A franquia Atelier talvez seja a responsável por algumas das experiências mais únicas e divertidas entre todas as várias séries que povoam os JRPGs. São jogos com um charme único e histórias leves, mas cheias de profundidade e com sistemas de gameplay ainda mais ricos que te fazem a todo momento contemplar como esse casamento de momentos cada vez mais fofos e desafio consegue funcionar tão bem.
Colocando o jogador no controle de uma jovem alquimista em mundos cheios de cor, diálogos quase diabéticos de tão doces e alguns dos personagens mais malucos e criativamente vestidos que um JRPG já viu, ao longo dos anos a franquia se estabeleceu como a epítome de um slice-of-life convertido em jogo, com uma pitada de administração de tempo surpreendentemente estressante.
O grande desafio para os jogadores cativados por essa premissa sempre foi “por onde começar” (e é uma questão pela qual eu mesmo passei), uma vez que a franquia possui mais de 21 jogos (excluindo-se spin-offs) espalhados pelas quatro gerações de consoles da Sony, um risco e problema comumente visto com séries tão duradouras, mesmo quando elas são relativamente independentes entre si.
Felizmente, além de duas séries distintas iniciadas no PS4 (a trilogia Mysterious e como quer que a série iniciada com o fantástico Atelier Ryza vá se chamar), a Gust e a Koei Tecmo trouxeram as outras duas icônicas trilogias do PS3 para essa geração com as coletâneas Atelier Arland Series Deluxe Pack do ano retrasado e agora com o lançamento daquela que talvez seja a melhor entre todas as suas sub-séries com o lançamento de Atelier Dusk Trilogy Deluxe Pack.
Um dos grandes charmes da trilogia Dusk é o quão bem ela consegue casar todas as características comuns à todos os jogos da franquia com um ar um pouco mais sóbrio e solene, algo ainda contrastante com o tom “veranesco” de Atelier Ryza, contando a história de um mundo em decadência e o papel dos nossos heróis nele, sem perder o charme das pequenas interações entre os personagens que são o que realmente o elevam a outro patamar, fazendo dela o melhor arco de jogos dentro da franquia.
Muitos desses tons mais sérios vêm do contexto por trás do desenvolvimento original da trilogia. A Gust começou a trabalhar no jogo em 2011, com o seu lançamento ocorrendo em 28 de junho de 2012, pouco mais de um ano após os terremotos e tsunamis de Tohoku que causaram uma imensa destruição no Japão (até hoje o maior evento desse tipo na história do país). Isso acabou fazendo com que a Gust tivesse uma visão mais sóbria do mundo, o que refletiu em uma trilogia que aborda da sua própria maneira desastres naturais e os seus efeitos nas pessoas.
Esse pacote que agora chega ao PS4 é composto por todos os três jogos (os quais podem ser adquiridos separadamente): Atelier Ayesha: The Alchemist of Dusk DX, Atelier Escha & Logy: Alchemists of the Dusk Sky DX e Atelier Shallie: Alchemists of the Dusk Sea DX, todos contando com os DLCs lançados para as versões de PS3 e PS Vita, além de ser baseado na versão Plus para o Vita, contando com todos os pequenos ajustes de Interface de Usuário e localização e adições a história contidas nelas.
A coletânea é especialmente importante pois, ao contrário das outras trilogias, essa é muito mais ligada entre si, com uma narrativa correndo por todos os três jogos, mesmo que eles ainda sejam relativamente independentes entre si. Há um mundo estabelecido no primeiro jogo e aos poucos as consequências das ações de cada um dos protagonistas e seus companheiros no mundo vão sendo sentidas nos jogos futuros.
O primeiro jogo nessa linha temporal é Atelier Ayesha: The Alchemist of Dusk DX. É através dele que o mundo, conhecido como Land of Dusk, vai sendo estabelecido enquanto Ayesha Altugle parte em uma jornada para se tornar uma alquimista e conseguir desvendar o paradeiro da sua irmã mais nova Nio, a qual ela acreditava ter sido abduzida para outro mundo, mas, após um encontro com um alquimista misterioso, é descoberta viva, cabendo a Ayesha desvendar os mistérios desse mundo e das ruínas espalhadas por ele para salvar a sua irmã.
A história da Ayesha é a mais parecida com os demais jogos da série e ela acaba sofrendo um pouco, ainda mais em comparação com os demais. Parte disso vem por ela ser uma garota inocente jogada em uma jornada sobre a qual ela não sabe nada no começo do jogo, o que acaba a tornando uma personagem muito irritante, algo que é contrabalanceado pelo ótimo elenco de personagens secundários (muitos dos quais tem papel muito importante nos jogos seguintes).
