uma série de novos equipamentos e habilidades. Três novos tipos de armas podem ser utilizados, sendo duas armas de corpo-a-corpo (um machado em forma de meia-lua chamado de “Lua Pesada” e lâminas gêmeas chamadas de “Lâminas Mordedoras”, que podem se transformar em uma foice e uma glaive, respectivamente) e uma arma de fogo que dispara lasers constantes (chamada de Arma de Raios), em adição às armas já tradicionais da série. Jogar com essas armas novas é especialmente divertido, ambas fazendo com que o jogador se sinta bastante poderoso e eficiente. A possibilidade de alternar modos com um botão (além de alternar entre corpo-a-corpo e arma de fogo com R1, é possível acessar o modo secundário dessas armas com o direcional direito) torna isso ainda mais fácil.
Além disso, pilares básicos da série como a habilidade de devorar os inimigos para entrar no modo de explosão (e utilizar balas especiais para atacá-los ou aumentar o nível de explosão dos aliados) ou para coletar recursos retornam, com o Modo de Explosão sendo ainda mais importante para ativar as artes de explosão (bastante similares as Blood Arts de GE2), com uma gama considerável de habilidades à disposição do jogador e muito mais efetivas do que em GE2. É possível equipar até três delas (uma para combate normal, uma aérea e uma para o dash), com cada uma podendo ter aplicado um modificador de efeito para aumentar o seu dano ou a forma como ele funciona.
Adicione a isso os gatilhos de explosão, bônus ativados ao realizar uma determinada quantidade de certa ação, e o sistema de engajamento, um bônus causado pela ressonância entre dois AGEs ao lutarem na mesma área e que ativa novos efeitos a depender do personagem. Tudo isso, como dito, faz o jogador se sentir constantemente poderoso e podem ser melhoradas e evoluídas à medida que o jogador as utiliza.
Todas essas mecânicas funcionam muito bem e os comandos são bastante responsivos e eficientes. Essa grande variedade de estilos de combate e personalização, incluindo aqui a possibilidade de estar sempre criando novos equipamentos e tipos de balas (outro sistema de GE2 que volta e que é uma das formas mais eficientes de permitir adaptar o jogo à sua vontade) criado com uma série de melhorias na Interface do Usuário que foram feitas (não é mais necessário abrir o glossário para identificar vulnerabilidades elementais dos aragami, é possível ver as várias árvores de criação de itens com um simples botão, etc.), permitem que qualquer jogador consiga encontrar uma forma de lidar melhor com as missões.
A estrutura dessas missões, aliás, é algo bem simples, funcionando quase como um ponto negativo do jogo. GE3 mantém o esqueleto geral dos jogos anteriores da série em quase todos os seus aspectos, tornando-o mais familiar para os fãs de longa data e fácil de se entender para os novatos. Fica claro que a Marvelous First Studio, desenvolvedora que assumiu a série no lugar da Shift, procurou aprimorar o jogo e o seu gameplay ao invés de tentar uma evolução maior para ela.
Assim, o jogador se mantém navegando um hub central bem pequeno, onde é possível conversar com seus parceiros (as missões principais permitem convocar até três NPCs para lhe ajudar, com algumas exceções) para avançar na história, acessar um terminal para customizar seus equipamentos, construir novos itens, armas, escudos e peças de roupa, comprar novas habilidades para si e para os seus aliados ou acessar as missões e iniciá-las com a ajuda de um operador.
Essas missões são divididas em sete ranques diferentes e acontecem em pequenas arenas bem similares as dos jogos anteriores, com os inimigos se tornando progressivamente mais fortes e liberando itens de criação mais poderosos e que lhe permitem criar equipamentos mais adequados para enfrentá-los. Ao final de cada missão, o jogador recebe novos planos para criar equipamentos, novos itens consumíveis, god-arcs abandonados dos quais é possível extrair habilidades para melhorar e itens de criação novos a depender da nota recebida ao final dela.
O grande problemas dessas arenas pequenas é que acaba se tornando bem fácil ficar encurralado ou se perder com os movimentos da câmera. Enquanto isso em partes contribui bastante para o ritmo mais acelerado que o jogo possui em comparação com jogos similares (é raro alguma missão durar mais do que 10 minutos nos ranques iniciais) e a sensação de se estar constantemente lutando pela sua vida que faz parte da própria premissa do jogo, fica claro que muito disso vem da filosofia de design moldada pelas limitações dos portáteis para os quais GE1, 2 e R foram desenvolvidos e isso pode incomodar jogadores que, erroneamente, esperem algo mais próximo de um mundo aberto ou das arenas gigantes presentes em Monster Hunter World, já que o jogo nem chega perto de tentar imitar.
