Análises

Acre Crisis – Review

Não é de hoje que cada um de nós clama para que a Capcom finalmente incorpore o espírito de John Hammond (personagem do lendário filme Jurassic Park) e traga para os dias atuais um tesouro arqueológico da era do PSOne, a franquia Dino Crisis, de preferência ignorando para sempre aquela aberração do terceiro jogo. Enquanto isso não acontece, há quem tenha seus próprios planos e inspirações.

Acre Crisis, desenvolvido por David Pateti e publicado pela Sometimes You, se aproveita de uma temática que fascina gerações após gerações, e não esconde suas inspirações concetuais ou estéticas, trazendo para o norte brasileiro a ação e o confronto contra criaturas ancestrais. Poderia ser um meme, mas não só é real, como chega até o Playstation 5 depois de estrear nos computadores.

A trama nos leva até o ano de 1992, quando estranhas criaturas são responsabilizadas por desparecimentos e mortes peculiares em uma área de pesquisas secretas no coração da floresta amazônica. Assumimos o papel de Tais Oliveira, subtenente da Polícia Militar do Estado de São Paulo que, como parte de uma força-tarefa composta por forças de vários estados brasileiros, é enviada para investigar o local e resgatar possíveis sobreviventes.

Como se poderia imaginar, o plano dá errado quando o helicóptero onde sua equipe está é atacado e ela se vê sozinha, perdida na mata fechada, tentando sobreviver enquanto descobre os segredos de uma trama nefasta que envolve o governo militar dos anos 1960, pesquisa com armas biológicas e outros segredos obscuros que vem à tona.

E se este enredo nos parece um tanto quanto conhecido, não é à toa, já que o jogo transpira Os jogos de horror de sobrevivência da segunda metade da década de 1990, e por mais raso que seja em um jogo que dura não mais que 3 ou 4 horas, é um afago nostálgico de fã para fã para os veteranos de Dino Crisis e Resident Evil.

A jogabilidade, porém, foge totalmente da dinâmica da terceira pessoa e da câmera fixa em diferentes ângulos com cenários estreitos e pré-renderizados, e aposta em um ousado esquema de tiro em primeira pessoa, nos colocando em uma mundo aberto inóspito e cheio de perigos constantes. Com a exploração livre, Acre Crisis faz da liberdade uma outra forma de opressão.

E se o pressuposto é ousado, a execução não o faz funcionar a contento. O estilo low poly, emulando os visuais da geração 32 bits, tem seu charme e apela para um sentimento saudosista, mas a escolha traz consigo uma coleção de criaturas genéricas, construções simplórias e um ambiente sujo e repetitivo, algo que funciona bem considerando a ambientação estereotipada, mas pouco soma à imersão.

Também há um surpreendente modelo de clima dinâmico, com ciclos de dia e noite que influenciam na visibilidade e nos perigos à espreita. Por outro lado, a geração de partículas e a cenografia não aproveitam de qualquer variação de iluminação para se destacarem. Ao contrário, há o uso de filtros esquisitos de movimento que só fazem a coisa borrar e, nitidamente, só parecer que nossa heroína tem problemas de visão.

Soma-se a isso um evidente valor de produção singelo, que se reflete em um acabamento questionável que, se analisado com olhos mais sisudos, mais parecem uma versão em desenvolvimento não finalizada. É necessário que mudemos o padrão de avaliação para entender as limitações como parte do charme da obra para poder apreciá-la, mas nem sempre isso é possível, sobretudo quando problemas de colisão atrapalham a jornada em si.

Por exemplo, ser atacado por um tiranossauro quando já estamos dentro de uma construção segura porque ele ignora o fato de há uma parede entre nós é uma questão que vai para além do “copo meio cheio”, e evidencia um design que precisa de um apuro melhor. A geração procedural de inimigos, quando em campo aberto, também é um fator que adiciona certa aleatoriedade, mas influencia no ritmo da jornada.

Tudo isso, porém, não seria um problema grande se a jogabilidade não se arriscasse tanto em um mapeamento tenebroso de comandos para um sistema desajeitado de combate. Ainda que a explicação para o uso de um botão de rosto para correr seja óbvia, ela simplesmente quebra o jogo em favor de um lembrete de como era no passado.

O resultado é ter que escolher entre correr e direcionar a corrida. Se você está em fuga, portanto, tem que seguir em linha reta e, se precisar mudar de direção, parar, usar o direcional direito, e depois voltar a usar a velocidade. É como se os controles fossem pensados para um modo de câmera e o jogo estivesse em outro, o que só piora quando se descobre que não é possível customizar esses comandos.

Isso tudo piora quando os ataques com armas de fogo ou de combate corpo-a-corpo estão mapeadas para o círculo, já que o X é o que faz correr. Como a movimentação é desengonçada e piora pelo terreno acidentado, já que nossa personagem tem problemas sérios para ultrapassar qualquer desnível no chão ou com a colisão com qualquer objeto, independente do quão flexível ele deveria ser, tudo é um grande martírio.

Se o sistema de movimentação e enfrentamento fosse um reflexo do treinamento da personagem, é como se ela estivesse no primeiro dia de serviço sem nunca ter encostado em uma arma antes, e ainda como braços e pernas engessados. Podemos até questionar a capacidade de Leon Kennedy em Resident Evil 2, mas a nossa Tais parece realmente não ter qualquer coordenação motora para uma vida no escritório, imagine numa floresta infestada por dinossauros.

O resultado de tudo isso é uma grande bagunça que fica entre a homenagem e a incoerência técnica, o que é uma tristeza já que muitos destes problemas são decorrentes de escolhas esquisitas e equívocos de design, e não só das óbvias restrições orçamentárias e de estrutura de desenvolvimento.

Ainda assim, Acre Crisis não é um desastre completo, e quando superamos toda a esquisitice da interface, há algo a se extrair dele. Os confrontos são realmente perigosos; as criaturas, dentro da estética de modelagem, são diversas o suficiente, e até confrontos contra chefes trazem uma certa adrenalina seja pelo estilo implacável dos bichos que não param de avançar nunca, seja pela limitação de recursos, como medkits ou munição.

Curiosamente, perceber que há boas ideias é um elemento de maior lamento, porque o jogo poderia ser só uma paródia tosca irrelevante, mas no final, ele tem um potencial muito maior. Quem sabe um futuro Acre Crisis possa aprender com os equívocos do primeiro para dar um passo adiante e fazer o serviço que a Capcom continua se negando em fazer.

Acre Crisis está disponível para PS4, PS5, Xbox One, Xbox Series, Switch e PC com dublagens e legendas em português do Brasil. Esta análise é da versão PS5 e foi realizada com um código fornecido pela Sometimes You.

Veredito

Acre Crisis é uma obra que flerta com o potencial intrínseco da proposta, mas aspectos como a falta de refinamento gráfico e, principalmente, os controles tenebrosos o impedem de se destacar pelos méritos próprios e pelas claras homenagens a jogos que estão em nossa memória afetiva. É um produto incompleto e inacabado, que prova o quanto só a nostalgia não é suficiente para uma experiência retrô.

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