Ainda assim, o mistério por trás da história da Ayesha é suficientemente cativante para te manter envolvido com a história e o crescimento dela acaba sendo bastante recompensador. A jornada da protagonista é tanto sobre autoconhecimento e evolução pessoal quanto é sobre entender o porquê aquele mundo antes tão próspero e em sintonia com a arte da alquimia se perdeu e foi aos poucos caminhando para a sua própria ruína.
A estrutura do jogo em si é a mesma de outros jogos da franquia, com a Ayesha tendo um limite de três anos para concluir a sua jornada e salvar Nio, com cada passo dado no mapa do mundo, cada item coletado nas áreas exploráveis e cada novo item criado com alquimia avançando o marcador de tempo. Não é nada difícil de se acostumar e há uma considerável margem de erro para o jogador completar as missões que lhe são dadas ao longo do jogo e conseguir um dos 10 finais diferentes.
É aqui também que o jogador acaba se familiarizando com os principais elementos da franquia. Synthesis, o sistema através do qual o jogador combina diferentes ingredientes para criar novos itens com alquimia é o esqueleto sobre o qual o jogo se constrói e o faz muito bem. É um sistema bem simplificado mas muito rico e cheio de possibilidades, sempre se tornando mais amplo à medida que Ayesha vai evoluindo de apotecária para alquimista.
O sistema de batalha é por turnos, com uma barra determinando a ordem de ações e cada um dos personagens da equipe (até três personagens ativos por vez) podem atacar, usar habilidades e se auxiliarem em combate, o que é determinado através de uma barra de Active Command que vai sendo preenchida ao longo da batalha, e um interessante foco no posicionamento dos personagens em relação aos inimigos, com ataques nas costas deles causando mais dano do que ataques normais.
Todos esses sistemas e a história funcionam bem, fazendo de Atelier Ayesha uma experiência divertida e um JRPG que, apesar de relativamente curto para o seu gênero (algo entre 20-30 horas para a campanha principal com mais umas 10 horas se você quiser fazer tudo). Ainda assim, ele acaba sendo a parte mais fraca deste pacote. Em contrapartida, os outros dois jogos do pacote são facilmente dois dos melhores de toda a ilustre história da franquia.
Enquanto alguém que acompanha (e respira) JRPGs (quase) em excesso, é natural perder um pouco a sensação de surpresa e se tornar um pouco menos sensível ao ar de deslumbramento que esse estilo de jogo costuma buscar trazer para o jogador. Mas, de alguma forma, Atelier Escha & Logy: Alchemists of the Dusk Sky é um jogo difícil de falar sobre pelo quão merecedor de todo tipo de elogio o jogo é, muito pelo quão ele consegue capturar esse sentimento de maravilhamento que a maioria de nós tem com os seus primeiros JRPGs.
Não há nada de “revolucionário” aqui. Atelier Escha & Logy simplesmente pega a mesma fórmula que já havia sido aplicada antes na franquia e a utiliza para entregar um jogo basicamente sem falhas, com uma história incrível, um elenco de personagens que, de alguma forma, não possui um elo fraco, um sistema de combate engajante e que consegue ser desafiador quando quer mas que em momento se torna excessivamente fácil, e um sistema de synthesis ainda melhor trabalhado que em seu antecessor.
A história do jogo se passa um ano após a conclusão de Atelier Ayesha, em Colseit, um lugar bem a oeste da Twilight Land do jogo anterior, um local onde as pessoas reaprenderam a arte da alquimia e se concentram em restaurá-la a sua antiga glória. Colseit é uma cidade que cresceu em razão da busca das pessoas daquela terra por alcançar umas ruínas flutuando no céu chamadas de “The Unexplored Ruins” que até aquele momento nunca foram visitadas.
Ao contrário da Ayesha, aqui temos dois protagonistas, Escha & Logy, ambos sendo alquimistas já com alguma experiência, mesmo que ainda estejam em começo de carreira, cabendo ao jogador escolher pelo ponto de vista de qual dos dois ele quer ver os acontecimentos do jogo.
Independente de qual seja a escolha, a dinâmica entre os dois é central para o plot, sendo uma das principais forças-motrizes por trás dele e há variação o suficiente para justificar jogar ambas as campanhas – além dos onze diferentes finais e dos troféus, é claro – com a Escha sendo voltada para fãs de longa data e o Logy mais focado em jogadores sem tanta experiência na série.
Escha Malier, a protagonista feminina, é uma jovem nascida em Colseit cuja família é responsável por cuidar da principal fazenda da cidade, cujo pomar é a maior plantação de Colseit e uma das suas principais mercadorias. Logix “Logy” Ficsario é um alquimista vindo de Central City que precisou deixar a sua vida lá por alguns eventos infelizes. Ambos se juntam ao departamento de R&D do braço do governo em Colseit no mesmo dia e passam a atuar juntos em uma série de projetos.
