“Tipo Dark Souls” é provavelmente uma das comparações descritivas mais utilizadas nessa geração de videogames, dado o impacto do jogo no gênero Hack and Slash. Apesar de um tanto redutiva e por diversas vezes mal utilizada, existem casos onde a comparação é simplesmente intuitiva e verdadeira. No caso de Code Vein, que trás algumas pitadas diferentes à mesa, seu batismo na internet foi de “Anime Souls” – o que acabou sendo uma das definições mais precisas que ele poderia receber. Pelo bem ou pelo mal.
Outrora publisher da série Dark Souls, a Bandai Namco resolveu criar seu próprio “souls-like”, com desenvolvedores que trabalharam em jogos como God Eater e Freedom Wars buscando criar algo desafiador e ao mesmo tempo com uma narrativa mais densa. O resultado é tão Souls quanto é Anime, e apesar de não atingir o alto nível de precisão e polimento que suas maiores inspirações possuem, Code Vein proporciona uma experiência que cativa, diverte e é uma boa alternativa para quem deseja conhecer o sub-gênero, adicionando alguns degraus de entrada que tornam as coisas um pouco mais flexíveis.
Em Code Vein, o mundo foi tomado por uma grande catástrofe que causou a morte de incontáveis pessoas e o surgimento de criaturas disformes e perigosas. Para enfrentar as ameaças deste mundo pós-apocalíptico, um projeto foi desenvolvido para ressuscitar os mortos com capacidades superiores a dos humanos e colocá-los para lutar. Estes foram chamados de Aparições.
O problema é que, junto a imortalidade e habilidades especiais (as diferentes “classes” do jogo, chamadas de Códigos de Sangue), as Aparições possuem uma eterna sede por sangue, e se ficam muito tempo em abstinência ou inalam uma névoa que permeia alguns lugares após a catástrofe, elas entram em frenesi, perdendo o controle e se tornando uma das criaturas monstruosas, os Perdidos – por isso usam sempre máscaras de gás.
Nesse cenário, você controla um personagem que desperta sem memória, mas que logo descobre possuir poderes especiais. Dentre eles a capacidade de restaurar fontes de sangue e purificar o ar, de reaver as memórias deixadas para trás pelos mortos, e também de herdar o Código de Sangue de qualquer um que aceite doar um pouco de sangue pra você. Aqui já podemos saber o quão Souls Code Vein é, o que ele traz de novidade.
Em seu núcleo, o jogo traz as principais características básicas dos jogos souls-like: uma dificuldade elevada com um combate mais calculado e preciso, uma jornada misteriosa onde você percorre cenários enfrentando inimigos, descansando e aplicando a experiência obtida em lugares específicos (as fogueiras de Dark Souls, que aqui são Viscos), e correndo o risco de perder o que obteve ao morrer, tendo então que retornar ao local onde morreu para poder recuperar tudo… O pacote básico está todo aqui.
Contudo, Code Vein trás uma proposta que dá mais liberdade e agência ao jogador a todo momento. A começar pela ferramenta de criação de personagem, que é riquíssima, permitindo criar o personagem emo de anime dos seus sonhos, ou sua waifu favorita, que podem ser alterados a qualquer momento (após o primeiro boss). Todas as opções já vêm destravadas de cara, e nada é omitido do jogador.
Em segundo lugar, existem dezenas de classes diferentes que são desbloqueadas no decorrer do jogo, e você pode escolher a que quiser, quando quiser. Apesar de elas não alterarem drasticamente o gameplay de seu personagem, cada uma possui status e habilidades (chamadas de Bençãos) diferentes, que fazem toda a diferença na hora de enfrentar desafios maiores, e permitem que o jogador adeque a experiência mais a seu próprio estilo (ataque, defesa, magias, suporte…). Essas habilidades podem ser compradas para que você as use na classe que quiser, ou conquistadas ao derrotar inimigos usando sua classe especifica. No final você estará misturando Bençãos de vários Códigos de Sangue diferentes de uma forma única, tendo uma experiência à seu gosto.
A terceira e mais nítida diferença é que essa não é uma jornada solitária. O tempo todo o jogador estará acompanhado por um NPC (que pode ser escolhido conforme você conhece mais personagens que se unem ao grupo), e eles fazem toda a diferença, mesmo que sempre haja um “contra” para cada “pró” que isso trás.
Seu companheiro é essencial no combate, derrotando inimigos por conta própria, distraindo alguns para que você se recupere, ajudando quando a quantidade de inimigos é maior, te revivendo quando possível… Porém, existem alguns momentos em que eles simplesmente não fazem nada ou não ajudam como deveriam. Eles também comentam cada uma de suas ações (até mesmo quando você abre o menu para manejar suas habilidades e itens), e apontam inimigos e objetos perdidos pelo cenário, dando dicas o tempo todo. O que por si só é diferente e deixa as coisas mais fáceis, porém o comentário constante e repetitivo se torna irritante bem rápido. Mesmo jogando no multiplayer online cooperativo, um NPC estará presente, a não ser que você os desative, o que eu não recomendo pois torna tudo absurdamente mais difícil.