Como o jogo conta apenas com sete ranks principais, é fácil passar por todas as elas (o que inclui toda a história e mais uma quantidade considerável de missões opcionais, incluindo as Expedições em que o jogador participa de uma série de combates com monstros progressivamente mais fortes sem poder retornar à base, no single-player), algo que torna o jogo possível de ser completado em cerca de 30 horas, fazendo com que a repetitividade dos mapas não incomode tanto. Se há uma certa preocupação com a duração curta para um RPG, a Bandai Namco anunciou recentemente uma série de atualizações a serem lançadas para o jogo nos próximos meses que devem trazer novas missões, novos aragamis, mais conteúdo para a história e vários ajustes para o jogo em si.
Até essas atualizações chegarem, o jogador pode se manter ocupado com o modo multiplayer do jogo, sendo possível jogar várias missões normais com até outros três jogadores ou realizar uma das missões de assalto, um tipo especial de tarefa em que uma equipe de até oito jogadores precisa causar o máximo de dano possível a um aragami das cinzas especial e muito mais poderoso. Essas missões funcionam de forma bem similar ao que se imaginaria de uma raid e são bem divertidas de se fazer, com os jogadores tendo cinco minutos para derrotar o aragami e sendo recompensados mesmo caso não consigam fazê-lo.
Outro ponto bastante divertido de God Eater 3 é a sua história. Por mais que não seja perfeita, principalmente em alguns momentos em que o jogo tenta se tornar um pouco filosófico demais, ela é um ponto fortíssimo do jogo, sendo algo que costuma diferenciá-lo de outros jogos com estilo semelhante. A sua história de um grupo de crianças lutando pela sua liberdade e independência em um mundo pós-apocalíptico rende momentos bem tocantes e a forma como ela progride é a chave para isso.
Essa progressão se dá na força dos personagens de apoio da história. Se é possível criar o seu próprio avatar (e a decisão de torná-lo um personagem basicamente mudo, fora por alguns grunhidos em batalha não ajuda em nada o caminhar da campanha), o resto dos AGEs e boa parte dos demais personagens secundários são bem escritos e ganham ainda mais vinda pelo quão bem eles foram dublados (tanto em inglês, quanto japonês) e o fato do jogo inteiro ter sido traduzido para português (salvo pelo dublagem) ajuda muito a compreender a história, em especial por GE3 contar com uma enorme quantidade de termos próprios que são familiares para os fãs da série, mas podem ser um pouco complicado para os novatos, principalmente se eles não estiverem dispostos a consultar o extensivo glossário que o jogo possui.
Quando tudo é posto à prova e devemos analisar God Eater 3 pelo conjunto da obra, sem tentar compará-lo a jogos levemente semelhantes ou pelo que o jogo não tenta fazer, é impossível dizer que é algo além de muito bom. O combate é muito divertido e o looping básico de gameplay de decorar padrões de ataque de aragamis é viciante e desafiador quando vários monstros se combinam e a história, apesar de cair em alguns dos clichês mais básicos de animes tentando falar sobre filosofia, é ótima e se apoia na força e no carisma dos ótimos personagens que são comuns a esse mundo. A Marvelous e a Bandai Namco podem não ter mudado completamente o que significa God Eater, mas isso pode não ser tão necessário quanto a essência da série já era boa e se tornou ainda melhor.
Veredito
God Eater 3 é um jogo que, se não revoluciona a fórmula estabelecida nos títulos anteriores e cuja história pode ser um pouco difícil para quem não teve contato com eles por causa dos seus termos bem específicos, ainda conta com um gameplay responsivo, desafiador e muito divertido. Temos também uma campanha com ótimo senso de progressão e que, apesar de alguns tropeços, faz valer a pena as horas investidas pelos ótimos personagens e o lado emocional que podemos presenciar com o ótimo final.
Jogo analisado no PS4 padrão com código fornecido pela Bandai Namco.
Veredito
Veredict
God Eater 3 is a game that, if it doesn’t revolutionize the formula established on its previous entries and with its story being a bit hard to get into for those that don’t have previous contact with it because of its very specific terminology, still has a responsive, challenging and fun gameplay, with useful online functionalities, a campaign with great sense of progression and that, even with a few stumbles, make it worth the invested hours for its great characters and emotional investment with worthwhile ending.