Esses projetos são a forma como a passagem de tempo é implementada aqui. Diferente oo seu antecessor onde você precisa seguir uma estrutura mais “rígida” da história em que cada passo dado era um dia a menos para tentar salvar a Nio, aqui os alquimistas têm um prazo de 120 dias para completar nove missões centrais da forma e tempo como entenderem melhor. É bem comum terminar as missões principais com 90-100 dias de folga, dando ao jogador “free time” para fazer o que bem entender.
Nesses períodos livres é possível completar os demais “assignments”, além dos 9 principais que necessários para avançar a história, existem outros 21 complementares e quanto mais forem feitos, mais bônus são dados, de dinheiro e itens a novas receitas de alquimia. Além disso, existem “requests” de outros braços do governo que dão bônus que te permitem duplicar itens criados sem a necessidade de passar dias sintetizando-os ou gastar ingredientes para isso, além de diversos eventos com os outros 9 personagens que vão se juntando a sua equipe.
O processo de Synthesis funciona de forma bem parecida com a do jogo anterior, com a grande diferença ficando para o fato de que aqui Escha é especializada na criação de itens normais enquanto Logy cria armas e armaduras através de um sistema de “training”, além de ambos poderem usar uma máquina de “disassembling” para descobrir a receita para recriar relíquias descobertas explorando as várias áreas do jogo.
O combate como um todo é bem similar ao de Atelier Ayesha, com a diferença que a posição relativa aos inimigos fica em segundo plano, não havendo mais os bônus de ataques pelas costas. Posicionamento no geral é menos importante, influenciando apenas os ataques em área, tanto do jogador quanto dos inimigos. É uma perda que acaba não sendo muito importante, uma vez que as adições são muito mais significativas.
Mesmo assim, o combate é mais rico, com a possibilidade agora de utilizar duas linhas de três membros, sendo possível alternar entre eles durante o combate, seja para proteger ou atacar usando a barra de “Support”, seja com ataques especiais únicos ou simplesmente substituindo-os em uma das opções do menu de combate. É um sistema simples, mas que evolui satisfatoriamente o anterior e traz ainda mais profundidade para algo que é secundário na série.
Por fim, o pacote conta ainda com Atelier Shallie: Alchemists of the Dusk Sea DX, o final da trilogia, se passando 10 anos após o início de Atelier Ayesha e seis anos após o começo de Atelier Escha & Logy, e que leva toda a narrativa envolvendo o mundo para a sua conclusão, com as fontes de água chegando quase a sua completa seca e com os alquimistas por toda a parte trabalhando para encontrar uma solução para este problema.
Atelier Shallie usa o mesmo sistema de dois protagonistas vistos no jogo anterior, com as mesmas pequenas variações dependendo de qual das duas personagens o jogador escolher. Aqui nós temos Shallistera Argo, uma alquimista filha do líder de uma vila que viaja para Oasis em busca de uma solução para a seca que afeta a sua terra natal; e Shallotte Elminus, uma jovem alquimista dessa cidade Oásis que cuida do atelier do seu falecido pai e faz alguns trabalhos para garantir a sobrevivência sua e de sua mãe.
A relação entre as duas jovens apelidadas de “Shallie” é tão importante quanto a relação entre Escha & Logy eram no jogo anterior, mas ela nunca realmente chega ao mesmo nível de qualidade nas interações entre as duas (apesar de, novamente, haver motivos suficientes para jogar ambas as campanhas). Isso não tira nada da qualidade do plot em si, que talvez seja melhor e intrigante do que a dos dois jogos anteriores, o que acaba balanceando a qualidade de ambos (apesar de haver uma certa fadiga em se jogar o seu 3° Atelier em menos de um mês).
Os sistemas vistos no jogo anterior todos retornam, não havendo quase nenhuma alteração nos sistemas de Synthesis, com a única diferença sendo que uma terceira alquimista, Miruca Crotze, é a responsável por criar armas e armaduras, papel que era de um dos protagonistas, e a maneira como os finais são desbloqueados através do sistema de Friendship e mais alguns objetivos existentes no jogo.
O sistema de “assignments” e Atelier Escha & Logy retorna levemente modificado. Atelier Shallie abandona o limite de tempo existente, com a história agora progredindo através de um sistema de “Life Tasks”, as quais, após completadas, dão ao jogador um período de “free time” para fazer o que ele quiser. Existem uma série de objetivos principais e tarefas secundárias que podem ser feitas para completar as “Life Tasks”, dando ao jogador ainda mais tranquilidade no ritmo em que ele precisará avançar no jogo.