A experiência de jogo segue cheia dessas novidades e diferenças que trazem diversos pontos positivos e negativos: Seu ritmo é bem mais rápido, mas as hitboxes (suas e dos inimigos) são bem maiores em compensação, o que deixa o combate um pouco impreciso, sua interface é bem mais intuitiva, possuindo até mesmo um mini-mapa com recursos interessantes, mas que não funciona muito bem em locais com andares que se sobrepõem, os famosos “backstabs” – ataques que causam enorme dano aos inimigos que precisam ser executados em suas costas – ativam belas animações especiais, mas além da imprecisão das hitboxes atrapalhar um pouco, eles são extremamente fáceis de usar e abusar, em especial nos inimigos mais comuns, deixando o combate um pouco mais tedioso, e para equilibrar todas essas facilidades que o jogo trás com uma dificuldade mais desafiadora, os ataques inimigos causam enorme dano ao seu HP, deixando algumas lutas contra bosses (que são ótimos, devo acrescentar) um pouco frustrantes – mas nada muito grave.
Outro ponto interessante em seu gameplay que merece destaque é o fato de este possuir apenas uma moeda corrente, que são também seus pontos de experiência. Logo, cabe ao jogador decidir se gasta dinheiro comprando itens e melhorando seus equipamentos, ou se sobe de nível e adquire habilidades. Ainda assim eu pude terminar o game com meus equipamentos no nível máximo e no level 138.
Mas lembre-se que Code Vein é feito de duas metades, e sendo assim, todos os pontos positivos e negativos de “ser anime” também estão aqui. Mais especificamente em seu mundo, história e personagens.
Como você já deve ter notado até aqui, tudo em Code Vein tem uma nomenclatura específica: Códigos de Sangue, Bênçãos, Aparições, Perdidos… Essa construção de mundo típica de animes está presente em todo o universo do jogo, e acaba por atrapalhar mais do que ajudar. Apesar de seus personagens serem carismáticos e interessantes, e poder se aprofundar em suas memórias para conhecê-los melhor ser um dos grandes charmes do jogo, a história em si parece mais preocupada em se fazer confusa a fim de forjar um falso mistério sendo revelado. Aqui encontram-se algumas das diferenças mais drásticas com os jogos da série Souls.
Em primeiro lugar, sai de cena a exploração do ambiente que te revela segredos sobre a história daquele mundo – o chamado environmental storyteling. Aqui, tudo é apresentado em longas cutscenes repletas de diálogos, e memórias pelas quais você pode caminhar e observar eventos passados ocorrendo (que possuem um ritmo exageradamente lento e tornam-se tediosas, mas o jogador pode pular se quiser). Por um lado, isso torna a narrativa mais compreensível e fácil de digerir para o jogador que não está interessado em analisar cada canto do cenário e ler páginas e mais páginas de história para entender o que está acontecendo – isso se ele encontrar todas elas.
Por outro lado, o mundo de Code Vein é completamente estático e desinteressante, sem nenhuma animação secundária, com pouquíssimos pontos de referência marcantes e, em sua grande maioria, consistindo de ruínas e corredores labirínticos e repetitivos, com uma paleta de cores lavada e cheia de tons marrons, salvo algumas exceções que você só acessa mais tarde no jogo. O game também possui músicas ótimas, mas que só estão presentes em alguns momentos-chave. Durante boa parte do percurso nesses corredores, apenas o som ambiente e os diálogos com seu parceiro preenchem o vazio.
Ainda assim, conversar, trocar presentes, conhecer e avançar a história com os personagens do game é interessante e consegue te manter interessado mesmo que a história não te mantenha. E sim, sendo “anime”, as personagens femininas (e apenas elas) são gratuitamente sexualizadas. Se isso te incomoda, fica o aviso.
Antes de dar minhas considerações finais, deixo também um aviso amigo: o game possui três finais diferentes, e é muito fácil deixar passar (e nunca mais poder recuperar) os detalhes que garantem o “final bom”, então recomendo procurar a solução na internet caso tenha interesse. É possível encontrá-la sem spoilers.
Entre erros e acertos, recomendo Code Vein para qualquer fã de anime que queira entrar no mundo dos souls-like, pra qualquer fã de souls-like que busque algo diferente, e para qualquer fã de games que busque um pouco de desafio. Ele pode não ser a melhor das opções entre tantos jogos de extrema qualidade do gênero, mas é com certeza uma ótima porta de entrada para drogas mais pesadas, digo, jogos mais difíceis.
Veredito
Code Vein traz diversas novidades interessantes para o sub-gênero dos souls-like, e, mesmo não atingindo a excelência em alguns pontos, ainda assim diverte e se destaca o suficiente para manter-se em meio aos grandes como uma possível nova franquia a se tornar referência.
Jogo analisado no PS4 padrão com código fornecido pela Bandai Namco.
Veredito
Veredict
Code Vein brings many fun and interesting features to the souls-like subgenre, and even though it doesn’t reach excellency in some aspects, it still stands out and entertains enough to stand amongst the big ones as a possible new franchise to become a reference.