A principal novidade é a inclusão de uma barra de “motivação” que influencia a forma como Shallie (qualquer uma das duas) irá lidar com as tarefas como coletar materiais, synthesis, exploração e até mesmo as batalhas. Quanto mais cheia essa barra estiver, mais rápido o jogador anda pelos mapas, mais itens são coletados e mais fortes os ataques serão em combate. Além disso, a exploração também é influenciada pelas life tasks, com as áreas mudando dinamicamente a depender de como o jogador as cumpre.
O sistema de combate é basicamente o mesmo do jogo anterior, com uma única mudança que é a inclusão de uma barra de Burst a qual, após preenchida, ative um estado de mesmo nome que ativa vários boosts quanto mais ataques são linkados uns nos outros e permite a utilização de habilidades especiais muito poderosas.
Atelier Shallie é um jogo um pouco mais difícil de se falar sobre sem entrar em spoilers, mas é um jogo elevado pela experiência com o jogo anterior. Muitos personagens retornam tanto de Atelier Ayesha quanto de Atelier Escha & Logy, várias pontas “soltas” são devidamente amarradas ao longo do jogo e dão a história da trilogia Dusk uma merecida e incrível conclusão que deverá agradar muito aos jogadores que investirem as horas necessárias para concluir todas as cinco campanhas (tanto Atelier Escha & Logy quanto Shallie devem durar entre 40-50 horas para se fazer tudo).
Ainda assim, ele não consegue alcançar o mesmo (altíssimo) nível que Atelier Escha & Logy chega, com ambas as protagonistas não tendo o mesmo carisma que Escha possui ou seus mistérios não conseguindo prender o jogador da mesma forma que o passado de Logy ou a busca de Ayesha para salvar Nio conseguem. Mesmo com isso, o plot geral mais do que fazem valer a pena a dedicação para concluir a saga e faz com que o pacote como um todo valha a pena.
Um último ponto que precisa ser mencionado sobre toda a trilogia é o quão belo o jogo é. O design do mundo e dos personagens (todos eles com seu próprio senso de moda e visual marcante) é de um cuidado incrível e tudo muito, muito bem feito, com um senso estético que, casado com a fantástica trilha sonora (duas marcas registradas da Gust), fazem do jogo um espetáculo visual e auditivo a cada momento.
Isso faz com que a experiência como um todo valha muito a pena, já que todos os três títulos possuem personagens carismáticos (tanto os protagonistas quanto o vasto elenco de personagens secundários), com personalidades brilhantes e constantemente se envolvendo em situações absurdas, ainda que tudo acabe sendo um pouco mais sóbrio e cheio de nuance em razão do contexto por trás do desenvolvimento deles.
É especialmente tocante como todas as pessoas ao redor do mundo, ao enfrentar a sombria ameaça conhecida como “Dusk” ao invés de se voltarem umas contra as outras passam a agir em uníssono, buscando se auxiliar para encontrar uma solução para os problemas e não olhando egoisticamente para o seu próprio umbigo.
Mesmo com seus subtons mais sérios, Atelier Dusk ainda traz uma bela (e importante) mensagem sobre a possível pureza do ser humano e a sua capacidade de mudar até as mais sombria das situações. E, honestamente, o mundo precisa de mais jogos que te passam uma sensação de esperança e comunidade para nos lembrarmos do que podemos ser, em especial quando por todo lugar o que se vê é uma crescente onda de egoísmo e raiva uns contra os outros (algo do qual eu sou tão culpado quanto qualquer um).
No final das contas, a sensação que a trilogia como um todo passa é de se estar jogando uma das mais completas e bem realizadas subséries de JRPG já lançadas, mesmo que ela tenha ficado levemente esquecida no PS3 (enquanto muita gente inventava que JRPGs tinham acabado). Todos os jogos possuem o seu próprio charme e que os estabelecem como experiências valorosas por si só, sendo todas elevadas pelo conjunto da obra, o que acaba permitindo que Atelier Escha & Logy se sustente como um dos melhores JRPGs que eu joguei na vida. Seja você um curioso pela série, um fã de longa data ou alguém convertido por Atelier Ryza, Atelier Dusk Trilogy Deluxe Pack é uma coletânea fantástica que merece ser apreciada.
Veredito
Atelier Dusk Trilogy Deluxe Pack é uma incrível coletânea de três ótimos jogos que ficaram esquecidos no PS3 e que agora chegam a uma nova (e maior) audiência que finalmente pode e deve apreciar o seu incrível charme, bela narrativa, fantástica direção de arte e, em especial, carismáticos e marcantes personagens.
Jogo analisado no PS4 padrão com código fornecido pela Koei Tecmo.
Veredito
Veredict
Atelier Dusk Trilogy Deluxe Pack is an incredible collection of three great games that were somewhat forgotten on the PS3 and now arrive for a new (and bigger) audience that finally can appreciate its incredible charm, beautiful narrative, fantastic art direction and, specially, charismatic and memorable characters.